Ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal afirma que a regra de exceção para aumento de despesas em 2024, incluída no projeto do novo arcabouço fiscal, aprovado na semana passada na Câmara, tem custo, tira credibilidade e deveria ser revista na votação do Senado. "O que vimos foi: Vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais. E quem que garante que não vai fazer depois?", alerta.
O risco, aponta ele, é haver a volta de novas tentativas para "bypassar" (driblar) a regra, como aconteceu com o atual teto de gastos.
Especialista em contas públicas que deixou o governo Bolsonaro no movimento conhecido como "debandada", após acordo feito para furar mais uma vez o teto de gastos, Funchal diz que será difícil o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregar as metas fiscais prometidas.
Na entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele explica a razão.
O projeto do arcabouço foi aprovado na Câmara com grande folga: 372 votos a favor. Qual a sua avaliação?
O relatório já tinha sido construído com certo consenso. Cada um cedendo de um lado, se chegou a um texto que teve grande adesão. E, aparentemente, vai ter também no Senado, pelo que já tenho visto. Mostra uma boa articulação do Ministério da Fazenda. É claro que com o apoio do Arthur Lira (presidente da Câmara) e do Rodrigo Pacheco (presidente do Senado).
Quais os avanços e pontos negativos do projeto?
O projeto original não tinha um mecanismo muito forte para ajustar a despesa, porque o contingenciamento (bloqueio preventivo de recursos para cumprimento da meta) era uma opção. Foi nesse ponto que o relator trabalhou e em que há o maior ganho, pois era de onde vinha a maior fragilidade para o governo entregar as metas. E trouxe os gatilhos. Então, além de contingenciar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento terão uma ferramenta para lidar na execução do Orçamento.
Por que esse ponto do contingenciamento obrigatório é tão importante?
Traz credibilidade. Se me comprometo com a meta e frustrar a receita, posso compensar na despesa. É positivo. A crítica ao relatório do (deputado Claudio) Cajado é a exceção criada (para o aumento de despesas) em 2024. Ele diminuiu as despesas que ficarão fora do limite do teto, mas ele trouxe essa exceção temporal.
Qual o maior problema da exceção?
Precisamos de uma regra crível, com comprometimento. Quando se define uma regra e se fala "vamos fazer uma exceção no primeiro ano", cria uma dúvida. Será que tem compromisso mesmo em relação à regra? O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa, redução de prêmio de risco de juros, se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: "Vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais". E quem que garante que não vai fazer depois? Aí, voltamos para o problema que tivemos no final do teto, que é fazer emendas constitucionais para "bypassar" (driblar) a regra.
Será necessária uma nova rodada de melhoria da regra mais para frente?
Não sei se precisa de uma nova rodada. Acho difícil explicar do jeito que está. Para o bem do País, a regra poderia ser mais simples.
O Senado deveria, então, trabalhar para simplificar a regra, principalmente a exceção para 2024?
É um ganho para todo mundo ter uma regra mais simples. Tem a complexidade da dinâmica política, ninguém quer ignorar isso. Sabemos como é o processo de construção; então, se puder melhorar o texto, ótimo. Acho que todo mundo ganha. Vai reduzir uma incerteza criada pela forma como foi redigida. Se não for possível, que os técnicos do governo expliquem como se calcula, se operacionaliza, para reduzir a incerteza derivada da complexidade.
O ministro Haddad conseguirá entregar a meta de zerar o déficit em 2024?
Acho difícil entregar as metas com as quais o governo se comprometeu, mas agora ele tem mais instrumentos para fazer, com o projeto. Antes, nem isso ele tinha. O projeto ajuda muito o próprio governo a entregar as metas dele. Ajuda o governo a fazer algum ajuste pelo lado da despesa, ainda que limitado. Não é uma tarefa fácil, e o aumento de receita depende bastante do Congresso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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