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Exposição de brasileira retraça escombros de navios negreiros em Nova York

SILAS MARTÍ NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Numa vitrine da Quinta Avenida, plantas e flores crescem num canteiro iluminado por fortes luzes artificiais. Os tons de verde misturados ali, quebrados por um rosa ou lilás, dão um ar de refúgio tropical a essa g

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 02.12.2017, 04:45:00 Editado em 02.12.2017, 04:45:10
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SILAS MARTÍ

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NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - Numa vitrine da Quinta Avenida, plantas e flores crescem num canteiro iluminado por fortes luzes artificiais. Os tons de verde misturados ali, quebrados por um rosa ou lilás, dão um ar de refúgio tropical a essa galeria no meio da metrópole, onde os termômetros começam, nessa época, a marcar temperaturas abaixo de zero.

Mas esse é um calor violento. As plantas agora nessa exposição da New School, a famosa faculdade de arte e design no sul da ilha de Manhattan, não são espécimes exóticos à venda numa floricultura estilo butique dessas que se alastram por todo o bairro do Village. Elas são as ervas daninhas de séculos de colonização e tráfico de escravos.

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Maria Thereza Alves, uma artista brasileira radicada em Berlim que está entre os nomes mais relevantes no cenário global, passou os últimos anos cavando zonas portuárias em todo o planeta atrás da flora que brotou das sementes do lastro dos navios.

Todas as embarcações, para se estabilizarem em alto mar, saindo às vezes carregadas de escravos para voltarem vazias ao porto de origem, levavam como parte de sua carga camadas de pedras, areia, terra e restos de madeira, tudo que era descartado no lugar de onde zarpavam.

Esse lastro não raro vinha coalhado de sementes que só brotariam depois, dando origem a estranhos jardins tropicais em terras gélidas ou o contrário, criando um esquema de colonização involuntário que se manifesta não por guerras ou pela imposição de bandeiras, mas por flores e arbustos insuspeitáveis.

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Alves, mesmo antes de se tornar uma especialista na chamada flora de lastro, já usava uma dessas folhas em saladas que gosta de fazer.

Mas o gosto mudou depois que toda a história dessas plantas que ainda sobrevivem em canteiros largados pela cidade entrou em foco.

"Essa terra é violenta. Nunca usei metáforas no meu trabalho, mas pensei nas sementes como testemunhas de um complexo mercado de compras e vendas", diz Alves, mostrando uma das aquarelas da exposição em que detalhou camadas de lastro no porão de um navio negreiro.

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"É areia do Caribe, coral, areia vulcânica. Os escravos eram levados primeiro para essas ilhas e depois eram trazidos a Nova York. A terra aqui não é daqui. Você nunca sabe onde está pisando."

BRISTOL EM MANHATTAN

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Muitos nova-iorquinos, de fato, não devem suspeitar que longos trechos do endinheirado Upper East Side estão assentados num aterro formado pelo lastro de navios que despejavam sua carga na cidade ao longo de séculos.

Outro ponto, mais ao sul do lado leste de Manhattan, foi construído sobre os escombros da cidade de Bristol, no Reino Unido, arrasada por bombardeios durante a Segunda Guerra -os navios americanos que levaram armas às tropas voltaram carregados do fruto dessa destruição para criar uma praça e parte de uma via expressa.

Uma aquarela também na mostra, aliás, esquadrinha a fundo essa anatomia da terra nova-iorquina. Rotas indicadas ali mostram navios vindos de pontos distantes, como o Rio, Moçambique, Argélia, Barcelona e Liverpool.

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"O que me interessa é sempre a história de um lugar. Estou falando de um processo de colonização da terra", diz Alves. "Não tem nada pós-colonial aqui. Essa é uma leitura contemporânea das Américas, que são dois continentes criados pela colonização."

Mesmo que essa flora carregada de agentes infiltrados talvez domine toda a paisagem do Ocidente forjado pelas batalhas de velhos impérios, o trabalho de Alves parece reverberar com muito mais força nos Estados Unidos sob Donald Trump.

Sua Nova York de terras estrangeiras, no caso, sublinha a luta de imigrantes que lutam para não serem desenraizados pelas políticas de um presidente afeito à xenofobia.

"Estou passando da flora para as pessoas", diz Alves, que vai plantar algumas dessas espécies forasteiras em pontos do Brooklyn e ao longo do High Line, o famoso parque suspenso construído sobre um ramal ferroviário desativado em Manhattan.

"Quando você vê essas plantas pelas ruas, já sabe que não está em Nova York."

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