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Medo de dirigir depois de tirar a CNH? Tiktokers prometem ajuda no volante

No lugar de tutoriais de maquiagem, orientações de como ajustar o retrovisor. Em vez das já famosas dancinhas, técnicas de baliza. Um novo nicho de produção de conteúdo tem ganhado força em redes como a plataforma de vídeos curtos Tiktok: o de materiais q

Ítalo Lo Re (via Agência Estado)

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Escrito por Ítalo Lo Re (via Agência Estado)
Publicado em 06.08.2022, 17:00:00 Editado em 06.08.2022, 17:07:43
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No lugar de tutoriais de maquiagem, orientações de como ajustar o retrovisor. Em vez das já famosas dancinhas, técnicas de baliza. Um novo nicho de produção de conteúdo tem ganhado força em redes como a plataforma de vídeos curtos Tiktok: o de materiais que falam sobre medo de dirigir e reúnem conselhos de como driblar isso. As dicas tratam desde aspectos mais práticos a maneiras de tranquilizar motoristas que querem sair com o carro.

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Em parte dos casos, mesmo quem já tirou carteira nacional de habilitação (CNH) se sente paralisado ao pegar no volante. A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) estima que oito a cada dez pessoas que sofrem com medo de dirigir já estão habilitadas e que ao menos duas milhões de pessoas têm essa condição no País - a grande maioria, mulheres. O "empurrão" dado por dicas sobre o assunto, além da criação de redes de apoio, tem ajudado algumas delas a virar a chave. Por outro lado, a venda de cursos online sobre o tema por profissionais não especializados exige atenção, alertam especialistas.

A pedagoga e psicanalista Aline Rosário, de 32 anos, decidiu criar conteúdo nesse nicho quando percebeu que outras mulheres passam pela mesma situação vivenciada por ela anos atrás: a de ter medo de dirigir, mas, ao mesmo tempo, não encontrar ajuda para enfrentar isso.

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"Após superar meu medo, decidi fazer pós-graduação em Psicanálise e me dediquei aos estudos sobre o tema 'medo de dirigir' em 2018. Desde então, não parei mais", explica. Hoje, ela produz conteúdo rotineiramente e reúne mais de 75 mil seguidores em perfil criado para abordar o tema no Tiktok. No Instagram, são 67 mil.

Os conteúdos avançaram tanto que Aline, moradora de Balneário Camboriú (SC), lançou dois cursos online focados no assunto. "Como já são mais de 2 mil alunas nos meus cursos, precisei abrir mão da minha profissão como pedagoga para me dedicar 100% às minhas alunas e à criação de conteúdo nas redes sociais. Essa é minha principal fonte de renda."

Há cerca de um ano, a estudante de Psicologia Tayse Alves, de 34 anos, adotou caminho parecido e lançou um perfil focado em medo de dirigir no Tiktok, agora com mais de 100 mil seguidores. Com o sucesso das publicações, ela também vende um curso online. "O público maior são mulheres que já tiraram a CNH há muitos anos e não conseguem dirigir sozinhas. Grande parte só dirigiu na autoescola porque tinha o instrutor ao lado. Em casa, na realidade delas, paralisam e não dirigem mais."

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Diversos perfis seguem a mesma fórmula: produzem conteúdos dando dicas sobre medo de dirigir para atingir uma quantidade grande de pessoas e também oferecem cursos mais específicos - a partir deles, são criados grupos de apoio para compartilhamento de experiências, em redes como Facebook, WhatsApp e Telegram. O que muda um pouco são os enfoques. Enquanto alguns são mais voltados para a questão psicológica, outros dão mais espaço para dicas práticas - por vezes, o que falta para ter mais confiança.

Moradora de São Pedro da Aldeia (RJ), Izabella Souza, de 40 anos, se formou como instrutora em 2015. Em autoescolas, porém, só trabalhou por dois anos: "Logo percebi que eu poderia ser muito mais útil ajudando as diversas mulheres que voltavam na autoescola e falavam que não estavam dirigindo por causa do medo."

Observando ali uma oportunidade, abriu a empresa Bellas no Trânsito, focada em dar aulas para mulheres com medo de dirigir. "Comecei, então, a gravar as aulas e a explicar tudo que fazia nas aulas presenciais. Os vídeos foram alcançando muitas pessoas", explicou Izabella, que hoje também cursa Psicologia.

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Com presença ainda tímida no Tiktok, o perfil da instrutora no Instagram, principal rede usada por ela, reúne quase 150 mil seguidores. No Facebook, há ainda um grupo privado onde alunos e ex-alunos trocam experiências e se ajudam. Mais de 5 mil pessoas já foram atendidas por Izabella no curso online. Uma delas, a dona de casa Nadia Almeida, de 52 anos.

Embora tenha tirado a CNH em 2004, Nadia sempre teve medo de sair com o carro. Ela associa a situação ao trauma motivado pela morte do irmão mais velho em um acidente de carro quando ainda era pequena - ela tinha apenas seis anos. "Apesar de trabalhar como motorista, meu pai não me incentivou a dirigir depois daquilo", disse a dona de casa, que mora na Ilha do Governador (RJ).

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Persistente, Nadia conta que conseguiu tirar a carteira ainda assim, mas diz que só depois sentiu o peso de conduzir um carro. Outros acontecimentos também se somaram para que ficasse paralisada ao tentar dirigir "na vida real". "Uma das falas que me deixou traumatizada foi, na aula do Detran, o professor falar que o carro era uma arma, aquilo ficou na minha mente como algo negativo", disse.

Depois disso, a dona de casa até tentou fazer aulas presenciais com instrutores particulares - como as oferecidas por autoescola para quem já tem habilitação -, mas o método também não funcionou. Nos últimos anos, quando já pensava em desistir, Nadia passou a consumir conteúdos para pessoas como ela e focou nas dicas de pessoas como Izabella. "Me chamou atenção primeiro por ser uma mulher, algo que eu não via."

Como estava gostando, resolveu, então, dar uma última cartada no começo da pandemia, mais de 15 anos após ter tirado a carteira. "Pedi para meu marido me dar o curso online de presente e comecei a fazer", relembra. Além das aulas, a dona de casa também entrou no grupo de apoio do curso no Facebook, iniciativa que conta ter ajudado bastante. Após pegar o carro e aplicar as dicas de forma gradativa, hoje se considera uma motorista funcional e conta que inclusive ajudou a filha tirar a CNH. "Foi uma vitória."

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O relato é similar ao de outra aluna, a paulistana Marcia Maria de Araújo, de 45 anos. Também dona de casa, ela conta ter tirado carteira de motorista há cerca de cinco anos, o que não significa que começou a dirigir desde então. "Eu até tentava algumas, mas sem sucesso", relembra.

Com filho autista, Marcia conta que a condição a limitava bastante, uma vez que não conseguia levá-lo a sessões de terapia ocupacional e a outras consultas. "Dependia que meu marido levasse, mas às vezes ele estava trabalhando, ou de pegar condução (transporte público)", explicou a dona de casa. Neste último caso, no entanto, ela conta que o filho ficava estressado em algumas situações, o que foi aumentando a urgência para que ela procurasse uma solução.

Há cerca de um ano, a dona de casa começou a consumir conteúdos nas redes sociais que abordavam desde dicas práticas sobre como estacionar a formas de vencer o medo e a ansiedade, além de fazer o mesmo curso online que Nadia. Passou, então, a aplicar as dicas aos poucos e a se empolgar com a evolução - até chegar na condição atual. "Moro na zona leste e meu filho faz terapia na zona norte, no Tucuruvi. Agora consigo sair com o carro para levá-lo", disse ela, que busca repassar o que aprendeu em grupos de apoio com outros motoristas.

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É preciso cuidado com curso online, dizem especialistas

A venda de cursos online sobre medo de dirigir por profissionais não especializados em instrução de trânsito ou mesmo em psicologia ou medicina exige cuidados, apontam especialistas.

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Professor de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Enzo Bissoli diz que não há uma regulamentação que impossibilite a uma pessoa dar um curso sobre um aprendizado da vida dela. O que se tem são limitações quanto ao exercício ilegal de uma profissão. Ainda assim, ele destaca que, sobretudo no caso práticas relacionadas a sofrimentos adquiridos, a recomendação é que a abordagem seja feito por um profissional da saúde e/ou que esteja capacitado e orientado para olhar para essas questões.

"Quando tenho uma pessoa que superou o medo, por exemplo, ela tem mérito por ter superado o medo dela, certamente se esforçou e descobriu jeitos de construir uma vida diferente", disse. Por outro lado, ele alerta que uma experiência individual pode não ser suficiente para pautar escolhas de interferência na vida de outras pessoas que vão produzir efeitos diretos no bem-estar, o que requer um maior cuidado.

Para a médica de tráfego Juliana de Barros Guimarães, da Comissão de Saúde Mental da Abramet, os materiais vendidos na internet requerem maior cuidado, sobretudo se miram travas psicológicas.

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Se, por um lado, a médica explica que, no caso de materiais voltados para dicas mais do dia a dia sobre como dirigir, a oferta de cursos é mais descomplicada. Por outro, reforça que, quando se entra na seara de dicas focadas em aspectos psicológicos que não permitem que as pessoas dirijam, a questão é mais sensível e deve ser olhada com mais cuidado.

"Nesse caso, você (aluno) não sabe com quem está mexendo. Pode ser alguém que não tenha preparo científico, capacitação e formação para identificar se a pessoa é insegura apenas ou se há componente emocional nisso", explica. A parte complexa é que muitos produtores de conteúdo do Tiktok e de outras redes misturam essas duas frentes, o que torna a questão difícil de ser mapeada.

Ainda assim, Juliana reforça que, em casos mais graves, é importante haver o encaminhamento de alunos para profissionais qualificados em tratar questões mais complexas, como transtornos de ansiedade. Ou mesmo o atendimento individualizado de algumas pessoas, quando os próprios produtores de conteúdo são profissionais da área. "É o psicólogo ou o psiquiatra que vai poder identificar e diagnosticar (um transtorno), fazendo um trabalho junto com essas pessoas, para que um determinado instrutor possa ajudá-lo ou não."

Medo de dirigir não é o mesmo que amaxofobia

Um ponto importante, explicam os especialistas, é entender que o medo de dirigir não é em todos os casos uma fobia, que, neste caso, tem até um nome específico: amaxofobia. Enquanto o medo de dirigir, diz Juliana, é uma reação inerente do ser humano, que pode gerar instintos de defesa e que, em casos mais graves, pode até ser paralisante, a fobia é algo mais sério, que requer tratamento de profissionais capacitados.

"Muitas vezes, o medo começa paulatinamente e vai crescendo, quando não tem o devido olhar, o devido tratamento", diz. A médica reforça que os motivos para isso podem ser diversos: abarcam desde traumas específicos a questões mais triviais, que fazem as pessoas não se sentirem capazes de dirigir. "Quando esse medo é exacerbado, o caso estaria encaixado melhor no que seria uma amaxofobia, que é uma fobia específica e que pode estar associada a transtornos de ansiedade."

No caso da fobia de dirigir, Enzo Bissoli reforça que a importância de se ter acompanhamento especializado é ainda maior. "Quando vamos para estados crônicos, em que a pessoa não consegue desenvolver a atividade, tem sintomas físicos intensos no contexto da atividade e descreve sofrimento agudo (...) isso dificilmente poderá ser adequadamente cuidado sem acompanhamento frequente de psicólogos e médicos psiquiátricos."

O risco, caso isso não seja feito, é agravar ainda mais a situação. "Como todas as fobias que são relacionadas a padrões de ansiedade, o problema de não ter tratamento adequado logo de cara é sair de um situação episódica e entrar em uma crônica", alerta. "Ela começa não dirigindo. Depois, não indo de carro. Daqui a pouco, fica mais em casa. E aí a coisa vai progredindo, o prognóstico não é bom."

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que 7,5% da população brasileira sofre com transtornos de ansiedade. Sobre, especificamente, a amaxofobia, Juliana reforça que as pesquisas ainda são escassas, mas complementa que a percepção de quem trabalha na área é de que esse tipo de fobia ainda é bastante subnotificado.

Estimativa da Abramet com dados coletados no período entre 2009 e 2018 aponta que duas milhões de pessoas sofrem com medo de dirigir no País, mas não há distinção de quantos casos tratam-se de fobias. Uma das causas seria a percepção de que há baixa procura por atendimento médico para tratar a questão. A médica reforça que, quando os sintomas se manifestam de forma intensa, atrapalhando inclusive outras atividades da rotina, as orientações são procurar um psicólogo ou médico especializado.

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