A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária aprovada pela Câmara na madrugada desta sexta, 7, inflamou a disputa entre Estados do Nordeste e do Sudeste em torno da divisão de recursos do bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que deve ter patrimônio de pelo menos R$ 40 bilhões e ser usado para diminuir as disparidades regionais.
Insatisfeitos com o texto, os Estados do Nordeste vão buscar o apoio do Norte e do Centro-Oeste para pressionar pela definição dos critérios de divisão do dinheiro do fundo, no que promete ser um dos principais embates em torno da reforma no Senado - onde o projeto passará a tramitar após o recesso parlamentar.
Os governadores do Nordeste se sentiram traídos nas negociações porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é uma liderança política da região, aceitou que o modelo de partilha só seja definido em legislação complementar, ou seja, fora do texto da Constituição. Segundo apurou o Estadão, esse foi um pedido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), abraçado por Lira.
A insatisfação foi maior porque, para atender Tarcísio, foi incluído no texto um modelo de governança do Conselho Federativo, instância que vai gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O novo tributo vai unificar o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Para os representantes do Nordeste, não há justificativa para a governança do conselho ter ficado no texto constitucional, e a partilha do fundo, fora.
Lira acenou que vai resolver a divisão de recursos na legislação complementar, e prometeu a líderes e governadores garantir o apoio de um quórum de PEC, ou seja, de 308 votos a favor - sendo que a aprovação de uma lei exige 257 votos. Os Estados do Nordeste querem, no entanto, resolver a fatura ainda na reforma tributária, durante a tramitação no Senado, e desejam também pressionar a União a elevar o valor reservado ao fundo da previsão atual de R$ 40 bilhões para R$ 75 bilhões.
Uma das saídas aventadas para isso seria deslocar parte do valor de um outro fundo previsto na PEC - para compensar o fim de benefícios fiscais - para o fundo de desenvolvimento. Pelo texto que passou na Câmara, esse fundo de compensação vai vigorar de 2025 a 2032, também será financiado pela União e terá, no total, R$ 160 bilhões.
Até pouco antes do início da votação, ainda na noite de quinta-feira, os Estados do Nordeste contavam que a divisão do dinheiro do fundo de desenvolvimento ficaria no texto. Mas o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), acabou retirando esse ponto da proposta para não prejudicar o andamento da votação, uma vez que não havia consenso sobre os critérios de divisão.
Impasse
Os Estados do Nordeste tentam emplacar a divisão usando como critério o chamado "PIB invertido", pelo qual os Estados mais pobres receberiam mais. Os governadores do Sul e Sudeste admitem receber menos, mas querem inserir algum tipo de mecanismo adicional que permita o acesso a uma fatia maior de recursos do que se fosse utilizado apenas o critério da renda. O impasse, que já dura meses, não cessou até a votação, o que desagradou aos nordestinos.
"Vamos buscar colocar na PEC, durante a votação no Senado, os critérios de divisão do fundo de desenvolvimento do mesmo jeito que colocaram a demanda dos Estados do Sul e Sudeste", disse o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT).
No dia seguinte, Raquel Lyra (PSDB), governadora de Pernambuco, endossou a fala de Fonteles. "É necessário que o critério de distribuição do fundo seja inversamente proporcional ao PIB per capita de cada Estado. É claro que, quem tem menos, precisa de mais. Caso contrário, não falaremos de incentivar o desenvolvimento regional, mas da manutenção das desigualdades existentes", disse. "Não descansarei até garantir que sejamos colocados na posição necessária e justa."
Nesse caldo de insatisfações, sobrou até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que optou por tomar distância da reforma tributária. Os nordestinos esperavam que ele se empenhasse pelo menos para ajudar nesse ponto na negociação com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste temem que, além de "mandar" no Conselho Federativo, os Estados mais populosos do Sul e Sudeste também fiquem com os recursos do FNDR, que levou à inclusão do nome "nacional" no título - justamente para possibilitar a divisão entre todos as unidades federativas.
Emenda 'Cavalo de Troia' autoriza Estados e DF a criar novo tributo
A proposta de reforma tributária aprovada na madrugada de ontem na Câmara autoriza os Estados e o Distrito Federal a criar um novo tributo local para financiar investimentos até 2043. A autorização foi incluída na "emenda aglutinativa" apresentada em plenário durante a votação.
Essa emenda atendia a diversos pedidos de setores e até mesmo do governo Lula. Apelidada de "Cavalo de Troia", tem 34 páginas e artigos que beneficiam de igrejas a clubes esportivos.
Permite, por exemplo, que governadores criem uma contribuição sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus Estados. Esse tipo de contribuição, até agora, era prerrogativa da União.
Para o tributarista Luiz Bichara, do escritório Bichara Advogados, a emenda cria uma nova competência constitucional, dando autorização para que os Estados criem tributos novos. Seria, diz, um "descompromisso" da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara com a manutenção da carga tributária.
"Certamente estamos diante de um dispositivo que vai onerar exportações", disse. "Amanhã os Estados poderão tributar com essa nova contribuição petróleo, energia, minério...", afirmou.
Imunidade
A PEC da reforma tributária também ampliou a imunidade tributária de "templos de qualquer culto", incluindo "suas organizações assistenciais e beneficentes", na contramão da tentativa feita pela Receita Federal nos últimos anos de diminuir essas isenções.
O texto também prevê novas hipóteses de alíquotas reduzidas em 60% do novo imposto para produtos e insumos aquícolas, atividades desportivas e cibersegurança.
Tributaristas alertam que, quanto maior o número de atividades beneficiadas por alíquotas reduzidas, maior será a alíquota padrão.
Além disso, estabelece a volta do programa emergencial de retomada do setor de eventos (Perse); a isenção para reabilitação urbana de zonas históricas e reconversão urbanística; e a obrigatoriedade para que o ministro da Fazenda compartilhe dados e informações, inclusive as protegidas por sigilo fiscal, para cálculo das alíquotas de referência pelo Senado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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