O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura deu início na manhã desta quarta-feira, 22, à primeira reunião do grupo em 2023 após enfrentar entraves durante o governo Jair Bolsonaro e com uma pauta emblemática pela frente - denúncias de torturas no sistema prisional do Rio Grande do Norte, Estado assombrado por uma onda de terror sem precedentes, com ataques a tiros e fogo atribuídos à facção 'Sindicato do Crime'.
O Comitê é vinculado ao Ministério de Direitos Humanos e atua de modo complementar ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em especial no monitoramento do sistema penitenciário - enquanto este último, composto por peritos, vai a campo realizar inspeções sobre violações de direitos humanos, o primeiro atua de modo mais estratégico.
Os dois setores integram o Sistema Nacional de Prevenção à Tortura (SNPCT), criado em 2013.
Uma linha de investigação sobre a ofensiva cruel de bandos fortemente armados pelas ruas de Natal e pelo menos outros 25 municípios apura se as ordens para os atentados saíram de dentro de presídios em reação a supostas violações de direitos humanos e casos de maus tratos dos detentos.
Essas denúncias estão entre os pontos centrais da lista de temas a serem enfrentados pelo Comitê de Combate à Tortura. O tema seria debatido no segundo dia de reunião do colegiado, nesta quinta-feira, 23, mas em razão da gravidade do caso, o grupo antecipou a discussão. Além disso, foram convidados uma série de representantes da sociedade civil - integrantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania e até representantes de grupos familiares - para abordarem o assunto ao longo da reunião.
Ainda constam da pauta a análise de relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura sobre presídios em Alagoas (com inspeções realizadas em agosto) e no Distrito Federal (missões feitas em janeiro, após as prisões por atos golpistas), além da discussão sobre denúncias de violações em Mato Grosso.
Sobre o Rio Grande do Norte, os integrantes do Comitê devem debater relatório de peritos nas unidades prisionais após inspeção em novembro de 2022. Como mostrou o Estadão, o documento indica que foram constatados, nos presídios do RN, relatos de comida com odor nauseante, surto de dermatites e tuberculose, além de denúncias de tortura física e psicológica.
Junto dos peritos que realizaram as inspeções nos presídios potiguares, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura deve discutir encaminhamentos para o caso, com possíveis recomendações a serem adotadas pelas autoridades que investigam e acompanham os ataques.
O Comitê monitora a atuação das Forças Penais, em atuação no Estado por decreto do ministro da Justiça Flávio Dino.
No primeiro dia da 38ª reunião do grupo, nesta quarta-feira, 22, estão sendo debatidos assuntos administrativos do Comitê, com a posse de novos membros, a elaboração do calendário anual de reuniões e discussão sobre o orçamento do grupo.
O governo Jair Bolsonaro havia indicado, na Lei Orçamentária Anual de 2023, o montante de R$ 33,5 mil para execução dos trabalhos do Comitê. Em 2022, foram destinados R$ 290 mil. Às vésperas do encontro desta quarta, chegou ao grupo a notícia de uma nova divisão de verbas, com o restabelecimento do orçamento no valor equivalente ao do ano passado.
Os recursos são usados para custear as reuniões presenciais do grupo, além de promover o Encontro Nacional do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura.
Durante a primeira reunião do ano, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura também deve discutir a situação das audiências de custódia em todo o País, uma recomendação de instalação de câmeras nos uniformes da polícia penal e policiais.
Ainda devem ser discutidos encaminhamentos de denúncias discutidas na última reunião do grupo no governo Jair Bolsonaro, referente a relatos de violações em Goiás, Pernambuco e Espírito Santo.
Durante o governo Bolsonaro foram registrados entraves ao trabalho dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura. O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas recebeu denúncia de desmonte dos mecanismos de combate à tortura na gestão do ex-chefe do Executivo.
Em 2019, um decreto de Bolsonaro exonerou todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O decreto está suspenso por ordem da Justiça Federal. O Ministério dos Direitos Humanos também avalia a revogação do decreto de Bolsonaro.
No apagar das luzes do governo Bolsonaro, representantes da sociedade civil que integram o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura denunciaram 'boicote' do Executivo na última reunião presencial do colegiado. É nesse contexto que o grupo volta a se encontrar nesta quarta-feira.
A vice-presidente do CNPCT, Sofia Fromer Manzalli, relatou ao Estadão que, em meio ao governo Bolsonaro, o grupo enfrentou diferentes entraves para 'conseguir fazer o trabalho efetivamente'. De acordo com Sofia, o colegiado acabou atuando inclusive para que projetos de lei e pautas sensíveis ligadas aos temas abarcados pelo órgão não passassem despercebidas.
"Havia diversos momentos em que questões burocráticas acabavam atravessando as pautas para que o trabalho não pudesse acontecer. Então era na verdade um grande teatro, a gente estava lá e de fato não conseguia executar nosso trabalho, por que a cada momento havia alguma coisa para obstaculizar o trabalho. A burocratização foi usada para que a gente não pudesse cumprir nossa pauta", afirmou Sofia. Ela lembra também que o Encontro Nacional do Sistema de Combate à Tortura, que é realizado anualmente, não ocorreu em 2022.
Após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sair vitorioso das urnas nas últimas eleições, as entidades da sociedade civil que integram o Comitê chegaram a enviar ao governo de transição citando 'violações e ilegalidades' da gestão Bolsonaro. No texto, foram listados pontos a serem observado para assegurar os trabalhos do CNPCT em 2023, assim como o combate à tortura.
A expectativa do grupo é a de que, neste ano, seja possível a realização de encontros com comitês e mecanismos estaduais de combate à tortura, com acompanhamento desses grupos. O Comitê ainda espera desenvolver um regimento descrevendo como deve se dar o funcionamento dos órgãos estaduais de combate à tortura.
A carta encaminhada o governo de transição cita ainda outros pontos-chave, como a sugestão de criação de um fundo de apoio a vítimas de tortura, o preenchimento de vagas em aberto no Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e a 'retomada' do Disque 100.
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