Quando o preço da carne disparou em março do ano passado, a maquiadora Fernanda Abud, de 34 anos, mudou os hábitos da família. A carne passou a ser consumida duas vezes na semana, e os churrascos começaram a ter mais linguiça, frango, queijo e pão de alho na brasa. "Tinha carne, mas não era o principal", diz.
Casada e com um filho, ela afirma que tem percebido a queda de preço da carne no varejo, porém não em todos os supermercados e açougues que frequenta. "Quando encontro carne com preço mais em conta, compro uma quantidade maior, separo em porções e congelo", diz a maquiadora, que fez o primeiro churrasco com picanha depois de um bom tempo. "Foi por acaso: meu marido foi ao supermercado, encontrou picanha por valor bom e acabou comprando."
O ligeiro recuo verificado por Fernanda é resultado da cotação da arroba do boi gordo, que encerrou o mês passado no menor nível em mais de dois anos e meio. A maior oferta de animais no mercado doméstico derrubou as cotações no campo, reduziu preços nos frigoríficos e provocou um recuo, porém em menor proporção, no custo da carne ao consumidor.
A retração na cadeia de bovinos gradativamente abre a perspectiva para que o bife volte ao prato do brasileiro. A renda apertada, porém, continua sendo o principal obstáculo à retomada do consumo. Ele já foi de cerca de 33 quilos per capita no passado e recuou para 26 quilos em 2022.
A arroba do boi gordo no Estado de São Paulo para pagamento à vista fechou maio cotada a R$ 243,25, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP. A mínima anterior havia sido registrada em setembro de 2020 (R$ 240,45). O resultado de maio é uma marca muito distante do pico de R$ 352,05, atingido em 22 de março do ano passado.
Neste ano, a arroba já caiu mais de 15% até o final de maio, em termos nominais. Se for descontada a inflação, o valor médio mensal recuou 6,17% no ano até maio. Em 12 meses, a retração foi de 15,3%.
No entanto, o consumidor tem sentido um recuo bem menor no preço da carne no açougue e no supermercado comparado ao que houve no campo. Segundo dados da prévia da inflação oficial do País, o IPCA-15, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as carnes bovinas no varejo ficaram, em média, 3,47% mais baratas no ano até maio. É um movimento oposto ao da inflação geral no mesmo período, que subiu 3,12%. Em 12 meses até maio, a história se repete. A inflação geral subiu 4,07%, e o preço da carne bovina no varejo teve deflação de 4,89%.
PICANHA
A volta da picanha ao churrasco do brasileiro foi uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O recuo nos preços do corte - preferido para churrasco brasileiro -, de 3,94% no ano até maio, de acordo com o IBGE, não tem a interferência do presidente.
CHINA
Segundo Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Cepea/USP, a atual queda de preços tem origem quatro anos atrás. Em 2019, a China ampliou fortemente as compras do produto e os preços subiram. Com isso, os pecuaristas passaram a investir cada vez mais e ampliar o rebanho. "Houve muito investimento em genética, nutrição, manejo, redução na idade de abate, inclusive produzindo animais mais pesados", observa.
Esse aumento na oferta de boi gordo aparece no crescimento do volume de abates, observa Rafael Ribeiro de Lima Filho, assessor técnico da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA). No primeiro trimestre deste ano, o número de bovinos abatidos aumentou 4,7% em relação ao mesmo período de 2022, segundo o IBGE. "Isso mostra a maior oferta de animais disponíveis no mercado."
Paralelamente, as exportações de carne brasileira para a China, o principal comprador, ficaram suspensas cerca de um mês, entre fevereiro e março deste ano, por causa de um caso atípico de vaca louca. Isso turbinou ainda mais a oferta do produto. Quando a China voltou às compras, houve uma certa recuperação de preços, observa o técnico da CNA. No entanto, esse movimento não se sustentou.
Procurada para esclarecer sobre o descompasso entre a redução de preços da carne bovina no campo e no varejo, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) não tinha porta-voz e informações disponíveis sobre o tema.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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