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Kremlin oferece vacina grátis aos russos, que seguem céticos sobre eficácia

Aleksei Zakharov, um professor de economia de Moscou, injetou a vacina russa contra o coronavírus em seu braço no fim de semana. Conseguir a dose foi uma decisão fácil, disse ele - não porque o governo russo disse que era seguro, mas porque dezenas de rus

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 08.12.2020, 12:25:00 Editado em 08.12.2020, 12:33:18
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Aleksei Zakharov, um professor de economia de Moscou, injetou a vacina russa contra o coronavírus em seu braço no fim de semana. Conseguir a dose foi uma decisão fácil, disse ele - não porque o governo russo disse que era seguro, mas porque dezenas de russos compartilharam sua experiência nas redes sociais.

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"Eu confio na coleta de informações (por redes sociais) muito mais do que no que o Estado diz, pelo menos antes que os resultados dos testes estejam disponíveis e publicados em uma publicação médica", disse Zakharov, 44, em entrevista por telefone na segunda-feira, 7, já sem febre moderada - um efeito colateral da vacina. "Não há opção segura e sem risco aqui. Ou você toma a vacina ou corre o risco de ficar doente".

A Rússia disponibilizou sua vacina contra o coronavírus gratuitamente nos últimos dias para professores, assistentes médicos e funcionários do serviço social com menos de 61 anos em Moscou. Porém, ainda mais do que no Ocidente, a falta de confiança está prejudicando o lançamento de uma vacina pela Rússia: os cientistas do país podem muito bem ter feito grandes avanços no combate à pandemia, mas muitos russos não acreditam.

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Geopolítica

Enquanto a desconfiança cresce, o país tem média de 500 mortes por dia. O governo, em parte, é o culpado. O presidente Vladimir Putin proclamou em agosto que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a aprovar uma vacina para o novo coronavírus, com grande alarde na mídia estatal, embora não tenha sido testada em um ensaio médico em larga escala.

Putin disse que a vacina funcionou "com eficácia suficiente", dada a emergência de saúde, mas os críticos acusaram-no de estar causando um curto-circuito no processo estabelecido há muito tempo para desenvolver vacinas seguras.

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Em levantamento posterior, um instituto de pesquisas independente, o Levada Center, descobriu que a ação bombástica pode ter apenas aprofundado as suspeitas dos russos: em outubro, 59% dos entrevistados disseram que não receberiam uma vacina contra o coronavírus, mesmo que fosse voluntária e gratuita.

Denis Volkov, vice-diretor da Levada, disse que a resposta típica era: "Por um lado, estamos felizes por sermos os primeiros. Mas não vamos tomar nós mesmos - vamos deixá-la passar pelas aprovações."

"Não estou planejando ser vacinado porque metade das pessoas diz que não é uma ideia particularmente boa", disse Valery Patrin, um músico de orquestra de jazz de 21 anos, em uma entrevista em Moscou na segunda-feira. "Não há como a vacina ser testada normalmente."

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Líder da oposição se mantém cético

Aleksei Navalni, o líder da oposição russa que agora se recupera na Alemanha de um ataque de agente nervoso, também expressou dúvidas sobre a segurança da vacina no sábado, conclamando altos funcionários do governo a se vacinarem "sob o olhar de médicos e jornalistas."

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Embora muitos membros da elite russa - desde altos executivos de negócios e governadores ao editor da rede de televisão RT do Kremlin - tenham dito que já receberam a vacina, o próprio Putin não tomou, embora diga que uma de suas filhas sim.

A entidade governamental russa que fabrica a vacina que agora está sendo distribuída afirma que seu produto é 95% eficaz, mas especialistas externos não acreditam nessas afirmações. O nome da vacina, Sputnik V, sugere que o Kremlin vê a vacina como parte de sua competição com o Ocidente: o Sputnik foi o primeiro satélite lançado pela União Soviética, em 1957, um ponto alto de Moscou durante a Guerra Fria.

"Nossa Sputnik V é despretensiosa e confiável, como o rifle Kalashnikov", disse o apresentador de televisão estatal Dmitri Kiselyov em seu programa no mês passado, descrevendo a vacina russa como superior àquela co-desenvolvida pela empresa americana Pfizer.

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Em uma clínica comunitária estatal no bairro de Golyanovo, nos arredores de Moscou, na manhã de segunda-feira, um fluxo constante de pessoas que já haviam se inscrito para um horário online apresentaram identificação e papelada mostrando que trabalhavam na educação, medicina ou serviços sociais.

"Temos um sentimento: orgulho", disse Maria V. Sokolova, médica-chefe da clínica. "Afinal, fomos os primeiros a desenvolver uma vacina e agora somos os primeiros no mundo a iniciar a vacinação."

De fato, a Rússia está avançando com sua aprovação e administração da vacinação mais rápido do que países ocidentais, embora o lançamento tenha sido prejudicado por desafios de produção. Na quarta passada, o ministro da saúde do país, Mikhail Murashko, disse que mais de 100 mil pessoas já foram vacinadas com o Sputnik V, incluindo militares.

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Mas isso é uma fração da população do país de 140 milhões. Durante o verão, a empresa de pesquisas Ipsos descobriu que os russos são mais céticos em relação a uma vacina contra o coronavírus do que o público em qualquer outro lugar nos 27 países investigados. Apenas 27% dos russos confiam nos dados oficiais sobre o coronavírus, de acordo com Levada.

Dos que não acreditam, cerca de metade acredita que os números são muito altos e metade acredita que são muito baixos. A desconfiança está de acordo com o desencanto geral dos russos com Putin, após anos de estagnação econômica. "Há uma descrença nas informações oficiais, por padrão", disse Volkov, do Levada.

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No entanto, também existem muitos críticos de Putin que ainda veem as vacinas fabricadas na Rússia - três estão em testes - como o melhor caminho para seu país sair da pandemia. Alguns russos que participam dos testes têm compartilhado seus resultados e efeitos colaterais em grupos no Facebook e no aplicativo de mensagens Telegram.

A conclusão geral dos voluntários: a vacina Sputnik V parece persuadir o corpo a produzir anticorpos para a covid-19, principalmente sem efeitos colaterais graves. A organizadora de um grupo de voluntários do Facebook, Vera Smirnova, disse que costumava criticar o governo, mas ficou desapontada com o fato de muitos liberais russos rejeitarem a vacina por causa de sua associação com o Kremlin.

"Isso me deixa muito triste. O preço disso será vidas humanas ", disse Smirnova, que tem 42 anos e trabalha como professora universitária em Moscou. "Acho que este é um momento em que, talvez, devamos tentar confiar nas autoridades, porque nos próximos meses não teremos outra opção."

Vacina russa e o passado soviético

Em 1991, após o fim da URSS e do Comecon (mercado comum dos países comunistas), a Rússia estava praticamente sem indústria farmacêutica, por isso há muito tempo depende dos países ocidentais. Mas o país lançou um programa de substituição de importações para reduzir essa dependência.

"As vacinas produzidas na Rússia são geralmente vacinas estrangeiras. Por outro lado, esta é uma das primeiras concebidas exclusivamente na Rússia, é um orgulho nacional", diz Jean de Gliniasty, especialista russo do instituto IRIS e ex-embaixador da França em Moscou.

"Isso simboliza o retorno da Rússia ao grupo dos grandes da matéria farmacêutica. Eles vão tentar aproveitar ao máximo os benefícios em termos de soft power (poder brando)". Depois dos hidrocarbonetos, armas e energia atômica, Moscou gostaria de adicionar a vacina ao seu arsenal de influência econômica e diplomática e garantir uma fatia do mercado dos países em desenvolvimento.

E a primeira vacina também simboliza o mantra político do Kremlin por duas décadas: a Rússia está de volta. "É uma forma de mostrar que o país é capaz de fazer parte da elite científica mundial, de se sair melhor que os países desenvolvidos", diz a cientista política Tatiana Stanovaya, fundadora do centro de análises R. Politik. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

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