"Eu não dormia mais"; "Comprei mais quando estava em depressão"; "Quando as encomendas chegavam, eu nem lembrava que tinha comprado aquilo." Essas são frases de pessoas que se dizem viciadas em comprar em aplicativos de produtos importados da China, como Shein, Shopee e AliExpress. "Você começa para ver como é, compra uma coisinha barata só para testar e aquilo vai te contaminando", diz o carioca Marcelo Adolfo Marques Reiners, profissional de tecnologia da informação, que assume que já foi viciado em compras. O alto volume de compras por esses canais levou o governo a rever as regras de importação dessas plataformas. Primeiro, zerou a isenção de até US$ 50 (por volta de R$ 254) e, depois, criou o Remessa Conforme. Pelas regras, compras até esse valor estão isentas. Acima dele, serão taxadas. De qualquer forma, por ora, as compras estão sendo retidas, e os impostos, cobrados até as empresas se enquadrarem no novo programa. Esse vaivém do governo sobre a taxação ajudou a "controlar o vício" desses consumidores, que estavam num ritmo desenfreado de compras. Cíntia Nayade Santos, dona de coworkings em São Paulo e em Taboão da Serra, chegou a deixar de dormir revirando os aplicativos em busca de ofertas. "Você se distrai. Tem joguinhos, como Candy Crush, e, quanto mais joga, mais cupons de descontos ganha. E, nas madrugadas, tem ofertas especiais, que acontecem por volta da meia-noite e lá pelas 3 horas da manhã", conta ela, que já chegou a ficar três dias seguidos sem dormir. Entre os artigos que comprou, Cíntia menciona adaptadores de cápsulas para cafeteira, itens de decoração para eventos, calcinhas absorventes e muitas roupas. "Também comprei sopa de cenoura em cápsulas para fazer na própria cafeteira", lembra ela, que gastava em média R$ 1 mil todo mês com essas compras. As roupas, diz, eram o que mais faziam brilhar seus olhos. "Elas têm um estilo diferente das nacionais. E tem G, GG, GGG. O tamanho que precisar. Nas lojas nacionais, não encontro com o mesmo estilo e variedade de tamanhos", afirma. E tudo chegava em casa em poucas semanas, sem impostos, sem parar nos Correios. "Esses aplicativos são hábeis em envolver o consumidor", diz Ricardo Pastore, coordenador do núcleo de varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Vender por vender, todo mundo vende. Mas essas empresas criam uma experiência diferente. Elas deixam as compras com jeito de passatempo, de jogo. Lançam desafios, como as compras da madrugada", explica.
Pelo Remessa Conforme do governo federal, as empresas que aderem ao programa têm isenção do imposto para remessas postais entre pessoas físicas de até US$ 50. A primeira a aderir foi a AliExpress. Shopee e Shein adotaram o sistema no meio de setembro. Por isso, quem fez compras nos dois aplicativos antes dessa adesão, no mês de agosto, pagou alíquota de 60% para qualquer remessa, independentemente do valor, enviada por pessoa jurídica. Mesmo que a empresa tenha aderido ao Remessa Conforme, muitos itens ainda ficam retidos na alfândega até que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, seja pago pelo consumidor, pelo site dos Correios.
MALHA FINAMilhões de produtos caíram na malha fina dos apps chineses. Só nos sete primeiros meses do ano, segundo a Receita Federal, o volume de remessas enviadas ao País alcançou 123 milhões de itens importados. A Receita, porém, ainda não contabilizou quantos itens em agosto ou setembro foram retidos para cobrança de impostos. Nem quantos foram rejeitados por quem os encomendou. Todos os consumidores disseram estar comprando bem menos agora. "Admito que troquei uma compulsão alimentar pela compulsão de compras nesses aplicativos. Mas, agora, com os impostos, coloco tudo no carrinho, mas esqueço lá, não compro nada. Posso dizer que estou controlada agora", comemora Cíntia. Procurados, Shopee, Shein e AliExpress não comentaram sobre queda nas vendas. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
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