MAIS LIDAS
VER TODOS

Economia

'O investidor estrangeiro confia na democracia do Brasil'

As incertezas que rondam o andamento das eleições no Brasil, em especial os ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda não afetaram a confiança que o investidor internacional tem no País. Essa é

André Jankavski e Fernando Scheller (via Agência Estado)

·
Escrito por André Jankavski e Fernando Scheller (via Agência Estado)
Publicado em 24.05.2022, 17:00:00 Editado em 24.05.2022, 17:08:04
Imagen google News
Siga o TNOnline no Google News
Associe sua marca ao jornalismo sério e de credibilidade, anuncie no TNOnline.
Continua após publicidade

As incertezas que rondam o andamento das eleições no Brasil, em especial os ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda não afetaram a confiança que o investidor internacional tem no País. Essa é a impressão de Luiz Carlos Trabuco e de Octavio de Lazari Jr., presidente do conselho e CEO do Bradesco, respectivamente, que falaram ao Estadão/Broadcast, de Davos, na Suíça, onde participam do Fórum Econômico Mundial, que está realizando sua primeira edição presencial desde o início da pandemia.

continua após publicidade

Apesar da polarizada eleição à frente, os executivos afirmam que os estrangeiros têm demonstrado total confiança nas instituições brasileiras. Eles definem o atual momento conturbado no País como fruto do debate eleitoral. "Pode até ter uma discussão mais ferrenha de um lado ou do outro, mas a democracia é consolidada, e não corremos riscos em relação a isso", afirma Lazari.

Ao mesmo tempo, acreditam que o mundo inteiro passa por um período complicado, com ataques à globalização. "Antes, nós víamos com muita convicção que o mundo do século 21 era instável. Agora, ele ficou caótico", diz Trabuco.

continua após publicidade

Segundo eles, o momento precisa ser de pacificação e de encontrar um novo equilíbrio entre a abertura dos mercados internacionais e a produção interna de cada país. "Com a pandemia e a guerra, as redes globais de fornecimento acabaram sendo questionadas", afirma Lazari.

Porém, na visão de ambos, há oportunidades para o Brasil, em especial na questão ambiental, segmento no qual o governo federal tem sido alvo de críticas, principalmente na questão do aumento do desmatamento da Amazônia. Os executivos apontam que o País pode se consolidar como uma grande potência verde e abocanhar boa parte do mercado de crédito de carbono, que deve ter uma forte alta nos próximos anos.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

continua após publicidade

Qual é a percepção dos grandes empresários e investidores em Davos sobre o atual momento global, com guerra, pandemia e inflação?

Trabuco: Antes, nós víamos com muita convicção que o mundo do século 21 era instável. Agora, ele ficou caótico. Existia um mundo antes da pandemia, que agora está incompreensível. Houve uma escalada de situações provocadas pela guerra, e isso trouxe vários efeitos. Esse é o sentimento do debate que estamos vendo em Davos neste ano. A matriz de risco no mundo foi ampliada e, por isso, vamos ter de discutir e encontrar saídas para essa crise. Nós temos de vencer essa crise. E o mundo vai precisar de uma nova governança.

Lazari: Há essa urgência em vencer essas crises locais e mundial. O grande pano de fundo que se fala em Davos é para onde caminha a globalização. Vinte anos atrás, por exemplo, a preocupação era apenas como produzir mais barato, mais rápido e com qualidade, sem (o comprador) se importar de onde viriam os produtos. Com a pandemia e a guerra, as redes globais de fornecimento acabaram sendo questionadas. Será que não seria melhor o meu fornecedor produzir perto de mim para que eu não sofresse com a falta?

continua após publicidade

Mas esse discurso antiglobalização já acontece, pelo menos, desde 2016 durante a primeira campanha do ex-presidente dos EUA Donald Trump, que falava de 'America First'.

Trabuco: O que nós estamos vivendo no século 21 é um ressurgimento da chamada polarização política internacional, com guerras comerciais. O America First (que consistia na priorização dos Estados Unidos ante a um pensamento mais globalista) prometia um crescimento exuberante da economia… E você tem razão quando fala que essa polarização não é algo de agora. Estamos em um processo de transição histórica. A globalização está passando por um momento de revisão, mas não significa que o mundo vai se desglobalizar. Não existem países no mundo que façam bem tudo, pois eles continuam com vantagens competitivas e comparativas. O nacionalismo e o ressurgimento de países se fechando são discursos políticos, mas isso não vai perdurar porque a estrutura competitiva do mundo é complementar.

continua após publicidade

Lazari: O que nos parece é que essa reflexão voltou para a mesa. O Brasil não consegue produzir tudo, assim como os EUA também não conseguem. Então, não dá para ficar nos extremos: nem nacionalista e nem mercado aberto no extremo.

O Brasil pode se aproveitar deste momento para acelerar o crescimento e também começar a desenvolver produtos de alto valor agregado por aqui?

Trabuco: As cadeias produtivas passaram por turbilhões. E as vantagens competitivas do Brasil nesse mundo de transição são evidentes. O País não pode se fechar para o comércio internacional e acreditar que vai entrar e produzir internamente tudo. Para se fabricar um carro ou veículo, por exemplo, vai se precisar de insumos e de fornecedores de fora. A questão industrial no Brasil está colocada. Somos autossuficientes no agronegócio, por exemplo, e temos de sofisticar e pensar o agronegócio de uma maneira mais ampla, além das commodities. Ao mesmo tempo, não podemos ficar dependentes em produtos mais simples. Não se pode importar todos os produtos industriais, como seringas e máscaras, como vimos na pandemia.

continua após publicidade

Lazari: Para se desenvolver produtos de alto valor agregado se levam décadas. O Brasil produz hoje aeronaves sofisticadas, mas isso levou muito tempo para se desenvolver. Não é só a questão de (produzir uma) máquina, mas também existem os profissionais para operar, além do desenvolvimento e também insumos que não estejam no Brasil. Então, às vezes não vale a pena investir em determinadas áreas - e isso não é só no Brasil, mas no mundo inteiro. Todo mundo tem dependência do outro, mas precisamos diminuir essa dependência.

E quanto à questão ambiental? A imagem do Brasil não está das melhores, ainda mais com a piora dos números do desmatamento. Como os investidores estão de olho nisso?

Trabuco: É um tema que temos de trabalhar constantemente. Temos de vender a ideia de que o Brasil é uma potência verde no mundo e que consegue ter um agro sustentável, que é aquilo que faz a cabeça do mundo. A agenda ambiental veio para ficar. Em qualquer fundo de investimento, essa ideia está presente. A própria Alemanha tem compromissos bastante definidos com a neutralização de carbono, mas está mudando a matriz energética e pode ser mais poluente. Logo, ela vai depender da compra de créditos de carbono no mundo. E estudos mostram que está sendo estabelecido um mercado de carbono do Brasil para o mundo.

continua após publicidade

O País, no entanto, também tem enfrentado uma crise de imagem com as ameaças do presidente Jair Bolsonaro às eleições. Isso não traz temores aos investidores?

Trabuco: O Brasil é um país de oportunidades. Temos mercado interno e uma autossuficiência em vários produtos e matérias-primas, especialmente nas commodities agrícolas e minerais. Também temos uma democracia robusta e o reconhecimento de um sistema judiciário que funciona. O contexto do Brasil enquanto país está sendo - e será ainda mais - um porto muito seguro para o fluxo de capitais internacionais. Sendo bem objetivo: o Brasil tem vantagens comparativas com outros países. Só não podemos sair da direção certa.

continua após publicidade

Mas os senhores não acreditam que podemos enfrentar problemas nas eleições no Brasil?

Trabuco: Acreditamos que as instituições são sólidas e são fundamentais para a nossa democracia. Os três Poderes estão funcionando e são as bases que o mundo tem do Brasil e em relação à nossa democracia. Essa é a mensagem que colocamos. O Bradesco acredita no Brasil há 80 anos e é uma confiança na capacidade de o País se superar. O debate eleitoral é tenso em qualquer lugar do mundo. Então, o importante é não ter desvios, e isso é o que nós estamos colocando.

Essa é a visão que os estrangeiros têm do Brasil?

continua após publicidade

Lazari: Nós, que somos brasileiros, acabamos tendo uma percepção mais forte sobre o que está acontecendo do que o estrangeiro. Estivemos com dois executivos muito importantes do mundo dos negócios (Philipp Hildebrand, vice-presidente do conselho do fundo BlackRock, e Satya Nadella, CEO da Microsoft), e o sentimento deles é de que o Brasil tem uma democracia consolidada. Pode até ter uma discussão mais ferrenha de um lado ou do outro, mas a democracia é consolidada e não corremos riscos em relação a isso. A eleição será aguerrida, mas acredito que aquilo que foi construído está preservado e não teremos esse tipo de problema.

Mas o Brasil não está passando por um problema de falta de planejamento de longo prazo para temas importantes como educação, por exemplo?

Trabuco: O planejamento é uma ação importante para as pessoas e para o País. Planejamento estratégico é planejar aonde queremos chegar e como. Você falou de educação e esse é um dos temas do fórum de Davos. Fizeram uma pesquisa com milhares de CEOs ao redor do mundo e, até 2026, vamos ter de fazer o que eles chamam de "retreinamento" do capital humano. O desafio é muito frequente na área digital e mexe nas estruturas de gestão de recursos humanos e do comando e controle. Hoje, existem outros conceitos de gestão, como a resiliência da mão de obra. Mas os empregos serão diferentes. No campo, por exemplo, máquinas como tratores e colheitadeiras são quase miniestações de informática. Então, o planejamento é algo de que precisamos.

continua após publicidade

E qual o sinal que o presidente que assumir o País em 2023 precisará mostrar?

Trabuco: Uma visão projetiva de onde estamos e de aonde podemos chegar. No momento pós-eleitoral, existe uma energia muito grande para fazer as coisas acontecerem.

continua após publicidade

Mas o que precisa ser feito para se dar esse sinal?

Lazari: Temos de mostrar, em conferências globais, o que o País pretende fazer, como privatizações e projetos de infraestrutura. Assim, trazemos visibilidade ao projeto. Sem confiança, não tem investimento. As reformas administrativa e tributária também são importantes, mas não serão o diferencial.

Os quatro maiores bancos privados tiveram uma alta de 17,7% no lucro no primeiro trimestre e as fintechs estão sofrendo na Bolsa. Os senhores acreditam que houve um exagero no culto às fintechs?

Lazari: As taxas de juros mais altas trazem um benefício para os bancos incumbentes, que estão no mercado há muito tempo. Mas existe uma releitura do mercado como um todo, e não só do setor financeiro. Tiveram empresas que atravessaram a linha e, hoje, já estão dando lucro e, mesmo assim, perderam o valor de mercado. Mas aí o investidor olha as taxas de juros subindo, e em tudo quanto é lugar. Vai diminuir o apetite ao risco. E a precificação não aconteceu só com as fintechs, mas também nos setores industrial, varejista, entre outros. É natural que, num mercado com liquidez mais restrita, as empresas que dão lucro e pagam dividendos tenham mais preferência do investidor do que as de companhias de crescimento.

Diante de tantas fintechs sofrendo nas Bolsas, o Bradesco está de olho em oportunidades de aquisições?

Lazari: Se olharmos ao longo da história do banco, o Bradesco sempre foi comprador e nunca deixamos de olhar as oportunidades. Compramos há pouco um banco nos Estados Unidos (BAC, em outubro de 2020) e também 50% do Digio (banco digital) recentemente. Claro que, como as empresas tendo reprecificações, obviamente vamos olhar essas oportunidades com mais atenção.

Como fica a liberação do crédito com uma taxa de juros próxima a 13%?

Lazari: O aumento da taxa de juros impacta naturalmente o valor de crédito que você coloca à disposição. Todo o crédito no varejo é dado em cima de modelos estatísticos e matemáticos. Se você passa a taxa de 2% a 13%, como foi feito recentemente, naturalmente se exclui uma parte da população por causa do aumento do risco. Quando se olha o lado das grandes empresas, elas vão esperar para fazer um investimento no longo prazo, pois é difícil encontrar algum investimento para suportar uma taxa de juros desse tamanho. Então, as grandes empresas vão esperar a taxa de juro começar a cair, o que deve acontecer a partir do ano que vem.

Quais são os efeitos que o banco tem visto em seu balanço?

Lazari: No primeiro trimestre, a nossa originação de crédito já foi menor do que no último trimestre do ano passado. Outro exemplo é o crédito imobiliário, que caiu pela metade porque agora temos uma taxa de 15% - e nós chegamos a fazer esse crédito em 4,5% ao ano. As pessoas estão pensando mais antes de tomar esses créditos. Quanto à inadimplência, ela cresceu em todos os bancos, especialmente nas carteiras de maior risco, como os cartões de crédito. Acreditamos que os números vão continuar crescendo no segundo trimestre e depois vamos ter uma estabilidade, mas em um patamar que vai estar elevado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Gostou desta matéria? Compartilhe!

Icone FaceBook
Icone Whattsapp
Icone Linkedin
Icone Twitter

Mais matérias de Economia

    Deixe seu comentário sobre: "'O investidor estrangeiro confia na democracia do Brasil'"

    O portal TNOnline.com.br não se responsabiliza pelos comentários, opiniões, depoimentos, mensagens ou qualquer outro tipo de conteúdo. Seu comentário passará por um filtro de moderação. O portal TNOnline.com.br não se obriga a publicar caso não esteja de acordo com a política de privacidade do site. Leia aqui o termo de uso e responsabilidade.
    Compartilhe! x

    Inscreva-se na nossa newsletter

    Notícia em primeira mão no início do dia, inscreva-se agora!