Cerca de 200 imigrantes, a maior parte formada por indianos, estão retidos no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. A retenção se deve, segundo autoridades de migração e judiciárias, a um fluxo incomum de chegada de estrangeiros sem permissão de entrada e também por um problema no sistema de cadastramento de pedidos de refúgio, solicitação que permitiria a entrada temporária.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a contagem de imigrantes inadmitidos chegou a cerca de 400, mas caiu para 187 na noite desta quinta-feira, 13. Enquanto não possuem autorização para ingressar no País, eles seguem em uma área restrita do Terminal 3 de Guarulhos. Além de indianos, que ocupam cerca de 80% do grupo, os migrantes são originários também do Vietnã (15%), além de países africanos e outros do leste asiático.
Segundo as autoridades, os estrangeiros foram impedidos de entrar no País por um problema operacional no sistema de cadastramento de pedido de refúgio, o Sisconare, que apresentou instabilidade nos últimos dias, em razão de atualizações feitas em outros sistemas da pasta.
Os procuradores chegaram a tratar a situação como "uma crise humanitária" pelo alto contingente de pessoas que ficou aguardando o pedido de refúgio por quase uma semana. Por esse motivo, foi realizada uma reunião nesta quinta-feira, 13, como uma série de entidades, incluindo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Polícia Federal, e membros da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
Após a reunião, as autoridades afirmaram que o Sinacore foi restabelecido e que a situação está se normalizando. De acordo com o MPF, a situação deve ser resolvida por completo até o próximo domingo, 16.
"O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), acompanha a situação dos viajantes que permanecem no aeroporto de Guarulhos", informou o MJSP em nota.
"A instabilidade, na última semana, ocorreu porque o Sisconare é integrado ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do governo federal, que teve atualização de versão recente", completou a pasta. A Polícia Federal diz que fez uma força-tarefa para acelerar os pedidos dos estrangeiros.
Enquanto se encontram retidos, os imigrantes têm sido assistidos e acompanhados pelas companhias aéreas por onde viajaram, ONGs, prefeitura de Guarulhos e órgãos do governo que auxiliam os refugiados, como o Conare.
MPF investiga retenção
Os imigrantes que já conseguiram a liberação para entrar no Brasil não estão ficando no interior do aeroporto de Guarulhos, como aconteceu com os refugiados afegãos.
"Tudo indica que essas famílias já possuíam algum contato, ou algum lugar para ficar", disse à reportagem o procurador da República Guilherme Rocha Göpfert, que explica que o volume de migrantes retidos se deve uma "conjunção de fatores", que incluem tanto as desestabilizações no sistema, como um aumento acima do normal de pessoas chegando ao País buscando abrigo.
O Ministério Público Federal instaurou um procedimento de investigação para apurar os motivos que levaram os estrangeiros a ficar retidos e como os imigrantes foram tratados enquanto estiveram no aeroporto.
O órgão afirma que vai propor melhorias no sistema do Sisconare para evitar que problemas semelhantes não aconteçam novamente. "Mas temos que aumentar a capacidade de processamento das solicitações de refúgio para evitar que situações como essa se perenizem", completa.
O procurador vê semelhança na situação dos indianos com a dos vietnamitas do final do ano passado, quando centenas de imigrantes também ficaram retidos na área de imigração do aeroporto de Guarulhos após um alto fluxo de pedidos de refúgio por parte dos viajantes.
Na ocasião, a PF chegou a abrir uma investigação para apurar se o grupo não estava sendo aproveitado por coiotes que usam o Brasil como rota do tráfico para a entrada em outro país.
"Existe esse risco. Muitos podem cruzar a fronteira do Brasil a pé. Mas a gente não sabe qual rumo eles vão tomar", diz Göpfert em relação aos atuais imigrantes retidos. Muitos usam o refúgio para, realmente, ficar no Brasil e reconstruir a vida, mas outros não."
Em nota enviada, a Polícia Federal disse que "investigações acerca de possíveis crimes ocorridos na facilitação e/ou fomento de rota imigratória para realização de imigração ilegal para outros países, seja por meio dos chamados coiotes ou grupos organizados, são recorrentes e, sempre em momento oportuno, quando há prisões ou ações para desbaratar seus praticantes, a PF informa torna pública".
A polícia esclareceu que a deportação ocorre após o ingresso no país de forma irregular e/ou sua permanência no país após findo o prazo autorizado, "o que não é o caso dos indivíduos inadmitidos que ficam em área restrita".
"Entre a noite do dia 13/6 e manhã do dia 14/6 dos 291 indivíduos que estavam na condição de inadmitidos, no aeroporto de Guarulhos, 59 protocolaram pedidos de refúgio e ingressaram no país, sendo orientados a procurar o Conare onde seu pedido será analisado", disse.
Pedidos de refúgio em alta no Brasil
O Brasil aumentou o número de aprovações de pedidos e o número de refugiados no País em 117% entre 2022 e 2023. Dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), administrado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram que 77.193 pessoas foram reconhecidas como refugiadas no ano passado, totalizando 143.033 (em 2022, eram 65.840).
A maioria dos novos pedidos de refúgio foi feita por venezuelanos (50%), cubanos (19%) e angolanos (6%), populações que historicamente pedem refúgio ao Brasil pela proximidade geográfica ou linguística. Questões econômicas e políticas tendem a ser o principal motivo para o abandono de suas terras natais.
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