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Tribunal racial da USP: o que revela caso do aluno de cota que foi barrado em Medicina?

Poucos sabem, mas a Universidade de São Paulo (USP) tem um tribunal racial em pleno funcionamento. Tribunais raciais são compostos por pessoas encarregadas de decidir a raça de uma pessoa. A decisão desses tribunais geralmente sela o destino da pessoa.Os

Fernanda Reinach (via Agência Estado)

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Escrito por Fernanda Reinach (via Agência Estado)
Publicado em 01.03.2024, 13:29:00 Editado em 01.03.2024, 13:35:28
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Poucos sabem, mas a Universidade de São Paulo (USP) tem um tribunal racial em pleno funcionamento. Tribunais raciais são compostos por pessoas encarregadas de decidir a raça de uma pessoa. A decisão desses tribunais geralmente sela o destino da pessoa.

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Os nazistas tinham tribunais raciais para decidir se uma pessoa era judia. Os considerados judeus eram presos e mandados para os campos de extermínio. O tribunal racial da USP, chamado de Banca de Heteroidentificação (pode um nome desses?), decide se uma pessoa é parda, negra ou branca. E isso define se ela pode ou não ingressar na USP por meio da politica de cotas raciais.

Esta semana, o tribunal racial da USP (é bom tratar as coisas pelos devidos nomes) está na berlinda, pois bloqueou a inscrição de um aluno pobre, vindo de escola pública do interior de São Paulo, na Faculdade de Medicina da USP.

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Isso depois de ele ter sido aprovado no vestibular mais difícil do Brasil. O tribunal concluiu que Alison dos Santos Rodrigues não é pardo, ou seja, sua pele não é suficientemente escura. O rapaz ficou sem a vaga. Você pode formar sua opinião sobre a raça de Alison olhando a foto dele.

Diferentemente dos tribunais raciais nazistas, que usavam como critério para julgamento uma definição objetiva (mesmo se incorreta, arbitrária e desumana), o tribunal racial da USP se baseia na opinião subjetiva dos juízes para decidir a raça dos réus (são réus, pois são acusados de terem mentido sobre sua raça na inscrição).

A opinião sobre o fenótipo (aparência da pessoa) é o que vale. O julgamento é feito a partir de fotos da pessoa, observação da face via zoom e, se o réu apelar, um exame visual presencial.

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O que vale é a aparência da face da pessoa e a opinião dos juízes sobre ela (acredite se quiser, isso está no regulamento oficial da USP). E não poderia ser de outra forma, pois no Brasil não existe uma definição legal e objetiva do que é uma pessoa parda ou negra.

Parda é uma pessoa que possui entre seus ancestrais um negro, sem especificar, como faziam os nazistas, a porcentagem necessária. Não é para menos que a maioria da população brasileira (45,3% segundo o IBGE) se considera parda.

Isso inclui desde os que têm um pai ou mãe negra até aqueles com um único tataravô negro, com pele muito clara e, muitas vezes, olhos azuis. Como se não bastasse esse problema, a lei brasileira estipula que a raça de uma pessoa é definida unicamente por sua autodeclaração.

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Pela lei, se afirmo que sou pardo, sou pardo e devo ser tratado como tal. É bom lembrar que a Constituição brasileira e outras leis consideram crime a discriminação racial. Raça não pode ser usada na seleção de funcionários. Mas isso não impediu a criação e proliferação dos sistemas de cotas raciais e os respectivos tribunais raciais.

Escrevi sobre esse problema quando, em 2007, uma comissão da Universidade de Brasília (UnB), examinado fotos de um par de gêmeos, considerou um pardo e o outro branco, uma impossibilidade genética. E novamente em 2022 quando a simples aparência foi escolhida como critério pelas universidades.

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Sou totalmente a favor dos processos de inclusão. Já foi mais que demonstrado que pretos, pardos e outras minorias foram e ainda são discriminadas. O racismo de fato existe no Brasil e precisa ser combatido com políticas públicas de inclusão.

Mas isso deve ser feito com base em critérios socioeconômicos, uma vez que a discriminação racial resulta principalmente em diferenças econômicas e sociais que se acumulam ao longo de gerações, essas sim facilmente avaliadas e combatidas.

Um menino branco e pobre, vindo de uma escola pública, merece ser aceito por uma política de inclusão da USP tanto quanto um pardo, negro ou índio. Exatamente por isso é um absurdo a existência de tribunais raciais.

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Sua existência, aceitação, e uso nas mais diferentes políticas de inclusão, vão levar à aprovação de leis que tornem menos arbitrárias suas decisões (projetos de lei nesse sentido já existem no Congresso) e que vão obrigatoriamente criar definições legais de raça. E essas definições seguramente se basearão em estudos de ancestralidade genética.

Os estudos de ancestralidade genética, já oferecidos por muitas empresas, facilmente demonstram a origem genética de uma pessoa. O aluno aceito na Medicina da USP, e julgado culpado de mentir na autodeclaração (o que é formalmente impossível quando a raça é definida por uma autodeclaração), pode contratar um desses estudos e provavelmente demonstrar que possui algum ancestral negro.

Sou um descendente de europeus com 99,1% de genes europeus, sendo 31% desses genes provenientes de judeus Ashkenazis. Meu pai fugiu da Alemanha nazista. Devido a uma parente distante da minha avó materna, possuo 0,9% de genes tupi-guarani. Será que meu filho pode ser incluído no sistema de cotas?

Os tribunais raciais nos levarão a um sistema em que cada um de nós será classificado conforme os critérios legais de raça, incentivando a separação da população em grupos raciais distintos, com direitos distintos, independentemente de sua condição socioeconômica.

Esse ambiente pode incentivar movimentos identitários raciais, diminuir a miscigenação racial e, ao longo do tempo, aumentar a discriminação racial.

O correto seria retirar de todos os sistemas de inclusão os critérios raciais e substitui-los por critérios socioeconômicos, respeitando nossa constituição que proíbe a discriminação racial. Essa é uma lei pela qual vale lutar.

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