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Relações sociais são mais complexas em tribos do que em SP, diz antropólogo

REINALDO JOSÉ LOPES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aos 80 anos, Jared Diamond diz não ter perdido o apetite por hipóteses que ajudam a explicar os grandes padrões da história humana. Para ele, no entanto, um tipo de raciocínio deveria ser descartado de uma

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Escrito por Da Redação
Publicado em 06.01.2018, 05:00:00 Editado em 06.01.2018, 05:00:05
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REINALDO JOSÉ LOPES

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aos 80 anos, Jared Diamond diz não ter perdido o apetite por hipóteses que ajudam a explicar os grandes padrões da história humana. Para ele, no entanto, um tipo de raciocínio deveria ser descartado de uma vez por todas: a ideia de que certos povos seriam geneticamente mais capazes de viver em sociedades avançadas do que outros.

"Na verdade, é o contrário: grupos tribais tradicionais são socialmente mais complexos do que nós em São Paulo ou Los Angeles", argumenta.

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"Para sobreviver em regiões tribais da Nova Guiné, você precisa conhecer os nomes, os relacionamentos sociais, os primos, as filiações de clã e os avós de todas as centenas de indivíduos com quem você terá contato ao longo da vida. Eles tiveram de desenvolver uma capacidade muito melhor de funcionar em sociedade e de entender pessoas."

Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele fala de suas novas linhas de pesquisa e do próximo livro, que deve sair em 2019.

PERGUNTA - Suas ideias inspiraram uma série de pesquisas arqueológicas e históricas inovadoras. Existe algum tema de sua pesquisa que, na sua opinião, ainda precise ser mais explorado do ponto de vista empírico?

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JARED DIAMOND - Acho que um grande exemplo é o seguinte: por que os mamíferos domesticados de grande porte que se mostraram os mais valiosos do mundo vieram todos do Crescente Fértil, no sudoeste da Ásia, ou de regiões vizinhas?

Esse grupo de animais, que eu chamo de "Big Five", é composto por vacas, ovelhas, cabras, porcos e cavalos. Se um relâmpago atinge uma árvore uma vez só, pode ser só coincidência, mas quando incinera a mesma árvore cinco vezes, começamos a suspeitar que talvez haja uma explicação para aquele padrão. Esse ponto ainda é um enigma.

P. - Várias descobertas recentes mostraram que a agricultura das Américas talvez seja tão antiga quanto a do Velho Mundo. Se a Europa e a Ásia não tiveram essa vantagem de mais tempo para desenvolver suas civilizações em relação ao continente americano, será que o fator crucial que as favoreceu foi o pacote exato de espécies de plantas e animais domesticados do lado de lá do Atlântico?

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JD - Sim! Essa é uma questão muito importante na qual alguns colegas e eu estamos trabalhando agora. A resposta curta é a seguinte: considerando o pacote local de plantas e animais domesticáveis que estava disponível para os nativos das Américas, eles sofreram uma desvantagem esmagadora por conta da falta quase completa de mamíferos domesticados de grande porte -com exceção das lhamas, relativamente pequenas, que não podiam ser ordenhadas, usadas para puxar arados ou montadas em combate.

Além disso, as plantas domesticadas das Américas eram mais difíceis de semear: as sementes tinham de ser enterradas uma a uma, em vez de serem colocadas numa sacola e lançadas em grande número pelo agricultor conforme ele caminhava. Essa provavelmente era uma grande vantagem da agricultura do Crescente Fértil em relação à agricultura indígena.

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P. - Têm surgido indícios de que a seleção natural favoreceu certas mutações no DNA humano ao longo dos últimos milênios. Alguns pesquisadores propõem que populações da Europa e da Ásia, seguindo essa lógica, teriam se adaptado melhor à vida em sociedades complexas. Como o sr. vê esse tipo de hipótese?

JD - É concebível, embora eu não conheça nenhuma evidência convincente. O problema é que a ideia de que as sociedades complexas dos últimos 10 mil anos estimularam a seleção natural de características que facilitam a sobrevivência nesse tipo de estrutura social talvez seja o contrário do que acontece no mundo real.

Nos meus trabalhos de campo na Nova Guiné nos últimos 53 anos, o que percebi é que sociedades tribais tradicionais não são mais "socialmente simples" do que a vida em São Paulo ou Los Angeles: pelo contrário, elas são até mais complexas!

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Para sobreviver em regiões tribais da Nova Guiné, você precisa conhecer os nomes, os relacionamentos sociais, os primos, as filiações de clã e os avós de todas as centenas de pessoas com quem você terá contato ao longo da vida. Você tem todas essas informações sobre quantas pessoas em São Paulo? No meu caso, em Los Angeles, seriam menos de 20 pessoas. É por isso que os moradores de vilarejos da Nova Guiné mostraram ser negociadores tão habilidosos quando enfrentam advogados e executivos de empresas petroleiras internacionais: eles tiveram de desenvolver uma capacidade muito melhor de funcionar em sociedade e de entender pessoas. Numa grande cidade moderna, você pode viver tranquilamente, e até ter sucesso econômico, sem precisar de nada disso.

P. - Seu livro "Armas, Germes e Aço" traz respostas relativamente bem embasadas para entender por que povos vindos da Europa e da Ásia, e não das Américas, acabaram se tornando as principais potências do planeta, mas é mais difícil explicar porque certos países se tornaram mais poderosos que outros, não?

JD - Sim. A grande questão é por que, dentro da Eurásia, a supremacia mundial acabou ficando com a Europa, e não com o Crescente Fértil, a Índia ou a China. Os debates ainda estão em andamento.

Possíveis componentes da resposta seriam: a localização próxima do Atlântico da Inglaterra, da Holanda, da França, da Espanha e de Portugal, que facilitou a expansão para o Novo Mundo; os solos ricos da Europa Ocidental (basta comparar a profundidade do solo entre um campo de trigo da Inglaterra e qualquer plantação do Brasil!); a Revolução Industrial e a Revolução Científica -o que, claro, levanta a questão sobre o porquê de essas revoluções terem começado na Inglaterra, e não no Brasil ou na China.

P. - O sr. planeja algum livro novo?

JD - Como não estou morto nem inválido, é claro que estou trabalhando num livro novo neste momento! É sobre crises políticas nacionais, na perspectiva das crises pessoais individuais pelas quais todos passamos. O livro compara como as nações que conheço melhor lidaram com esse tipo de problema em épocas recentes.

Não, não comecei a escrever depois da eleição de 2016 nos EUA -já tinha começado na primavera de 2013. O livro deve sair nos EUA e em outros países em setembro de 2019.

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