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Órfãos da dengue: famílias de Apucarana buscam se recompor após perdas

Município já soma 21 mortes provocadas pela doença; 2023/2024 é o ano epidemiológico mais letal do vírus

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 06.07.2024, 08:59:17 Editado em 06.07.2024, 09:51:51
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Apucarana (PR) completa neste sábado (6) um ano da primeira morte por dengue após três ciclos epidemiológicos sem registros de óbitos causados pela doença no município. Na madrugada do dia 6 de julho do ano passado, o funcionário público municipal Paulo Fernando da Silva, de 31 anos, não resistiu às complicações do vírus e morreu na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital da Providência. Embora tenha morrido no final do ano epidemiológico passado, que foi de 1º de agosto de 2022 a 31 de julho de 2023, ele entrou nas estatísticas do atual período epidemiológico (2023/2024), o mais letal do município em relação à doença até agora. Até o momento, 21 óbitos foram confirmados no município. Nas últimas semanas, os números da epidemia vêm regredindo, mas as famílias órfãs da dengue ainda carregam o luto e tentam se recompor das perdas.

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Das 21 vítimas, 12 são homens e 9 mulheres. A maioria dos óbitos foi de idosos: 14 pessoas acima de 60 anos (68, 72, 72, 73, 73, 73, 75, 76, 78, 81, 81, 83, 91 e 94 anos). No entanto, há jovens na lista. São quatro abaixo dos 40 anos (21, 22, 23, 24 e 31), além de duas pessoas de 43 e 50 anos. A maioria tinha algum tipo de comorbidade, mas entre as vítimas há moradores sem nenhum tipo de doença pré-estabelecida.

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Cleide Mazza, mãe do servidor Paulo Fernando da Silva, disse, em entrevista ao TNOnline, que se sentiu sem chão quando o filho faleceu. “É simplesmente o fim. Tinha muita gente nos cumprimentando no velório, mas eu me sentia em um grande deserto e vivo nesse deserto até hoje”, desabafou. “A dor permanece como uma agulha espetando o meu coração a cada minuto”.

O evolução da doença em Paulo Henrique assustou a família. . “Ele ficou no hospital por 10 dias, sendo oito na UTI”, relembrou a mãe dele. Para Cleide e sua família, o atendimento médico humanizado foi essencial durante o período tão difícil. “Fomos muito bem tratados na UPA e também no Hospital da Providência. Os médicos não cuidaram só do Paulo, mas fizeram todo o possível para amenizar o sofrimento de todos da família”, afirmou.

Cleide tenta viver um dia após o outro, com o apoio de Deus e sempre pensando e rezando pelo filho que se foi. Ela afirma que nunca mais será a mesma. “A partida do Paulo mudou totalmente a minha vida. É uma dor com muita saudade, jamais serei a mesma pessoa. Não existe ninguém que complete o vazio que ficou, nem mesmo meu outro filho ou os meus netos”, lamentou. Casada há 42 anos, ela e o marido tiveram dois filhos.

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Paulo era o caçula e foi quem ensinou para a mãe “o que significa amor sem fronteiras”. “Tive o Paulo por 31 anos 3 meses e 4 dias. Agora, me resta a lembrança dos momentos bons que tivemos juntos. Deus não avisa quando vem buscar alguém, por isso, gaste um tempo maior com quem você ama”, aconselhou Cleide. Para ela, a perda do filho é “um sofrimento invisível”, mas revelou a importância de agradecer e perdoar àqueles que estão ao seu redor.

Vítimas jovens

Paulo Henrique não foi o único jovem apucaranense a morrer em decorrência da dengue. Entre as vítimas, também está o ex-soldado do 30º Batalhão de Infantaria Mecanizado (30º BIMec), Pedro Henrique Carvalho Nogueira, de 24 anos. Ele morreu no dia 13 de março de 2024.

O jovem era casado com Marina, pai do pequeno João Pedro, atualmente com 3 anos, e considerado a alegria da família. “O Pedro era meu amigo, meu filho e meu confidente. Ele chegava em qualquer lugar e fazia acontecer”, contou a mãe dele, a dona de casa Edilene Julião Carvalho Nogueira, de 56 anos. Foi ela quem cuidou do filho quando ele ficou doente.

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Em entrevista ao TNOnline, Edilene relembrou os últimos dias que passou ao lado do filho. “Ele estava na minha casa. Eu estava cuidando dele", garantiu a mãe do ex-soldado, que também já havia tido dengue e sabia como lidar com os sintomas da doença. Poucos dias antes da morte, Pedro havia realizado um exame de sangue que apresentou alterações. Ele foi atendido no Ginásio de Esportes Lagoão, onde foi medicado com dipirona e enviado para casa.

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“No momento que a doutora viu que o exame tinha dado uma alteração, ao meu ver, ela tinha que ter enviado meu filho para o Providência, mas não. Ela só deu remédio e mandou para minha casa”, lamentou. Pedro passou mal durante toda a terça-feira (12/3), e os pais dele precisaram acionar o Samu no momento em que foram aferir a pressão do filho e o aparelho não deu nenhum resultado. “O Samu foi maravilhoso, veio super rápido. Eu moro no Jardim Colonial e eles chegaram em 11 minutos aqui na minha casa”, relembrou Edilene. A apucaranense garante que também não tem do que reclamar sobre o Hospital da Providência.


						
							Órfãos da dengue: famílias de Apucarana buscam se recompor após perdas
Foto por Arquivo da família
Pedro Henrique Carvalho Nogueira tinha apenas 24 anos

Nogueira foi medicado e encaminhado em estado grave para a UTI. A equipe médica mandou que Edilene ficasse com o filho e conversasse com ele. “Porque ela [médica] sabia que era irreversível”, acredita a mãe. “Mas em momento algum eu pensei em morte, nunca mesmo”, desabafou. A esposa de Pedro chegou no hospital e elas ficaram na recepção aguardando atualizações. Juntas, elas receberam a notícia da morte do jovem na madrugada do dia 13 de março. O pai de Pedro, Edmilson Nogueira, de 58 anos, possui um histórico de saúde frágil e não estava no hospital por conta disso. Edilene precisou retornar para casa e para contar a ele sobre a morte do filho. “Não conseguia chorar, fiquei em choque por horas", revelou.

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Agora, mais de 100 dias após a morte de Pedro, a família tenta lidar com a perda gigantesca. "Hoje é só saudade. E não é porque era meu filho, mas era 'o' meu filho. Ele era o melhor marido, filho, amigo e genro. Não tinha tempo ruim. Ele era nosso tudo, tudo que a gente fosse fazer ele estava junto", desabafou Edilene. "A nossa maior saudade chama Pedro Henrique", afirmou. Mas a maior preocupação dos que ficaram é o pequeno João Pedro, que precisa crescer sem a presença do pai. "Ele chora com saudades do pai, é uma espera eterna. Ele acha que o pai está viajando nas missões. E ele havia se desligando do quartel para ficar com o bebê", lamentou a avó. Pedro Nogueira entrou no quartel em 2018, fazia parte do Pelotão Especial de Fronteira e havia dado baixa no último dia 28 de fevereiro.

Edilene afirma que não culpa nenhum médico pela morte do filho, mas deseja que os profissionais da saúde passem a ter um olhar mais humanizado. "Meu desejo é, e nem só sobre a dengue mas para qualquer doença, que haja um olhar mais atencioso para o paciente. Não estou condenando a doutora, só Deus tem esse poder, mas é preciso que tenha um despertar da classe médica, para que eles parem de olhar para nós como um número", finalizou.

O luto

A reportagem do TNOnline também conversou com a psicóloga Andressa Barbosa, de Apucarana, sobre o processo de luto. A profissional explicou que o luto é um processo humano que acontece quando perdemos algo ou alguém significativo e valoroso. “O enlutar-se é uma condição que acontece de maneira única em cada um", analisou. Para ela, o luto não é vivido em fases e acontece com uma oscilação de sentimentos. “É um turbilhão de emoções acontecendo ao mesmo tempo”, garante.

Andressa ressaltou que o luto sozinho não é "responsável" por consequências físicas, quem faz é a pessoa enlutada. “A forma como a pessoa reage às circunstâncias é que vai interferir em sua qualidade de vida. Por exemplo, muitas pessoas se recolhem; não comem; outras para esquecer a realidade dolorosa pode se refugiar para bebidas, ou comer em excesso, etc. Ou seja, o que afeta a saúde são os comportamentos da pessoa", explicou.

O luto pode ser mais fácil par alguns do que para outros. Os caminhos de superação da perda são únicos e diferentes, conforme a psicóloga. "Cada pessoa vive seus próprios desafios de maneira única e vai encontrando formas de conforto no processo de luto. Ir ao cemitério e ver fotos para uns pode amenizar a saudade, para outros pode ser um lembrete doloroso de que não tem mais a pessoa ali ao seu lado. É humano e natural nos esquivarmos das coisas que nos causam dor, pode ser protetivo por um tempo. Mas, aos poucos, se torna necessário voltar para o mundo lá fora. É preciso tentar".

Andressa afirma por fim que buscar ajuda especializada é o melhor caminho para aprender a conviver com o luto. "É neste espaço que além da pessoa ser acolhida, terá oportunidade de aprender a lidar com a dor que fica, se restabelecer na nova realidade, dar espaço para a falta e ressignificar. Aprender a olhar para a perda, mas seguir com a vida que continua".

Por Ana Quimelo

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