Os dados das avaliações educacionais são bem nítidos: se nos anos iniciais do ensino fundamental grande parte das crianças atinge os índices desejáveis de aprendizado, nos anos finais a equação se inverte, com queda acentuada no cumprimento das metas estipuladas. Esse cenário foi o pano de fundo para o último meet point da série Reconstrução da Educação. Promovido pelo Estadão, o evento recebeu especialistas para debater a janela de oportunidade aberta pela inovação tecnológica no contexto do ensino fundamental 2, que compreende alunos dos 11 aos 15 anos.
"A tecnologia hoje é indispensável para que o cidadão exerça seus direitos, e com a educação não poderia ser diferente", diz Cristieni Castilhos. Diretora-executiva da MegaEdu, organização que trabalha pela conectividade em escolas públicas, ela cita ao menos dois componentes para explicar a importância das ferramentas tecnológicas nessa fase do ensino: perfil do aluno e receptividade dos docentes.
Ela aponta que crianças da atual geração já têm um olhar mais digital, então é natural que precisem de uma escola mais conectada. Quando isso acontece, há mais engajamento e prazer em aprender. Além disso, antes da pandemia, metade dos professores achava interessante o uso de tecnologia. Depois, o porcentual subiu para 97%, segundo pesquisas. Como destaca a diretora da MegaEdu, a análise de dados propiciada por softwares de educação pode, inclusive, ajudar o professor a evitar tomadas de decisões erradas na elaboração das estratégias de retomada do aprendizado, permitindo uma análise precisa das dificuldades de cada aluno. "Se 80% da turma está errando raiz quadrada, muitas vezes o professor toma a decisão de dar novas aulas de raiz quadrada. E esses softwares ajudam a mostrar que, por exemplo, a defasagem do aluno pode ter ficado na parte de fração, que é a base para pensar a raiz quadrada. Isso ajuda muito o professor a elaborar as estratégias de retomada do aprendizado."
Brasil afora, algumas poucas redes já têm conseguido bons resultados. Na rede pública paranaense, há o uso de sete plataformas, cada uma voltada a uma área do conhecimento, sempre em sala de aula. "O debate mais importante não é sobre usar ou não a tecnologia, mas sim pensar em como aproveitar a inteligência dos softwares educacionais", diz Roni Miranda, secretário de Educação do Paraná.
Apesar dos resultados, no Brasil a universalização do apoio tecnológico esbarra em desigualdades históricas entre regiões. Segundo o último Censo Escolar, no ensino fundamental, só 76% das escolas estaduais e 56% das municipais têm internet banda larga. Em números absolutos, mais de 20 mil escolas não têm nenhum acesso à internet, o que corresponde a mais de 4 milhões de alunos fora da rede. "Mais da metade das escolas públicas têm de um a três computadores, enquanto, nas privadas, é muito comum vermos o computador como parte da lista de materiais solicitados. Estamos falando de uma grande diferença", diz Cristieni.
OPORTUNIDADE E RISCO. Se bem implementada, ressalva a diretora da MegaEdu, a tecnologia é uma janela de oportunidade para diminuir a grande heterogeneidade na sala de aula. "A gente incluiu muito rápido as pessoas em um País muito desigual e multicultural, então cada criança traz uma história, um background familiar muito diferente. A tecnologia possibilita em alguma medida individualizar um pouco mais os processos pedagógicos. Esse percurso é muito interessante", avalia Cristieni.
TECNOLOGIA NÃO É TIKTOK
O uso da tecnologia para aprendizagem não significa abrir o sinal do Wi-Fi da escola para os estudantes. De acordo com a especialista, é preciso um software pedagógico e formação dos professores. "Abrir o sinal aqui do Wi-Fi no intervalo para os alunos acessarem o TikTok não é uso da tecnologia para aprendizado. Durante a pandemia, foi importante a gente ter distribuído os chips, o aluno em casa ter tido acesso. Só que agora a escola precisa estar conectada, o professor na sala de aula precisa ter essa ferramenta para que ele decida como vai fazer essa utilização", afirma Cristieni.
Nesse sentido, o debate sobre eventuais limites ao uso das redes sociais, inclusive nas escolas, tem ganhado atenção. Em março deste ano, o governo de São Paulo bloqueou o acesso de alunos da rede estadual a redes sociais e serviços de streaming. Estados como o Paraná têm seguido um caminho parecido.
Na opinião de Cristieni, o uso excessivo das redes, de fato, pode trazer impactos negativos à saúde mental dos alunos, mas é preciso achar uma alternativa em que os seus benefícios não sejam desperdiçados. "As redes sociais são um ambiente de oportunidade e de risco. Se você sabe trabalhar esse ambiente, há muitos caminhos positivos", afirma.
E o quanto antes esses caminhos forem explorados, maior será o proveito dos alunos no restante de sua trajetória escolar. "Educação não é corrida de 100 metros rasos, é uma maratona, os processos são cumulativos. Quanto mais sólida for essa base no ensino fundamental, melhor será o desempenho no ensino médio e a capacidade de tomar decisões", diz Daniel Santos, pesquisador do Lepes (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social) da Universidade de São Paulo (USP).
PERFIL
Com idade entre 11 e 15 anos, o aluno dos anos finais do ensino fundamental vive a delicada fase da entrada na adolescência, com impactos recorrentes na saúde mental e na autoestima. Com a pandemia, o crescimento na notificação de problemas de saúde mental, como os que resultam na automutilação de jovens, tornou-se um dos principais temas de discussão entre as famílias e os gestores escolares no País.
"Essa é uma etapa em que o jovem começa a formar sua identidade e isso também repercute na educação. Em cada transição, mudam-se os contextos, os ciclos de amigos, tudo isso deve ser observado", resume Daniel.
Por isso, tendo em vista os desafios próprios à pré-adolescência, os especialistas avaliam que o cuidado com a promoção de uma escola mais atrativa deve ser redobrado, passando, principalmente, pelo acolhimento desses alunos, que estão em fase de transformações e novas descobertas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Deixe seu comentário sobre: "Com olhar digital, alunos de 11 a 15 anos necessitam de escolas mais conectadas"