A filha do empresário Paulo Cupertino, acusado de matar o ator Rafael Miguel e os pais dele, em 2019, em São Paulo, por ser contra o relacionamento dela com o ator, revelou em depoimento à Justiça que o pai a manteve presa em casa durante oito meses. Isabela Tibcherani Matias e sua mãe, Vanessa Tibcherani de Camargo, relatam um relacionamento familiar conturbado em que o homem era possessivo e agressivo em relação às duas mulheres.
As revelações foram feitas durante os depoimentos prestados na sessão do tribunal do júri realizada no último dia 10, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, no qual Cupertino é julgado por homicídio doloso com duas qualificadoras: cometido sem chance de defesa das vítimas e por motivo fútil. Depois que as mulheres depuseram, o réu destituiu seu advogado, levando o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza a suspender o julgamento. A reportagem teve acesso aos depoimentos. Como o defensor de Cupertino ainda não foi nomeado, a reportagem não conseguiu contato com sua defesa.
O novo júri ainda não tem data para ser realizado. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), como o réu não constituiu um novo advogado, será nomeado um defensor público para atuar em sua defesa. Ao Estadão, o TJ informou nesta sexta-feira, 18, que os depoimentos terão de ser feitos novamente, pois será sorteado um novo Conselho de Sentença (corpo de jurados).
Segundo o MP, em 9 de junho de 2019, Cupertino matou com 13 tiros Rafael, de 22 anos, e seus pais, o casal João Alcisio Miguel, de 52, e Miriam Selma Silva Miguel, de 50. Conforme a acusação, o homem teria cometido o crime por ciúmes, por não aceitar o namoro da filha com o ator. Na época, ela tinha 18 anos.
Os depoimentos duraram cerca de duas horas e mãe e filha se emocionaram ao relatar o relacionamento difícil com Cupertino. A mãe afirmou que ele era agressivo e batia nela. Isabela disse que o pai sempre a tratou de forma diferenciada em relação ao irmão. Depois que ela começou a namorar, ele se tornou mais agressivo e a proibiu de se relacionar com Rafael ou outro garoto.
Segundo o depoimento, o pai monitorava o celular de Isabela e a proibia de sair de casa. Quando a promotora Soraia Bicudo Simoes Munhoz perguntou quanto tempo ela ficou sem sair de casa, Isabela respondeu: "Oito meses, sem contato, sem celular, sem convívio com outras pessoas, só dentro de casa." Ela pedia o celular da mãe para falar com o namorado. Isabela contou ainda que o pai falava, em conversas com conhecidos: "Você só vai namorar depois dos 30, se eu deixar."
O relacionamento entre Isabela e Rafael durou pouco mais de um ano. A jovem deu detalhes sobre o que seria seu último encontro com ele. Ela saiu de casa para se encontrar com o namorado em uma praça, mas viu o carro do pai chegando e não quis voltar para casa. "Eu estava abalada, nervosa, chorava muito", disse.
No depoimento, a filha chega a se referir ao pai como "réu". "Nossa relação (com o pai) era algo que me deixava aflita", disse. O casal decidiu ir à casa dos pais de Rafael mas, chegando lá, foram convencidos a ir até a casa de Cupertino para esclarecer a situação.
Ela conta que, quando chegaram, Rafael foi abrir a porta e se deparou com o pai de Isabela. "Ele não falou nada e me puxou para dentro e fechou o portão de maneira agressiva. A mãe do Rafael perguntou: você que é o pai de Isabela? ele respondeu: Não, eu sou a mãe. Quando o Rafael falou, vamos conversar, ele disse: conversar nada. Segurou o portão, eu já estava dentro (da casa). A partir daí só ouvi os disparos. Foram muitos disparos."
Isabela contou que, quando os tiros cessaram, viu o corpo de Rafael sobre o corpo da mãe dele, perto do carro. O corpo do pai de Rafael estava no meio da rua.
Cupertino não acompanhou presencialmente o depoimento da filha. Quando o juiz perguntou se ela preferia depor sem a presença do pai, ela disse que sim. Ele aguardou o depoimento em uma sala do fórum. O homem, que está preso, estava presente no depoimento de Miriam. A jovem e sua mãe disseram não ter visto os disparos, mas manifestaram não ter nenhuma dúvida de que o autor foi Cupertino.
O crime aconteceu em frente à casa da família, na Estrada do Alvarenga, no bairro Pedreira, na Zona Sul de São Paulo. Cupertino fugiu após os disparos. Outras duas pessoas, Eduardo Machado, de 45 anos, e Wanderley Ribeiro Senhora, de 59, acusados de ajudar na fuga do empresário, são réus no mesmo processo. Ambos respondem em liberdade e, em seus depoimentos, negaram relação com o crime.O Estadão procurou os defensores de Eduardo e Wanderley e aguarda retorno.
Cupertino foi preso quase três anos após o crime, em maio de 2022, quando a polícia o encontrou escondido e disfarçado, com uma identidade falsa, em um hotel de São Paulo. Com ele foram encontrados chapéus, tintas de cabelo e lentes de contato que, segundo a polícia, o procurado usava para se disfarçar.
Rafael era conhecido por sua participação na versão brasileira da novela Chiquititas, do SBT, exibida entre 2013 e 2015. Ele representava o personagem Paçoca. O ator atuou também em novelas da Globo, como Pé na Jaca e Cama de Gato, além do especial de fim de ano O Natal e o Menino Imperador. Como informou o Estadão, o assassinato do ator vai virar uma série documental. As gravações já começaram em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraguai.
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