Um dia antes do início do silêncio do Comitê de Política Monetária (Copom), quando ficará impedido de comentar sobre a política monetária, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reforçou que uma queda dos juros dependeria de um "choque fiscal positivo". Esse foi o principal recado de uma palestra do banqueiro central em um evento do Lide, em Londres - que tinha como tema a experiência brasileira com a moeda digital e o Open Finance.
"A mensagem aqui é que é muito difícil trabalhar com juros estruturalmente mais baixos, cair os juros e trabalhar com juros mais baixos, sem ter um choque positivo na parte fiscal, sem ter uma percepção pelo lado do mercado que o fiscal vai melhorar", repetiu Campos Neto, único painelista a fugir do tema da mesa. "Todas as vezes que o Brasil conseguiu cair os juros e trabalhar com juros mais baixos foram acompanhadas de choques fiscais positivos."
As falas do presidente do BC ocorreram na última participação pública de um membro do Copom marcada para ocorrer antes do período de silêncio, que vedará novos recados antes da próxima decisão do Comitê, no dia 6, quando a ampla maioria do mercado espera um aumento de 0,5 ponto porcentual na taxa Selic. Também coincidem com a expectativa de anúncio, nos próximos dias, de um pacote de corte de gastos de até R$ 50 bilhões pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Campos Neto e outros membros do Copom têm, inclusive, repetido a importância da questão fiscal. Em uma bateria de declarações públicas ao longo dos últimos dias, o presidente do BC e os diretores Diogo Guillen (Política Econômica) e Renato Gomes (Organização do Sistema Financeiro e Resolução) - vistos como da ala mais hawkish do comitê - bateram na mesma tecla: o risco fiscal adicionou prêmio às expectativas e, sem uma sinalização de sustentabilidade, elas não vão cair.
Na segunda-feira, em um encontro com investidores organizado pelo Deutsche Bank, Campos Neto disse não saber o teor do pacote de corte de gastos que está sendo desenhado pela equipe econômica, mas reforçou a importância de uma medida "estrutural" para sinalizar ao mercado que o fiscal será sustentável ao longo do tempo. Ele vem destacando que o Brasil é o único país cuja curva precifica um aumento de juros, mesmo tendo resultados primários em linha com emergentes.
"A única coisa que tenho dito é que parece haver um prêmio de risco crescente que eu acho que está cada vez mais associado à política fiscal. Eu acho que, para que isso seja revertido, você precisa criar uma percepção de que você fez algo que pode mudar o quadro estruturalmente. Eu espero que o plano que for anunciado seja um plano que seja percebido pelo mercado como sendo capaz de fazer isso", disse ele na segunda-feira.
Ele, inclusive, afastou a possibilidade de a credibilidade da política monetária ter afetado as expectativas - algo que foi um ponto de destaque antes do último Copom, quando os membros do comitê repetiram à exaustão que fariam tudo que fosse preciso para levar a inflação à meta.
O recado é relevante pelo timing. As expectativas de inflação do mercado continuam desancoradas e acima do próprio cenário do BC, mesmo com a projeção de alta da taxa Selic até 12% no fim do ciclo, em janeiro, e queda dos juros só a partir do fim do ano que vem.
Como o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) vem mostrando, os economistas do mercado vêm reforçando a preocupação com a política fiscal e a sustentabilidade do arcabouço. Antes da sua penúltima reunião do Copom, Campos Neto retomou o recado que repetia ao longo de 2020: agora, o Banco Central é o passageiro, e o piloto é o fiscal.
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