Análise feita em aproximadamente cinco mil processos por tráfico de drogas mostra que cerca de 30% dos réus acionados em tribunais estaduais de Justiça afirmaram portar as substâncias para uso pessoal. A pesquisa lançada pela Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta sexta-feira, 22, mostrou ainda que cerca de 49% dos réus nesses processos disseram ser usuários ou dependentes químicos. O estudo "Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas" analisou processos nos tribunais estaduais e na Justiça Federal, que tiveram sentença em 2019 cujos dados estão na base do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e também traçou um perfil dos processados por tráfico: jovens, não brancos, e de baixa escolaridade. A pesquisa revela ainda que no caso de prisões em flagrante, em geral, os detidos foram pegos com baixas quantidades de droga e têm menor escolaridade. Se considerar os processos da Justiça Estadual, 73,6% dos réus tinham menos de 30 anos, 68,4% cursaram no máximo até o ensino fundamental e 68,7% não eram brancos. O padrão é semelhante na Justiça Federal, mas os porcentuais caem um pouco: 42,5% tinham até 30 anos, 28,3% tinham cursado até o fundamental e 68,1% não brancos. "A cada ano, a Lei de Drogas (de 2006) tem gerado no Brasil o encarceramento de centenas de milhares de jovens e mulheres negras das periferias brasileiras, em situação de uso ou de pequenas modalidades de tráfico, amplificando o racismo institucional sobre as trajetórias pessoais, familiares e social desta parcela significativa da população brasileira", afirmou a secretária nacional de Política sobre Drogas, Marta Machado. A imensa maioria dos processados por tráfico analisados pela pesquisa ficou presa por algum período devido à acusação. Na Justiça Estadual, cerca 92% foram para o cárcere. Já na Federal, o porcentual foi de 84%. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta, com cerca de 800 mil detentos.
Os dados mostram que nos processos que tramitam nos tribunais estaduais de Justiça a quantidade média de droga portada pelos réus era de 85g de maconha e 24 g de cocaína. Esses processos constituem a maior parte dos dados analisados e, em geral, são fruto de abordagens mais frequentes e em flagrante. De acordo com a análise, apenas 16% das prisões eram baseadas em investigações prévias. A pesquisa mostra que a qualificação das investigações culmina em prisões de pessoas com porte de quantidades mais significativas de droga. No caso dos processos tramitando nos tribunais regionais federais, onde 44% dos casos têm uma investigação por trás, a quantidade média de droga sob posse do réu era de 14,5 kg de cannabis e 6,6 kg de cocaína. " Vemos que a Justiça Estadual foca em perfil de pessoas mais vulnerabilizadas e apreensões de baixa quantidade. Os dados apontam para um perfil de envolvidos no pequeno varejo dessas substâncias ou até mesmo em usuários classificados como traficante de forma equivocada", explicou a secretária Marta Machado. Entre os réus da Justiça Estadual, a pesquisa mostra que cerca de 41% foram alvo de busca em suas casas sem mandado judicial, contrariando a lei.
Discussão no SupremoA descriminalização do porte de drogas para uso pessoal está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Até o momento, cinco ministros votaram a favor da descriminalização (Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber). Zanin foi o único que votou contra a descriminalização do porte para usuários e defendeu que caberia ao STF apenas fixar parâmetros para diferenciar porte para consumo e para tráfico. A discussão a respeito desses parâmetros é um dos principais pontos levantados no julgamento na Corte. É consenso que deve haver um critério objetivo para diferenciar usuário de traficante, mas os magistrados divergem em relação a que quantidade seria essa. O julgamento do tema foi interrompido após pedido de vista do ministro André Mendonça, que pediu mais tempo para analisar a questão. Em reação ao STF, na semana passada o Senado formulou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tornar crime o porte de qualquer quantidade de droga. Segundo o presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cabe ao Congresso legislar sobre o tema. "Nós somos representantes do povo brasileiro, Câmara e Senado. Nós definimos as leis do País, esse é um poder e dever que deve ser reconhecido por todos demais Poderes e demais instituições. Em relação a esse tema das drogas, especialmente da maconha, que é objeto de uma discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal, já somos capazes de colher o seio se não da unanimidade, mas da maioria do Senado, e imagino ser da Câmara, em relação a isso", disse Pacheco.
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