A Polícia Militar de São Paulo anunciou nesta segunda-feira, 10, publicação de portaria complementar com as diretrizes que disciplinam o uso das câmeras operacionais portáteis (COPs). Os equipamentos, segundo a pasta, deverão estar ligados em todas as ações policiais, com prioridade para tropas em operações de grande porte ou de preservação da ordem pública. Alvo de críticas, o edital para contratação dos novos dispositivos foi mantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As regras da portaria basicamente reeditam as diretrizes lançadas pelo governo federal para orientar o uso de câmeras nas fardas, ainda que com pequenas alterações. Não há menção à perícia, por exemplo, uma vez que não é atribuição da PM. Também foi suprimido item sobre gravação de "manifestações" - a pasta afirma ser redundante ter um tópico só para isso, já que a captação nesses casos estaria prevista em outros tópicos.
Nesta segunda, foi realizado ainda o pregão eletrônico para a compra dos 12 mil novos equipamentos, que devem substituir os 10.025 em uso atualmente, cujos contratos se encerram até o próximo mês. Ao todo, 14 empresas participaram da licitação, e a melhor proposta foi da multinacional Motorola. A empresa ofereceu arcar com as câmeras a um custo mensal de R$ 4.329.960, montante abaixo de todos os concorrentes. A Axon, atual fornecedora, não participou.
"Agora a gente parte para a segunda fase, que é a fase de prova de conceito para verificar se o equipamento da Motorola atende tudo aquilo que tinha sido especificado no edital", disse o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), após evento realizado na tarde desta segunda. "A expectativa nossa é que atenda, porque estamos falando de uma gigante das comunicações."
Como mostrou o Estadão, o novo edital lançado no último dia 22 para substituir e ampliar o número de câmeras corporais da polícia prevê que a gravação poderá ser iniciada e finalizada pelo próprio agente localmente. Hoje, o modelo funciona com gravação ininterrupta. Especialistas apontam que a brecha pode ter um impacto negativo sobre a qualidade e a eficácia do registro.
Na ocasião, a Secretaria da Segurança Pública disse que o edital levou em consideração estudos técnicos e que avaliações apontaram problemas relativos à autonomia da bateria dos equipamentos e à capacidade de armazenamento no cenário da gravação contínua. Segundo a pasta, o governo tem focado ainda em incluir novas funcionalidades nas câmeras, como a integração com o Muralha Paulista, rede de segurança que interliga câmeras.
"Até entendo e reconheço que a polêmica talvez se deva à postura refratária que eu mesmo tive em relação às câmeras no passado. Com o passar do tempo, ouvindo o Comando da PM, vendo o dia a dia, a gente vai mudando de posição", disse o governador nesta segunda.
"Dos candidatos que você tinha ao governo de São Paulo, o único que era crítico às câmeras era eu. E com o passar do tempo fui mudando de posição e entendendo que as câmeras são importantes", complementou. O governador disputou o segundo turno das eleições 2022 com Fernando Haddad (PT), atual ministro da Economia. No primeiro turno, também participaram do pleito nomes como Rodrigo Garcia (PSDB), então governador, e Marcio França (PSB), ex-governador de São Paulo.
Tarcísio afirma que, diante das evidências de que as câmeras são efetivas, resolveu não só ampliar o número dos equipamentos, como incrementar as funcionalidades. A previsão é que os novos dispositivos funcionem também como rádio comunicador e com uma maior autonomia de bateria, em que a capacidade de captação sobe de 12h para 14h. O governo defende que a descontinuidade da gravação ininterrupta não vai prejudicar o programa, mas especialistas questionam.
Segundo nota assinada por entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Sou da Paz e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), com o novo edital, a PM "deixa a cargo dos próprios policiais a escolha sobre o acionamento das câmeras, o que pode diminuir os efeitos positivos do programa". "Diferentes estudos realizados no Brasil e no exterior indicam que, em média, os policiais não acionam a câmera corporal em 70% das ocorrências atendidas", afirmam.
As entidades complementam que, com as mudanças, o programa das câmeras deve "se transformar de uma ferramenta operacional e de vigilância que poderá, inclusive, acabar sendo utilizada contra os interesses do próprio cidadão". Como mostram os estudos, as câmeras são importantes não só para proteger a população em ações policiais, como para evitar casos de corrupção.
"Se a preocupação é com custos, a licitação da PMESP poderia suprimir funcionalidades não prioritárias das câmeras, como a transmissão de dados em tempo real e o processamento de vídeo para reconhecimento facial, dois acréscimos cujos benefícios não são respaldados por evidências empíricas", aponta trecho da nota, divulgada logo após a publicação do novo edital das bodycams.
Portaria determina em quais situações PMs devem acionar a câmera em São Paulo; confira
Veja abaixo as 15 situações em que a portaria complementar PM1-4/02/24 determina que os policiais devem acionar os equipamentos:
No atendimento de ocorrência policial de qualquer natureza;
No acompanhamento de veículo ou em perseguição de pessoa a pé;
Nas ocasiões em que o policial militar for acionado por qualquer pessoa, sobre fato de interesse policial;
Nas fiscalizações atribuídas à Polícia Militar, por competência originária ou delegada, inclusive as de trânsito e ambientais;
Durante buscas pessoais, veiculares ou domiciliares;
Em todas as ações, operações e missões policial-militares;
No cumprimento de determinações de autoridades policiais ou judiciárias e de mandados judiciais;
Em apoio a outra(s) Unidades de Serviço (US) e/ou outro(s) órgão(s);
No atendimento de ocorrências típicas de bombeiro e/ou defesa civil;
Na condução de pessoas, durante o período em que a custódia e/ou responsabilidade estiver a cargo da autoridade policial-militar;
Em todas as interações entre policiais e custodiados, durante o período em que a custódia e /ou responsabilidade estiver a cargo da autoridade policial-militar, dentro ou fora do ambiente de polícia judiciária comum ou prisional;
No apoio a intervenções e resolução de crises, motins e rebeliões no sistema prisional;
Em situações em que se presuma a necessidade do uso seletivo da força;
Nos sinistros de trânsito; e
No patrulhamento preventivo e ostensivo ou na execução de diligências de rotina em situações em que se presuma a necessidade do uso seletivo da força.
Nesta segunda, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve o edital do governo de São Paulo sobre as câmeras corporais. A decisão afirma que, até o momento, o governador cumpriu os compromissos que assumiu com a política de câmeras.
Para Barroso, as mudanças promovidas por Tarcísio parecem "alinhadas" com as diretrizes definidas recentemente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que é justamente o que defendeu o governo estadual nesta segunda.
O presidente do STF afirmou que, embora as normas não vinculem diretamente os Estados, elas são uma "diretriz técnica importante" e devem ser usadas como parâmetro para verificar se a política de câmeras adotada em São Paulo será ou não eficiente.
Barroso determinou que o governador apresente, seis meses após o início do contrato, um relatório sobre a efetividade das novas câmeras. O objetivo é acompanhar a transição entre os modelos. "Em caso de desempenho insatisfatório, esta presidência voltará a atuar", alertou.
Na noite de domingo, 9, às vésperas do pregão, a Defensoria Pública do Estado havia voltado a pedir ao ministro Luís Roberto Barroso que interviesse no edital do governo Tarcísio de Freitas e garantisse que os equipamentos gravem de forma automática e ininterrupta.
Também foi solicitado que o prazo de armazenamento das imagens siga o parecer da Procuradoria-Geral da República. Como mostrou o Estadão, o procurador-geral Paulo Gonet não se opôs a policiais militares passarem a ter o controle sobre as câmeras em São Paulo, mas defendeu que governador ajuste o documento.
Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, Gonet afirma que duas cláusulas precisam ser retificadas:
- A primeira é sobre os prazos e diretrizes para armazenamento das filmagens. O edital prevê que os arquivos fiquem disponíveis para acesso imediato por 30 dias. Depois disso, segundo o governo estadual, as imagens seguirão disponíveis, por um ano, no banco de dados da PM. A PGR defende que, "para evitar dúvidas", esse segundo prazo de armazenamento, de 365 dias, precisa estar descrito expressamente no edital;
- O segundo pedido de ajuste envolve os requisitos para empresas participarem da licitação. O edital prevê a contratação de 12 mil câmeras corporais, mas exige que, para participar do certame, as empresas interessadas comprovem a capacidade de entrega de apenas 4% do total. O procurador-geral considera necessário aumentar o patamar para 50%.
Funcionamento das câmeras pode depender de infraestrutura telefonia celular, diz secretaria
O acionamento, além de poder ser feito pelo próprio agente, também terá a possibilidade de ser feito também pelo Copom (centro de operações da PM). A ideia é que as ações possam ser acompanhadas em tempo real pela corporação, de forma a auxiliar na tomada de decisão.
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria da Segurança Pública do Estado afirmou que "o funcionamento das câmeras operacionais portáteis (COPs) e o acompanhamento em tempo real das imagens depende de infraestrutura de telefonia celular, com sinal de dados 4G/5G".
Na divulgação da portaria nesta segunda, o governo destacou que o edital para a contratação de 12 mil novas câmeras representa "um avanço significativo no combate ao crime em várias regiões do estado, além de aumentar em 18% o número de equipamentos em uso pela PM".
"Os novos dispositivos terão qualidade superior de som e imagem, possibilitando a integração com outras ferramentas de inteligência policial e incluirão novas funcionalidades, como reconhecimento facial, leitura de placas de veículos e melhorias na conectividade, entre outras inovações em relação às atuais COPs. Além disso, o novo acordo deve gerar uma economia de 30% a 50% para o tesouro estadual em comparação com o anterior", afirmou a pasta.
O uso do reconhecimento facial divide opiniões. Embora o recurso seja cada vez mais utilizado em setores como segurança, comércio e transporte, especialistas apontam que ela pode aprofundar o racismo estrutural no Brasil. Casos recentes mostram que a ferramenta apresenta falhas no reconhecimento de pessoas não brancas, resultando em discriminação e violência policial.
Na época da divulgação do edital, a secretaria afirmou que as câmeras adquiridas por meio dos contratos anteriores serão devolvidas à empresa que ganhou a licitação na época. Hoje, elas estão distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino. "Se necessário, a PM vai renovar o acordo para manter essas câmeras em funcionamento até o término da nova licitação, para que não haja a interrupção no uso das câmeras", informou o órgão.
Na noite desta segunda, o governo estadual afirmou que o pregão do qual a Motorola saiu vencedora deve resultar em uma economia de mais de 54% à Secretaria da Segurança Pública, em comparação com o contrato vigente. "O valor da primeira colocada no pregão realizado nesta segunda também é 30% menor que o previsto pela PM", disse a pasta. Procurada, a Motorola não se manifestou. (Colaboraram Gonçalo Junior, Rayssa Motta e Pepita Ortega)
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