LUIZA FRANCO
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Em meio a uma série de dúvidas sobre o que aconteceu na madrugada do último sábado (11) nas favelas do Complexo do Salgueiro, na região metropolitana do Rio, onde sete homens morreram durante operação das forças de segurança, o Exército diz que não vai abrir investigação interna para apurar a eventual participação de seus soldados nessas mortes.
A operação, no conjunto de favelas em São Gonçalo, foi capitaneada pela Core (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil) e teve o apoio de dois blindados e 17 homens do Exército. Tanto os policiais quanto os soldados negam terem atirado.
A investigação policial poderá determinar qual foi a participação dos agentes da Core, mas não tem atribuição para indiciar soldados do Exército. Caberia ao Ministério Público Militar abrir investigação, mas ainda não está claro se isso vai ocorrer.
O porta-voz do Exército, coronel Roberto Itamar, afirma que um relatório produzido após a operação concluiu que nenhum soldado efetuou disparos, e que isso basta para que não seja aberto um processo de apuração interno. Em outubro, o presidente Michel Temer sancionou o projeto de lei enviado pelo Congresso que transfere para a Justiça Militar o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares quando em atividade operacional.
A dinâmica dos fatos ainda não está clara para a Divisão de Homicídios de Niterói, que investiga o caso. O delegado titular, Marcus Amim, chegou a afirmar que as mortes haviam ocorrido em decorrência da operação, mas após ouvir os depoimentos dos policiais e de saber que o Exército havia negado participação, disse não ter elementos para confirmar isso. O caso está registrado, até o momento, como homicídio.
"O fato de que acontecia operação quando ocorreram as mortes nos faz acreditar que elas tenham sido resultado de confronto, mas precisamos de mais elementos para ter certeza", disse ele. O delegado já ouviu parte dos cerca de 20 policiais da Core que participaram da ação. Projéteis foram encontrados e apreendidos. As armas dos policiais da Core, também. As armas do Exército, no entanto, não serão submetidas a perícia.
Segundo a Polícia Civil, a operação era um "reconhecimento de terreno" com o objetivo final de prender dois traficantes do Comando Vermelho que estavam na favela. O Exército estava lá para dar apoio logístico e de segurança. Foram usados dois blindados, com homens do Exército e da Core.
Segundo relatos da Core e do Exército, quando os veículos entraram na estrada das Palmeiras, uma das vias da favela, ouviram tiros e, em seguida, encontraram os sete corpos na beira da estrada e na mata.
Já moradores disseram que blindados entraram na comunidade às 4h, que houve tiroteio e correria. Ao jornal "O Globo", alguns disseram que havia agentes encapuzados e que teriam feito ameaças. Dos sete mortos, quatro tinham passagem pela polícia por crimes como tráfico de drogas e lesão corporal, segundo a Polícia Civil.
A polícia nega que a ação tenha sido uma resposta à morte do soldado Joubert Lima, 26, baleado no pescoço em confronto com criminosos na manhã de sexta-feira (10) em São Goncalo. Segundo a corporação, a operação já estava planejada antes da morte dele. Na ação, os agentes apreenderam um fuzil, sete pistolas, cinco carregadores, munições, rádios transmissores, drogas e celulares.
A mulher de um dos mortos, que não quis se identificar, questionou à reportagem, no IML, a ação policial. "Não vou negar que meu marido era traficante, mas isso não justifica isso que fizeram. Entraram atirando e atingiram pessoas que não tinham nada a ver. Agora a favela está toda com medo da polícia."
São Gonçalo é a segunda maior cidade fluminense e uma das regiões mais conflagradas devido à violência. O Rio enfrenta grave crise financeira, com cortes de serviços e atrasos de salários de servidores, e está perto de um colapso na segurança pública.
Um outro efeito dessa crise tem sido a alta dos índices de criminalidade e a redução do número de policiais em favelas ocupadas por facções criminosas. As UPPs, base policiais em comunidades controladas pelo tráfico perderam parte de seu efetivo. Ao mesmo tempo, os mortos em operações policiais dispararam -no começo do ano, a alta beirava 80%.
Outro braço dessa crise é a morte de policiais. Só neste ano já foram 119 PMs assassinados no Estado. A situação de insegurança levou Michel Temer (PMDB) a autorizar a utilização das Forças Armadas para fazer a segurança pública do Rio até 2018.
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