O professor Thiago Santos, de 42 anos, voltou a consumir carne vermelha recentemente, motivado pela redução nos preços. Depois de uma temporada priorizando a carne suína nos churrascos em família, por ser mais barata, ele voltou a abastecer a geladeira de casa com cortes bovinos.
"A picanha acho que continua muito mais cara do que já foi um dia. Mas as carnes que eu consumo, que são fraldinha, filé de costela e coração de alcatra, essas caíram bastante. Fiz uma coisa que eu não estava mais fazendo, que é comprar para ter em casa uma peça guardada no congelador", contou.
Segundo os especialistas, a sensação experimentada por Santos não é um caso isolado. A trégua esperada nos preços dos alimentos em 2023 deve, enfim, reduzir o nível de inflação percebido pelas famílias mais pobres no País. Tanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo IBGE e indicador oficial da inflação no País, quanto o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Getulio Vargas (FGV), já mostram itens importantes na cesta básica dos brasileiros com reduções de preços no varejo, entre eles carne bovina, de frango, batata-inglesa, cebola e tomate.
A desaceleração no ritmo de encarecimento da alimentação combinada à remodelação de programas de transferência de renda às famílias mais vulneráveis, como o Bolsa Família, pode proporcionar uma sensação de alívio no orçamento dos mais pobres após os anos recentes de aperto, afirmou Maria Andreia Parente Lameiras, técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
"Quando a gente olha essa inflação alta de alimentos nos últimos anos, ela não aconteceu num segmento específico, ela não foi só leite, não foi só carne, foi tudo: leite, carnes, tubérculos, panificados. Não tinha muito para onde correr, não era um segmento da alimentação que você podia abrir mão ou trocar", disse ela. "Agora, a tendência é de que essa desaceleração também aconteça de maneira uniforme, em todas as categorias. Então, a gente espera desacelerar (o preço do) leite, carnes, panificados, tubérculos, e isso vai ajudar, de fato, o poder aquisitivo dessas famílias de renda mais baixa."
Freio
O IPCA de fevereiro subiu 0,84%, mas impulsionado, em grande parte, por reajustes de instituições de ensino privadas, que atingem especialmente as famílias de renda mais elevada. Para o restante do ano, economistas esperam que preços administrados pelo governo e serviços sejam os vilões, enquanto os alimentos consumidos no domicílio devem ajudar a frear a inflação média no País.
Os produtos alimentícios comprados em supermercado subiram apenas 0,04% no IPCA de fevereiro. Na prévia de março, medida pelo IPCA-15, os preços ficaram praticamente estáveis, com elevação de 0,02%.
Os alimentos consomem em torno de 25% do orçamento das famílias mais pobres, e não chegam a 10% da cesta de consumo no grupo de mais ricos, lembrou Maria Andreia, do Ipea.
Segundo Fábio Romão, economista da LCA Consultores, as famílias deverão pagar 22,6% a menos em 2023 pelos tubérculos, raízes e legumes. As carnes devem registrar queda de 3,3%, enquanto os preços de óleos e gorduras podem recuar até 5,5% no ano. Considerando os aumentos em outros itens, as compras nos supermercados subirão apenas 1% em 2023.
Romão projeta que os alimentos para consumo no domicílio fiquem próximos da estabilidade ou tenham deflação nos próximos sete meses, voltando a subir apenas no último trimestre, por um movimento sazonal de encarecimento dessa classe de produtos. Os recuos de preços previstos, porém, não devolverão os aumentos registrados nos anos anteriores, o que resulta numa sensação apenas parcial de melhora sobre o orçamento das famílias mais pobres.
"É como se você tivesse escalado uma montanha com aquele jipe 4x4 muito rapidamente. Chegou ao pico. Agora, você vai descer a pé. O nível de preços está muito alto. Então, para de piorar, e você começa a ter uma sensação, na margem, de melhora", avaliou Romão.
Confiança
As famílias de renda mais baixa já mostraram uma melhora na confiança em março, com uma ajuda da trégua na alimentação, sugerem dados da Sondagem do Consumidor, da FGV. O índice de confiança do consumidor subiu 2,5 pontos em março ante fevereiro, na série com ajuste sazonal, para 87,0 pontos. Entre os consumidores com renda familiar abaixo de R$ 2.100,00 mensais, essa alta chegou a 4 pontos, para o patamar de 88,4 pontos - aproximando-se do nível de confiança da faixa mais rica (que recebe acima de R$ 9.600,00 mensais), cujo índice caiu 0,8 ponto, para 89,1 pontos.
A coordenadora das sondagens da FGV, Viviane Seda Bittencourt, disse que as famílias de menor poder aquisitivo relataram uma percepção de melhora da situação financeira, embora partam de um patamar extremamente baixo em termos históricos. Ela vê contribuição do novo Bolsa Família e da perspectiva pelo Desenrola, o programa de renegociação de dívidas que está sendo fechado pelo governo com os bancos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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