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Como se desenvolve o assentamento-modelo do MST em uma das cidades mais 'bolsonaristas' do Paraná

“Não tem conversa com o MST. Toda ação do MST deve ser tipificada como terrorismo”. As frases acima foram ditas por Jair Messias Bolsonaro (PSL), presidente do Brasil, durante a campanha de 2017. Ao longo de sua trajetória política, Bolsonaro não poupou c

Da Redação

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Como se desenvolve o assentamento-modelo do MST em uma das cidades mais 'bolsonaristas' do Paraná
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Escrito por Da Redação
Publicado em 09.04.2019, 08:47:00 Editado em 09.04.2019, 10:08:19
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“Não tem conversa com o MST. Toda ação do MST deve ser tipificada como terrorismo”. As frases acima foram ditas por Jair Messias Bolsonaro (PSL), presidente do Brasil, durante a campanha de 2017. Ao longo de sua trajetória política, Bolsonaro não poupou críticas à atuação do Movimento dos Sem Terra (MST). Em Arapongas, norte do Paraná, Bolsonaro recebeu expressivos 51,9 mil votos no segundo turno, ou 83,4% do total válido, o terceiro maior índice do Paraná. Curiosamente, o município abriga um assentamento criado por integrantes do MST que é modelo de gestão para todo o movimento.

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O assentamento Dorcelina Folador leva o nome da ex-prefeita de Mundo Novo (MS), de origem sem-terra, que foi assassinada com seis tiros pelas costas em 1999, enquanto exercia o mandato. Instalada na região Sul de Arapongas há 20 anos, a comunidade de trabalhadores rurais sem-terra tem 775 hectares de área total, abrigando em torno de 90 famílias, totalizando cerca de 500 pessoas.

O que faz o assentamento ser modelo é o sistema de gerenciamento: as famílias são divididas em nove núcleos, cada um com dois coordenadores. Dentro de cada núcleo são feitas reuniões quinzenais, em que todos os assentados são convidados a participar. A realidade de cada núcleo é levada para uma reunião com todos os coordenadores, onde é feito o planejamento das próximas ações a serem implantadas no assentamento. Este sistema onde todos têm voz ativa foi adaptado de experiências em outros assentamentos.

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Como se desenvolve o assentamento-modelo do MST em uma das cidades mais 'bolsonaristas' do Paraná
Foto por Reprodução

Produção de hortifrúti chega a 40 toneladas mensais | Foto: Sérgio Rodrigo

O sistema deu tão certo que o assentamento se desenvolveu e hoje cultiva dezenas de produtos, fornecendo itens inclusive para a alimentação das crianças das unidades educacionais da cidade e região. Há ainda duas cooperativas instaladas no local, uma de laticínios e outra para beneficiamento de hortifrúti, ambas com base no agronegócio familiar. “São raras as famílias aqui que recebem o Bolsa-Família, por exemplo. A renda de todos é boa e, por isso, não entramos na faixa de pagamento do benefício”, conta Dirlete Dellazeri, moradora do assentamento e uma das representantes das famílias.

Eleições acaloradas

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“Acredito que estas eleições foram muito acaloradas. Os ânimos de todos ficaram à flor da pele, a emoção substituiu a razão e nós, do MST, fomos um dos alvos de parte da população. Por mais que este clima possa causar algumas dificuldades para nós, não nos assusta. Estamos ‘calejados’ e, além do mais, estamos consolidados na cidade. Já são muitos anos em Arapongas, temos uma clientela que nos conhece e gosta dos nossos produtos”, diz Dirlete.

Segundo ela, por mais que tenham votado em Bolsonaro, muitos eleitores não compactuam com o pensamento do presidente eleito. “Acho que a maioria votou contra o PT, e não a favor de Bolsonaro. Esta visão negativa em relação ao MST como um todo é um efeito do período eleitoral e nós não disputamos a eleição. Nossa missão é mudar a sociedade através da agricultura. Muita gente sabe que somos povo trabalhador, como a grande maioria dos brasileiros. Não somos diferentes de ninguém”, afirmou.

Reduto 'bolsonarista'

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O presidente eleito venceu em todas as seções eleitorais de Arapongas. Curiosamente, o adversário de Bolsonaro no segundo turno, Fernando Haddad (PT), obteve o maior número de votos nas cinco seções existentes na Escola Municipal de Aricanduva. Lá, Haddad recebeu 341 votos, ou 32,4% do total, contra 713 de Bolsonaro, ou 67,6%.

A vitória mais apertada de Bolsonaro aconteceu na seção 333. O capitão da reserva recebeu 129 votos, contra 88 de Haddad (59,5% contra 40,5%). Foi a seção araponguense com maior número de votos pró PT. A escola é o local de votação mais próximo do assentamento Dorcelina Folador.

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Contradição?

Arapongas é um município relativamente novo: comemorou 71 anos em novembro de 2018. Ao todo, cerca de 115 mil pessoas vivem na cidade, de acordo com a última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O principal motor da economia local é o polo moveleiro, o segundo maior do país. As grandes fábricas de móveis em série abastecem todo o Brasil e também o exterior, gerando emprego para a maioria dos moradores.

O apoio do prefeito Sérgio Onofre (PSC) a Bolsonaro pode ter influenciado para que a votação do candidato tenha sido expressiva em Arapongas. No Paraná, a cidade ficou atrás apenas dos municípios de Nova Santa Rosa (86,74%) e Quatro Pontes (86,13%) no segundo turno.

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Foto por Reprodução

Sistema de organização é o diferencial do assentamento | Foto: Sérgio Rodrigo

Para Onofre, o grande número de votos na cidade em que há um dos principais assentamentos do estado não é uma contradição. “Boa parte da população não conhece o MST em sua totalidade, talvez até mesmo o próprio presidente eleito. Conhecem as barracas, as invasões, mas não o que dá certo, como o nosso assentamento. O exemplo do ‘Dorcelina’ deveria ser seguido por todo o Brasil”, diz.

Ele lembra que o terreno onde foi construído o assentamento era do Banco do Brasil e não foi invadido. “A indignação de Bolsonaro com as invasões a terras particulares é a mesma de boa parte dos brasileiros. Existem locais onde há depredação, tiroteio e até morte. Nestes casos, entendo a mudança da lei para tipificar estas ações como terrorismo. Mas não é e nunca foi o caso do povo do ‘Dorcelina’, que está preocupado em trabalhar. Inclusive, me disponho a levar produtos do nosso assentamento no próximo encontro que eu tiver com Bolsonaro, para ele conhecer um assentamento que dá certo”.

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Agroindústria

Em março de 2019, o assentamento marcou a celebração de duas décadas lançando uma agroindústria, voltada para o beneficiamento de frutas, verduras e legumes. Esta é a segunda agroindústria criada no local.

De acordo com Silvino Aurélio de Oliveira, coordenador do cultivo de hortifrúti que é realizado no assentamento, os investimentos para a criação desta nova agroindústria são da ordem de R$ 300 mil, partindo dos próprios assentados. “Com este dinheiro, fomos capazes de construir o prédio para abrigar a agroindústria e também fazer a instalação dos equipamentos para beneficiar os produtos que cultivamos”, destaca.

Já a aquisição dos equipamentos, que são responsáveis por automatizar serviços como descascamento, separação, seleção e embalo à vácuo, foi feita através de verbas do Governo Estadual. “Tivemos o apoio do Programa Mais Renda no Campo, da Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento (SEAB), que existe para incentivar a agricultura familiar. Estamos muito felizes, pois esta nova agroindústria irá beneficiar muitas famílias aqui do assentamento”, afirma Silvino. A produção mensal do assentamento fica em torno de 40 toneladas.

Laticínios

A agroindústria de beneficiamento de hortifrúti será a segunda a ser instalada no assentamento. A primeira, que atua no setor de laticínios, foi criada em 2013, pela Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran). Hoje, gera mais de 100 empregos diretos, através do beneficiamento de aproximadamente 40 mil litros de leite diariamente, produzidos no assentamento e em pequenas propriedades num raio de aproximadamente 150 quilômetros do ‘Dorcelina’.

Através da agroindústria de laticínios, o assentamento implantou uma marca própria, a Campo Vivo, para a comercialização dos produtos derivados de leite. Além do próprio leite pasteurizado, a cooperativa vende ainda queijos, bolachas, iogurte, entre outros produtos que levam a marca.

Os produtos cultivados e beneficiados no assentamento, além de vendidos no comércio, abastecem ainda o setor de merendas do município araponguense e também da área de atuação do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Apucarana, que conta com 16 cidades.

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