NATÁLIA CANCIAN
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, informou nesta quarta-feira (13) que as propostas do governo para mudar a política de atendimento em saúde mental são "inconstitucionais" e que pode ir à Justiça contra as medidas.
Conforme a Folha de S.Paulo publicou, entre as propostas em análise, estão a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e o aumento no valor de diárias de internação nestes locais, que passaria de até R$ 49 a R$ 70.
Representantes do Ministério da Saúde, Estados e municípios também estudam a criação de um novo modelo de Caps (centros de atenção psicossocial) 24h para atender usuários de álcool e drogas nas regiões das cracolândias e o financiamento de comunidades terapêuticas, entre outras ações.
A previsão é que as propostas sejam votadas nesta quinta-feira (14).
Em nota, a Procuradoria afirma que as medidas "afrontam os direitos das pessoas com transtornos mentais" e vão na contramão do que estabelece a lei da reforma psiquiátrica, de 2001, a qual defende o fechamento dos leitos em hospitais psiquiátricos. Também ferem a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão, aponta.
"A proposta é ainda mais grave ao propor o aumento de custeio indistintamente para hospitais que descumprem frontalmente a Lei nº 10.216/2001, ao manter pacientes moradores e institucionalizados, sem a necessária reinserção psicossocial dos pacientes", avalia.
No documento, o órgão também diz ver com preocupação a possibilidade de financiamento de comunidades terapêuticas, "cujo modelo de atuação está baseado em restrições à vontade e aos direitos dos usuários, assim como na exclusão do convívio com a família e a comunidade."
"Nesse sentido, o Ministério Público Federal atuará por meio de todas as medidas judiciais cabíveis para assegurar a desinstitucionalização dos pacientes de hospitais psiquiátricos e para que não se perpetue a exclusão e a violação dos direitos dessa população", informa.
LADOS OPOSTOS
Alvo de polêmica, a possibilidade de mudanças na política de saúde mental também voltou a colocar entidades do setor em lados opostos.
Críticas ao modelo atual, a qual prevê o fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos, entidades como a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e CFM (Conselho Federal de Medicina) declararam apoio às mudanças.
Em nota, a ABP diz que os resultados do atual modelo aplicado são "pífios" e "podem ser observados no aumento de pacientes com transtornos mentais desassistidos morando nas ruas, presos ou superlotando as emergências médicas à espera de vagas para internação."
Já o CFM afirmou que as alterações são "indispensáveis para a melhora do tratamento dos pacientes" e podem contribuir para "o fim da desassistência em saúde mental, melhorando a atenção a grupos de risco como moradores de rua e população carcerária e reduzindo a demanda nas emergências médicas."
Posição oposta tem sido apresentada por grupos favoráveis ao modelo atual da reforma psiquiátrica.
Para o CFP (Conselho Federal de Psicologia), as propostas do Ministério da Saúde "desfiguram a política de saúde mental e afrontam as diretrizes da política de desinstitucionalização psiquiátrica", substituindo o modelo atual por outro "medicalizante, caro e ineficaz".
"Ao contrário do que toda a literatura aponta como prioridade no cuidado a condições crônicas, o Ministério da Saúde opta por ampliar o financiamento de serviços que lucram com a agudização de situações crônicas ao invés de evitá-la", diz.
Posição semelhante foi apresentada por entidades como a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial.
"Afirmamos veementemente que não aceitaremos de forma alguma as mudanças que representem retrocessos no campo da saúde mental, como o fortalecimento, por meio de ampliação de recursos, das internações em hospitais psiquiátricos", informou o movimento, por meio de nota.
Questionado, o Ministério da Saúde afirma que a nova política valoriza o planejamento adequado da rede de atenção aos pacientes, com definição de equipe mínima de atendimento, "além da revisão de internação, com prioridade para casos agudos e mais críticos".
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