NATÁLIA CANCIAN E LETÍCIA CASADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Era o ano de 2011. Com 18 anos à época, o estudante Marcondes Júnior Reis estava ansioso para doar sangue. Filho de uma técnica de enfermagem, ele havia crescido ouvindo sobre a importância da iniciativa. Logo reuniu o namorado e um casal de amigos e foi ao Hemocentro de Brasília, cidade onde mora.
A negativa, porém, foi ouvida logo no início da etapa de triagem para doação.
"A enfermeira me perguntou se eu tinha tido relação sexual com outro homem nos últimos 12 meses e disse que eu não poderia doar sangue. Perguntei porquê. Ela disse que simplesmente acatava ordens e que não poderia fazer nada por mim", relata. "Foi muito constrangedor."
Cinco anos depois, a história de Júnior Reis, hoje com 23 anos, acabou por inspirar a ação no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a restrição a esse procedimento por homens gays.
Tudo começou quando contou a uma colega que achava que a norma era discriminatória e inconstitucional. Ela então comentou o caso com um advogado do PSB (Partido Socialista Brasileiro), que sugeriu levar o tema à Corte, com o argumento de que a restrição é discriminatória.
Atualmente, a restrição à doação de sangue por homens gays consta de duas portarias do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
As normas impedem que o procedimento por "homens que tiveram relações sexuais com outros homens e parceiras sexuais destes" por até 12 meses após a relação sexual. A justificativa é a maior incidência de HIV entre esses grupos, o que aumentaria o risco de infecção ao receptor do sangue doado.
Segundo Júnior, a norma não foi informada no momento em que recebeu a negativa.
"Ela nem explicou sobre a existência da portaria. Disse apenas que seguia normas, que era assim e eu não poderia doar", conta.
O namorado ouviu a mesma reposta. "Estávamos juntos há um ano. Chegamos a explicar que usávamos camisinha, mas ainda assim fomos impedidos." Já o casal de amigos, heterossexual, conseguiu fazer a doação.
Agora, o STF deve decidir sobre a constitucionalidade da norma. Se a Corte for favorável ao pleito, o estudante planeja uma nova ida em breve ao Hemocentro -dessa vez, acompanhado de um mutirão de outros jovens gays.
POLÊMICA NO STF
A primeira etapa do julgamento deu mostras do tamanho da discussão.
De um lado, está o pleito de Júnior e outras entidades que defendem o direito dos homossexuais, para as quais a medida é discriminatória.
De outro, Ministério da Saúde e Anvisa, para quem a medida segue recomendações internacionais e o "princípio de precaução".
Cinco dos 11 ministros do STF já votaram, sendo quatro para promover mudanças nas regras atuais. O julgamento deve ser retomado nesta quinta-feira (26).
Relator do caso, Edson Fachin defendeu que a lei atual seja alterada e destacou que a proibição estimula a homofobia. "Entendo que a orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim", disse.
Foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.
Já Alexandre de Moraes abriu uma divergência e defendeu que o sangue doado por gays e por outras pessoas consideradas de "grupos de risco" deve ser reexaminado depois de um tempo antes de ser utilizado em transfusões.
Assim, para Moraes, a norma poderia ser revista de tal forma que não haveria restrição à doação, porém o uso do sangue doado estaria condicionado a exames após o período da chamada janela imunológica --tempo entre a infecção e sua detecção em exames. Tal prazo, afirmou, deve ser definido pelas autoridades sanitárias.
O ministro Ricardo Lewandowski não concluiu seu voto, mas indicou seguir a divergência aberta por Moraes.
Em nota, Ministério da Saúde e Anvisa negam discriminação e informam que os critérios para seleção de doadores de sangue "estão baseados na proteção dos receptores, visando evitar o risco aumentado para a transmissão de doenças" por transfusão.
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