CLARICE SPITZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A perda de territórios do Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque não pôs fim às mazelas deixadas pela facção terrorista em outros países.
Na França, famílias cujos filhos abandonaram tudo para se juntar à milícia têm feito apelos ao presidente Emmanuel Macron para que eles sejam repatriados, julgados e encarcerados ali.
Muitos dos que engrossam o coro são avós que querem ter o direito de criar os netos, boa parte nascida no Oriente Médio. Temem que, julgadas na Síria e no Iraque, crianças e suas mães sejam mortas.
Cerca de 1.700 franceses deixaram o país para se juntar ao grupo terrorista na Síria e no Iraque desde 2012, segundo o Ministério do Interior francês. Aproximadamente 1.200 ainda estariam na região do conflito, dos quais 300 mulheres e 500 menores.
Segundo as autoridades, o movimento de volta ao país natal já começou. Tornaram à casa 303 pessoas, dentre as quais 178 homens, 66 mulheres e 59 crianças a maior parte, de menos de 12 anos.
Macron afirmou que estudará a repatriação de mulheres e crianças caso a caso.
A professora de escola técnica Lydie Maninchedda é uma das poucas mães a pedir publicamente a volta da filha, Sophie (nome fictício), 25, que partiu há três anos para Raqqa, na Síria.
Ela diz não saber se Sophie está viva. O último contato entre as duas ocorreu em agosto, quando a jovem, então grávida de cinco meses, anunciou que deixava a capital do autoproclamado califado com os outros dois filhos.
"Ela já não falava de morrer se fosse a vontade de Alá, mas da tristeza da guerra e das amigas perseguidas e mortas em bombardeios. Acho que estava arrependida", afirma Maninchedda.
Antes de se juntar ao grupo terrorista, a jovem de classe média levava uma vida confortável ao lado dos pais, numa cidade a 20 km de Lille, no norte do país. Foram anos de estudo de violino, aulas de tênis e viagens. Sophie gostava de Shakira e de boy bands.
De mãe católica e pai protestante, ela se converteu ao islã sem oposição dos pais há cerca de cinco anos. Aos poucos, começou a mudar hábitos simples: aposentou as saias, parou de se maquiar e passou a se cobrir mais. Sem que os pais soubessem, tornara-se uma recrutadora do Estado Islâmico.
Em 2013, a jovem se mudou para Leipzig, na Alemanha. Meses depois, anunciou aos pais que havia se casado e que estava grávida. Quando os pais foram visitá-la, Sophie estava coberta da cabeça aos pés, tinha abandonado os estudos de alemão e não ouvia mais música. O marido a proibia de sair de casa.
"Foi um choque. Tínhamos a impressão de não reconhecer mais a nossa filha. Não havia mais espírito crítico nela", conta Maninchedda.
Ela esperava que a maternidade estimulasse a filha a rever suas escolhas. No entanto, ao não perceber mudança, decidiu informar a polícia francesa sobre a radicalização de Sophie. Descobriu que o marido dela estava na mira da inteligência alemã.
Apesar dos alertas, três meses depois, em novembro de 2014, o casal fugiu para Raqqa, levando o filho de apenas seis meses.
Os contatos entre mãe e filha foram restabelecidos, de forma esporádica, por aplicativo. Maninchedda soube da segunda gravidez da filha e recebeu relatos sucintos sobre a vida em Raqqa.
Há cerca de um ano e meio, veio a mensagem de que Sophie morrera em um bombardeio. Era um trote, desmentido 15 dias depois.
"Entre os jovens que estão naquela região, deve existir gente perigosa. Mas a minha filha passou os últimos quatro anos cuidando de bebês. Não quero que ela nem meus netos morram lá", afirma.
CONVERSÃO ABRUPTA
A dona de casa Magali Leuridant, moradora de Tourcoing, perto da fronteira com a Bélgica, diz não ter esperança de reencontrar a filha Emelyne, 23, que partiu com o namorado para a Síria há quase quatro anos.
A conversão e a radicalização da jovem, aos 19 anos, foram abruptas. Ela informou a família que só ficaria em casa se pudesse usar véu. Também vetou o álcool no ambiente doméstico.
Em janeiro de 2014, avisou a mãe que passaria férias na Turquia com o namorado. Preocupada, Leuridant procurou a família do jovem e achou uma foto dos dois em Raqqa ao lado de um fuzil.
A obsessão de Emelyne levou a mãe a informar a polícia sobre seu comportamento. Resultado: ela foi fichada como "S" (segurança de Estado), ou seja, indivíduo a ser monitorado. Hoje, há 25 mil pessoas "S" nos registros da inteligência francesa.
No início deste ano, Emelyne disse à família que estava cansada dos bombardeios e que gostaria de voltar à França. Contou, porém, que precisava esperar a volta do marido, então em combate.
Em abril, quando fez o último contato, afirmou que o marido morrera e que ela tinha se casado com outro combatente.
"Tenho a impressão de que a França não quer mais esses jovens. Acha que devem morrer lá. Minha filha não partiu de bom grado, sofreu uma lavagem cerebral", afirma.
Dominique Bons é outra mãe que viu sua vida mudar desde a ida do filho, Nicolas, para a Síria, em 2013. Ela o descreve como um idealista que teria partido para ajudar os sírios a derrubar o ditador Bashar al-Assad.
Desde que se converteu, pregava para a mãe, ateia convicta, um islã radical. Em março de 2013, Nicolas e o meio irmão Jean-Daniel partiram para a cidade de Raqqa sem avisar os pais.
Em dezembro daquele ano, as ligações pararam. Dominique recebeu uma mensagem de texto que avisava da morte do filho. Jean-Daniel morrera antes, em agosto.
"Não consegui salvá-lo. Por isso, sinto-me no dever de ajudar outros", afirma ela.
Ela criou uma associação em Toulouse, no sudoeste da França, para reunir pais cujos filhos se juntaram ao Estado Islâmico e diz não saber se acredita na repatriação de mulheres e de crianças.
"Há riscos. Trazê-los e não dar apoio psicológico na prisão significa ter problemas mais tarde, porque são jovens que se transformaram em robôs."
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