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Formados depois dos 40: alunos da Unespar são exemplo contra etarismo

Quatro estudantes de 42, 54, 61 e 66 anos estão entre os formandos de Serviço Social da Unespar em Apucarana

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 25.03.2023, 08:59:57 Editado em 25.03.2023, 09:07:36
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A formatura do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Apucarana, norte do Estado, foi especial nesta sexta-feira (24) à noite principalmente para quatro formandos. Vera Lúcia de Oliveira, 66 anos; Maria de Lourdes Martins, 61; José Alberto Moreira Rafael, 54; e Márcia Probst, 42, entraram mais tarde na faculdade e precisaram superar inúmeras barreiras, incluindo preconceito dos estudantes mais jovens.

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A discriminação contra acadêmicos de mais idade virou notícia nacional no início deste mês, quando três alunas de uma universidade particular de Bauru (SP) viralizaram na internet com um vídeo no qual debochavam de uma colega de classe porque ela tinha mais de 40 anos. A repercussão desse caso de etarismo, que é justamente a discriminação contra as pessoas com base na idade, mobilizou até os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Camilo Santana (Educação), que repudiaram o episódio.

O quarteto mais experiente do curso de Serviço Social começou a estudar junto nos últimos dois anos de curso, o que ajudou na convivência com os colegas. Eles se uniam para fazer os trabalhos e essa parceria foi importante para concluir a graduação. Os quatro elogiam os colegas de sala da reta final de estudos e garantem que esses formandos mais jovens sempre agiram com respeito.

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No entanto, nem sempre foi assim. Vera Lúcia de Oliveira conta que começou a estudar em 2016, mas precisou trancar o curso por conta de problemas de saúde na família. Natural de São Paulo, capital, ela veio estudar na cidade após conseguir uma vaga na Unespar via Sisu (Sistema de Seleção Unificada).

-LEIA MAIS: Redução de alunos levou RU a fechar portas na Unespar de Apucarana

Trancou a matrícula em 2017, voltou em 2018 e passou pelas dificuldades da pandemia de covid-19 até chegar ao dia da sonhada formatura. Nesse percurso, sofreu com o etarismo. “Com a outra turma, nós tivemos problemas. Havia um nítido preconceito, que se manifestava na hora dos trabalhos em grupo. Os jovens nos deixavam de lado”, comenta Vera. Segundo ela, as “risadinhas” eram comuns no caso de alguma dificuldade para entender alguma coisa ou um ponto de vista diferente nas discussões.

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“Na minha volta, com essa turma agora, foi diferente. Fui bem recebida”, diz Vera, que já trabalhava em projetos sociais na região do Vale do Ribeira, na região sul de São Paulo. Sem oportunidades de estudar na época, ela acabou realizando o sonho do ensino superior apenas mais tarde.

Ela lamenta o caso de Bauru. “Alguns alunos entram para um curso universitário e se deparam com alguém mais velho, acham que essa pessoa não deveria estar ali ou até aposentada. É preciso abrir a cabeça e não ter pré-conceitos. Com um pensamento assim, não será uma bom profissional quando sair da universidade”, diz Vera.

Já Maria de Lourdes é doméstica em Apucarana e conta que parou de estudar muito cedo, porque precisava trabalhar e ajudar a família humilde. A agora formanda conta que sempre alimentou o sonho de fazer faculdade, mas que o incentivo do sobrinho Júlio Cesar foi fundamental. “Ele me inscreveu no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e ficou me estimulando a correr atrás. Eu achava que não tinha chance nenhuma, mas acabei conseguindo a vaga”, lembra.

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Ela conta que o primeiro ano foi bem difícil. “Estava muito tempo fora de uma sala de aula e tinha que lidar com risos e olhares. Como a gente tem mais idade – entrei na faculdade com 56 anos -, nossos pensamentos são diferentes e, muitos jovens, não entendiam e ridicularizavam as nossas opiniões”, comenta.

Ela elogia a turma que terminou o curso, mas afirma que o problema de etarismo existe no ambiente acadêmico. “É um absurdo. Que profissional será esse jovem que não sabe interagir com pessoas de outras faixas etárias, agindo com tanto preconceito?”, questiona.

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Vera e Maria de Lourdes começaram o curso juntas, se separaram pelo meio do caminho e depois se reencontraram nos anos finais, quando criaram a parceria com José Alberto e Márcia, formando o quarteto dos alunos mais experientes da sala.

A formatura desta sexta-feira (24) foi marcada pela emoção. "Foi lindo! Valeu cada sofrimento, chuva, frio e tropeços. É um momento tão valioso, que não tem como explicar a sensação, a emoção de concluir uma vitória dessas", completou Lourdinha, como é chamada, com o diploma em mãos.

PRESENÇA É IMPORTANTE PARA AS UNIVERSIDADES

A coordenadora do curso de Serviço Social, Luciane Maroneze, destaca a presença dos alunos com mais idade no ensino superior. “A universidade é um espaço inclusivo. A presença de estudantes idosos nos cursos de graduação reforça que não há idade para recomeçar a vida acadêmica. Trazem ao ambiente universitário um acúmulo de experiência que é importante ser compartilhado, ouvido e respeitado. São estudantes que demonstram sede por conhecimento e isso é um ponto favorável para superar dificuldades, algumas delas relacionadas à incorporação das tecnologias da informação e comunicação”, explica.

Ela pondera que, na maioria dos casos, os estudantes mais jovens fazem a acolhida, compartilham também suas experiências relacionadas à modernização tecnológica. “O espaço universitário é de troca, diálogo, discussão e debate, seja nas salas de aula, nos projetos de pesquisa e extensão e também no movimento estudantil”, diz.

A professora acrescenta que o preconceito é um fenômeno enraizado em nossa sociedade, traz as marcas da formação sócio-histórica brasileira constituída a partir de uma base conservadora, clientelista, escravista, regida por princípios moralistas e meritocráticos. “E a universidade não está à margem disso, pelo contrário, no Brasil a universidade é elitista e não podemos deixar de considerar em sua concepção a questão das classes sociais. O preconceito, seja em ralação ao estudante idoso, negro, indígena, LGBT, estudante com espectro autista, com deficiência, enfim, aqueles que fogem ao ‘padrão hegemônico’ determinado pela classe burguesa, sofrem diariamente as mais diversas formas de discriminação, a exemplo do que ocorreu com as jovens de Bauru ao ridicularizar uma estudante de mais de 40 anos por ingressar na universidade. Isso porque esta estudante não tem o direito de frequentar o espaço da universidade? É preciso questionar: será que este espaço tem cor, idade, raça, gênero, etc.... Penso que a entrada e permanência de estudantes idosos, negros, indígenas, é uma forma de resistência as diversas formas de preconceito”, analisa.

Segundo Luciane, ver um estudante idoso se graduando em Serviço Social, Administração, Direito, Enfermagem, Pedagogia, Medicina, e tantos outros cursos que as universidades Estaduais do Paraná ofertam, “é um movimento de luta, resistência que vai na contra lógica perversa dos ditos modelos e valores instituídos em nossa sociedade”.

Por Fernando Klein

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