A seca histórica que atinge os rios da Amazônia revelou peças de cerâmica antigas, antes submersas. O achado foi feito por dois pescadores de Urucará-AM, a 260 quilômetros de Manaus em linha reta. Entre os artefatos, destacam-se um jarro de barro bem preservado, acompanhado de outras sete peças menores de cerâmica quebradas.
Edson Batista, 37 anos, e Gabriel Cordovil, 16, tio e sobrinho, saíram para pescar no dia 12 de outubro com a expectativa de trazer tucunarés e outros peixes típicos da região. No entanto, em vez de uma boa pescaria, encontraram parcialmente submersas as peças de cerâmica.
"Fomos pescar no Pedral do São José, no rio Paraná de Urucará, bem na orla do nosso bairro. Meu sobrinho avistou algo estranho à mostra, com a água contornando ao redor. Quando ele se aproximou, percebeu o que era e me chamou. Ficamos surpresos e felizes com a descoberta", contou Batista ao Estadão.
O "pedral" citado pelo amazonense é um sítio arqueológico em Urucará, composto por formações rochosas que apresentam petróglifos de rostos humanos. As gravuras nas rochas são chamadas de "caretas" pelos moradores. As secas de 2010, 2023 e 2024, em Manaus, também revelaram gravuras similares no sítio Ponta das Lajes, com cronologia estimada entre mil e dois mil anos.
Como o Estadão mostrou, a atual seca já revelou, entre outras coisas, as ruínas do Forte de São Francisco, uma construção portuguesa do século 18, localizada na margem esquerda do Rio Solimões, em Tabatinga (AM). A cidade, situada na tríplice fronteira com Colômbia e Peru, fica a 1,1 mil quilômetros de Manaus. Também ficaram expostos dois canhões de bronze e uma bala de formato esférico, pertencentes ao antigo Forte de São Francisco.
Artefatos
Preocupados com a preservação das cerâmicas encontradas no último dia 12, os pescadores decidiram recolher os objetos, pois a área é bastante movimentada e havia risco de o jarro ser danificado. "Muitas pessoas passam por aqui, então poderia acabar quebrando. Retiramos as peças da água e as levamos para casa, sem limpar ou abrir", explicou o pescador.
O jarro, descrito por Batista como "semelhante a um frasco grande de amaciante de roupas", tem formato oval e uma abertura cilíndrica, sugerindo que era usado para armazenar ou servir líquidos. As outras sete peças de cor semelhante parecem ser parte de outro recipiente semelhante ao jarro.
A prefeitura de Urucará, município com pouco mais de 18 mil habitantes (de acordo com o Censo 2022), informou ter acionado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o recolhimento e avaliação dos artefatos. A reportagem do Estadão solicitou um posicionamento oficial do Iphan e aguarda retorno.
No último dia 23 de setembro, em meio à seca histórica na região, o Iphan lançou o Plano de Ações Integradas do Patrimônio Arqueológico do Amazonas. O documento inclui conservação e vigilância, produção e divulgação do conhecimento e socialização sobre a preservação dos sítios.
"A expectativa é de que eles cheguem na primeira semana de novembro. A nível municipal, estamos orientando a população para a preservação do local, porque não é a primeira vez que encontramos cerâmicas naquele local, então é preciso ter cuidado", afirma o secretário de Cultura de Urucará, Agildo Castro.
Segundo ele, a prefeitura irá propor à Câmara Municipal a criação de um museu da cidade para abrigar todas as peças. "Já encontramos outras cerâmicas, mas neste ano foi a primeira vez em que uma foi encontrada praticamente intacta", destacou.
Estiagem está perto do fim
A seca histórica de 2024 no Amazonas afeta mais de 800 mil pessoas, segundo o governo estadual. Os rios Madeira, Negro e Solimões atingiram suas menores cotas já registradas, dificultando o transporte fluvial, essencial para o abastecimento de água e alimentos em áreas isoladas.
Apesar da gravidade do cenário, a estiagem já está perto do fim. O período costuma durar até o fim de outubro e início de novembro. Segundo o Painel do Clima Amazonas, do governo estadual, o rio Negro em Manaus encheu quatro centímetros por dia na última semana.
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