A responsabilidade por erro médico tornou-se assunto de enorme destaque de alguns anos para cá, tanto que as ações judiciais aumentaram mais de 300% nos últimos anos em relação a períodos anteriores.
Ante a isso, as ações judiciais recrudesceram porque também se modificou a configuração jurídica dessa relação entre paciente e médico, hoje estruturada como usuário e prestador de serviços. Ou seja, é uma relação de consumo e regida pelo Código do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).
Dessa nova configuração, decorrem algumas particularidades que explicaremos abaixo:
A partir de que momento pode ficar caracterizado o erro médico?
A responsabilidade do médico nasce desde o instante em que deixa de informar ao paciente. O art. 34, do Código de Ética, é muito claro: “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal” (Resolução CFM n. 1931, de 17 de setembro 2009).
A inobservância dessa exigência normativa pode fazer nascer o erro médico. Eis um exemplo: numa cirurgia de hérnia discal, faz-se a extração indevida do lobo direito da tireoide. Posteriormente, verificou-se que o tecido era sadio. A responsabilidade de indenizar é, pois, devida, ainda mais quando comprovado que o acesso ao campo cirúrgico para a cirurgia de hérnia não passa pelo local onde se encontra a tireoide (estrutura anterior do pescoço).
De um modo geral, o médico não pode “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte” (art. 31 do Código de Ética Médica).
O erro médico é passível de responsabilização? Como a legislação protege o paciente lesado?
Como todo e qualquer dano, o erro médico acarreta responsabilização. A particularidade é que essa responsabilidade é chamada de subjetiva ou fundada na culpa. Isso quer dizer que do erro médico não nasce diretamente o dever de indenizar. Esse é o sentido do art. 14, § 4º, do Código do Consumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Ou seja, é preciso provar que o médico errou, isto é, o paciente precisa provar que não lhe foram prestados os melhores serviços profissionais. Aí sempre esteve a dificuldade para a vítima do erro médico, pois os fatos se dão em ambientes restritos (consultório, sala de cirurgia, etc.). A comprovação dependeria, então, do relato de outros médicos, o que quase sempre esbarra no corporativismo, isto é, na solidariedade entre profissionais da mesma área.
Atualmente, esse panorama foi modificado, como se verá mais adiante.
O erro médico será sempre sujeito a essa responsabilidade subjetiva ou fundada na culpa?
Nem sempre. As obrigações que envolvem os deveres médicos são de dois tipos: obrigações de meio e obrigações de resultado.
A obrigação de meio é aquela comum ao exercício da Medicina em que à vítima incumbe, além de demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa da parte do médico.
Já na obrigação de resultado é suficiente que a vítima demonstre o dano para que a culpa deixe de ser subjetiva e passe a ser presumida, ou seja, há inversão do ônus da prova, cabendo ao médico, e não mais ao paciente, demonstrar que não errou e que o dano decorreu, por exemplo, de força maior ou caso fortuito.
E a responsabilidade do hospital ou de estabelecimento clínico: é objetiva ou subjetiva?
A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares e similares (cooperativas, hospitais de plano de saúde) é geralmente objetiva, ou seja, à vítima cabe demonstrar apenas o dano sofrido.
O hospital pode responder sozinho sem que haja conduta médica envolvida?
Sim, como nos casos de infecção. A responsabilidade aí é objetiva, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si” (STJ, REsp 629212 / RJ, rel. Min. Cesar Asfor, j. 15/05/2007).
O hospital pode ser responsabilizado pelo erro médico a que deu causa equipe médica que não integra seu corpo clínico?
A questão tem a seguinte configuração: de uma maneira geral, entende-se que “a responsabilidade objetiva para o prestador do serviço prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, no caso o hospital, limita-se aos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial, tais como a estadia do paciente (internação e alimentação), as instalações, os equipamentos e os serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia)” (STJ, REsp 1526467 / RJ, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, data do julgamento: 13/10/2015).
No mesmo sentido: “as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC)” (STJ, (REsp 1145728/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. P/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/06/2011, DJe 08/09/2011).
Mas, se ficar comprovada a culpa do médico que integra o corpo clínico do hospital que executou o serviço no interior deste, o estabelecimento hospitalar responde objetivamente?
Há orientação firmada segundo a qual “o hospital tem responsabilidade objetiva por erro de médico integrante de seu corpo clínico” (STJ, AgRg no REsp 1450309 / SP, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, data do julgamento: 03/09/2015).
Provada a culpa do médico, o hospital pode ser responsabilizado, como já entendia o Supremo Tribunal Federal, que chegou a editar uma súmula 341: “É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.
De que meios de prova se pode valer a vítima do erro médico no caso de responsabilidade subjetiva ou fundada na culpa?
A vítima pode socorrer-se de todos os meios válidos de prova: testemunhas, registros sobre o paciente existentes no consultório ou no hospital, laudos fornecidos e, principalmente, perícias.
Uma das formas de fazer a prova dos fatos é a exibição do prontuário, que todo médico deve elaborar (artigo 87 do Código de Ética Médica), e a cujo acesso o paciente tem direito (artigo 89). Em juízo, cabe o pedido de exibição; a recusa permitirá ao juiz admitir como verdadeiros os fatos que se pretendia provar, se não houver a exibição ou se a recusa for considerada ilegítima.
E se a vítima não pode se socorrer de nenhum desses meios de prova em demanda contra médico cuja responsabilidade é fundada na culpa, o que pode ser feito?
Admite-se a inversão do ônus da prova com base no Código do Consumidor.
Com a inversão, caberá ao médico demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis. Essa tese é abrigada pelo Superior Tribunal de Justiça: AgRg no Ag 969015/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 07/04/2011, DJe 28/04/2011 e REsp 696284/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 03/12/2009, DJe 18/12/2009.

Erro de diagnóstico gera indenização?
O erro de diagnóstico é uma modalidade de erro médico e é uma obrigação de resultado: "Este Tribunal Superior já se manifestou no sentido de que configura obrigação de resultado, a implicar responsabilidade objetiva, o diagnóstico fornecido por exame médico" (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.442.794/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 16/12/2014, DJe de 19/12/2014).
Em muitos casos, a responsabilidade pode ser atribuída ao hospital em solidariedade com o plano de saúde. Um caso bastante sugestivo, com estas últimas configurações, foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2013: pais e filho ingressaram em juízo postulando danos morais suportados durante a gestação, em razão de erro médico, consistente em diagnóstico indicativo de ser o feto portador de ‘Síndrome de Down’. Todavia, exames posteriores afastaram a aludida patologia cromossômica. Foi alegado o abalo psíquico suportado pelos pais em razão do equívoco. Houve condenação por danos morais (STJ, REsp 1170239 / RJ, relator Ministro Marco Buzzi, data do julgamento: 21/05/2013).
Qual o valor da indenização por danos morais e por danos estéticos?
A legislação não fixa valores. As ocorrências que chegam aos Tribunais têm sido tratadas casuisticamente, sendo difícil dizer que há um critério objetivo diante de tanta discrepância.
Vejam-se comparativamente esses precedentes, todos do Superior Tribunal de Justiça:
1) Em episódio em que houve perda parcial e permanente dos movimentos de uma das pernas da paciente: a indenização foi de R$ 200.000,00, pelos danos morais, e R$ 100.000,00, pelo dano estético (STJ, AgRg no REsp 1537273 / SP, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, data do julgamento: 24/11/2015);
2) No caso já citado de perfuração do intestino em laparotomia, houve condenação por danos morais em 200 (duzentos) salários mínimos (REsp 1359156 / SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, data do julgamento: 05/03/2015);
3) Em ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos ajuizada por uma mulher vítima de erro médico contra o Estado do Maranhão, em razão de, ao se submeter a um parto cesariano na maternidade pública estadual, ter sido esquecida uma compressa cirúrgica em seu abdômen, o que acabou por ocasionar septicemia (infecção generalizada), o Superior Tribunal de Justiça, “ao considerar as circunstâncias do caso concreto, as condições econômicas das partes e a finalidade da reparação, entendeu por bem majorar a condenação a título de danos estéticos e morais para a vítima, arbitrando-os, respectivamente, em R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) e R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), e elevar o valor da indenização por danos morais para marido e filho da vítima, fixando-os, respectivamente, em R$ 50.000, 00 (cinquenta mil reais) para o primeiro e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil) para o segundo” (REsp 1174490 / MA, rel. Ministro Benedito Gonçalves, data do julgamento: 10/08/2010);
4) Todavia, em caso de comprovada falha na prestação dos serviços hospitalares de acompanhamento do recém-nascido, que deu causa inequívoca à doença de fibroplasia retrolenticular – retinopatia do nascituro – comprometendo mais de 90% (noventa por cento) da visão da criança, o mesmo STJ inexplicavelmente confirmou a condenação de R$ 76.000,00 (setenta e seis mil) pelos danos morais e R$ 30.400,00 (trinta mil e quatrocentos reais) pelos danos estéticos (AgRg no Ag 1092134 / SC, rel. Ministro Sidnei Beneti, data do julgamento: 17/02/2009).
Qual o prazo para que a vítima de erro médico acione os responsáveis?
O prazo é de cinco anos, conforme estabelecido no artigo 27 do Código do Consumidor, que se aplica também a esses casos (STJ, AgRg no AREsp 499193 / RS, rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, data de julgamento: 03/02/2015): “Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.
Nem sempre, contudo, o paciente tem como saber quando se inicia o prazo. Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça entende que o início da contagem é da ciência inequívoca do consumidor.
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