Cozinhar, cuidar do jardim, lavar a louça e dobrar as roupas. Entre tantos outros afazeres caseiros, essas podem ser armas poderosas para beneficiar a saúde mental e cognitiva. Inclusive contra desordens neurodegenerativas como o Alzheimer e outras demências.
Entre os estudos que já investigaram essa relação está um publicado na revista científica Neurology. Durante dez anos, pesquisadores analisaram os hábitos de 501.376 voluntários do Reino Unido, com idade média de 56 anos, que não apresentavam demência.
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Durante o experimento, os participantes preencheram questionários sobre fatores como a prática de atividade física, a vida social, o uso de eletrônicos e a realização de trabalhos domésticos. Essas informações foram cruzadas com o comprometimento cognitivo apresentado por cada um deles durante o período de acompanhamento.
A conclusão obtida pelos pesquisadores foi de que aqueles que participavam das tarefas domésticas apresentaram menos risco de receber um diagnóstico de demência ou Alzheimer. “Esse estudo é muito interessante, porque destaca a importância de atividades cotidianas e aparentemente simples para a saúde cognitiva”, afirma a neurologista Polyana Piza, coordenadora do Programa de Especialidades Clínicas do Hospital Israelita Albert Einstein.
O trabalho mostra ainda como alguns fatores de risco para o declínio cognitivo podem ser combatidos com essas atividades. “Eles envolvem o isolamento social, a depressão, o sedentarismo e a baixa atividade intelectual, que sabidamente contribuem para aumentar o risco do desenvolvimento de demência e Alzheimer”, observa a neurologista Ana Luísa Rosas, médica assistente do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) de São Paulo.
Além de especialista em quadros cognitivos e comportamentais em demências, Rosas também vê de perto as vantagens das tarefas de casa na proteção contra a perda cognitiva.
Mão na massa
Em parceria com a chef de cozinha Patricia Heilman, Ana Luísa Rosas criou o projeto Cozinhar para Lembrar. “Ele foi desenvolvido baseado em pesquisas que sugerem que a estimulação olfativa pode ajudar a evocar memórias e emoções positivas nesses pacientes [com declínio cognitivo], melhorando sua qualidade de vida e bem-estar emocional”, conta a médica.
O projeto evidencia os benefícios de levar as pessoas com Alzheimer para a cozinha — com supervisão, claro. “Pode trazer boas recordações através dos cheiros, lembrar como faz receitas de família resgatando memórias e manter a pessoa ativa com pequenas ações do dia a dia. Também ajuda na socialização do paciente, tudo isso servindo como estímulo cognitivo potente”, explica a neurologista do Iamspe.
Apesar de simples, essas práticas envolvem estímulos eficazes contra os problemas neurodegenerativos, como o planejamento, o reforço da memória em curto e longo prazo, a habilidade motora fina e a coordenação, além de fortalecer as relações familiares.
“Essas atividades também fazem a pessoa se sentir útil, melhoram o humor e proporcionam prazer e satisfação pessoal, o que pode aumentar os níveis de neurotransmissores associados ao bem-estar, como a dopamina, que tem efeitos benéficos para a saúde cerebral”, acrescenta a neurologista do Einstein.
Cuidados importantes
“É fundamental que familiares e cuidadores estejam atentos às necessidades e capacidades individuais, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor para essas atividades”, orienta Polyana Piza. Quando se fala de pessoas que já apresentam algum grau de demência, essas tarefas precisam ser sempre acompanhadas e supervisionadas de perto, principalmente quando envolvem o uso de facas e do fogão.
Também é indicado adaptar os ambientes para minimizar riscos. A recomendação é dividir as atividades de forma simples para ser mais fácil de gerenciar, e deixá-las mais acessíveis e com menor propensão a acidentes.
Na cozinha, por exemplo, o ideal é usar facas menos afiadas e panelas com alças resistentes ao calor. “Devemos deixar a pessoa à vontade e auxiliá-la nas tarefas que ela precisar”, orienta Ana Luísa Rosas, do Iamspe.
Também é essencial analisar cada caso individualmente. Se a pessoa já não consegue manejar bem os objetos ou ficar em pé durante muito tempo, por exemplo, talvez seja mais interessante levá-la à cozinha quando um familiar for preparar a comida. “Esses momentos e a reunião da família na hora das refeições também são importantes devido à socialização e ao estímulo cognitivo”, frisa a médica.
Por Thais Szegö, da Agência Einstein
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