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Memória do luto

Cruzes levam o luto para a beira das estradas na região

Costume de homenagear mortos é presente na região; conheça as origens

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 26.11.2023, 09:59:35 Editado em 26.11.2023, 10:19:10
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Era noite do dia 19 de julho de 2012, quando o eletricista Messias Aparecido Monteiro, conhecido como Cido, de 41 anos, conduzia sua caminhonete D-20, seguindo de Apucarana (PR) para sua propriedade rural, quando o veículo ficou desgovernado ao ter dois pneus estourados e capotou no quilômetro dois da PR-170 (Rodovia do Milho). Cido ficou preso entre as ferragens e foi levado para o Hospital da Providência. Ele faleceu no hospital, mas é o local onde ocorreu o acidente que sua família escolheu para homenageá-lo, com uma capela na beira da estrada. (Veja o vídeo no final da matéria)

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- LEIA MAIS: Lenda do Corpo Seco resiste ao tempo em Apucarana; veja o vídeo

“O Cido era muito querido, um homem alegre e que tinha muitos amigos. Aquela estrada era o seu caminho da roça, pois a chácara dele ficava ali perto”, conta o irmão, Regino Monteiro.

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Ele conta que um tempo depois do morte do irmão, durante o processo de luto, a família decidiu fazer um memorial no local onde ele se acidentou, como forma de não apenas de honrar sua memória, mas também alertar aos motoristas para que tenham prudência na estrada, conforme explica Regino.

“Decidimos fixar uma cruz e também colocamos uma capelinha com uma santa para que pudéssemos lembrar do meu irmão e também honrar sua memória”, conta.

A cruz fixada pela família se encontra no local até hoje, no mesmo ponto onde o eletricista se acidentou. E a família sempre vai ao local para rezar e fazer a manutenção do pequeno memorial.

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 Cruz foi colocada em homenagem a Messias Aparecido Monteiro, que morreu em 2012 na Rodovia do Milho.
Foto por Louan Brasileiro/TNOnline
Cruz foi colocada em homenagem a Messias Aparecido Monteiro, que morreu em 2012 na Rodovia do Milho.

A cruz pela memória de Cido não está sozinha. Todos os acessos rodoviários de Apucarana possuem trechos onde há cruzes fixadas, sempre seguindo a mesma tradição de se preservar a memória de alguém que morreu em uma fatalidade naquele local e alertar aos motoristas sobre os riscos do trecho.

Às margens da Avenida Brasil, no canteiro entre a pista e a linha do trem, existe, inclusive, uma capela em homenagem a um rapaz que morreu no local em 1997. Já no Contorno Norte, ao menos três pontos contam com cruzes ou capelinhas em homenagem a vítimas de fatalidades.

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 Capelinha na Avenida Brasil homenageia homem que morreu em 1997.
Foto por Louan Brasileiro/TNOnline
Capelinha na Avenida Brasil homenageia homem que morreu em 1997.


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E as homenagens não estão apenas às margens das rodovias. Na BR-376, por exemplo, nas proximidades do 30º Batalhão de Infantaria Mecanizado (BIMec), uma cruz fixada no canteiro central marca mais uma vida perdida de forma trágica no local.

 Cruz fixada no canteiro central da BR-376, próximo ao 30 BIMec marca mais uma vida perdida fatalmente na rodovia.
Foto por Louan Brasileiro/TNOnline
Cruz fixada no canteiro central da BR-376, próximo ao 30 BIMec marca mais uma vida perdida fatalmente na rodovia.


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Ao longo das estradas do Brasil, é comum deparar-se com cruzes fincadas à beira das rodovias. Esse costume, carregado de simbolismo, tem profundas raízes na cultura brasileira, revelando uma mescla única de fé, memória e tradição.

Cruzes levam o luto para a beira das estradas na região
Foto por Louan Brasileiro/TNOnline
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Mas não é todo mundo que se sente familiarizado com o tema. O construtor Patrick Machado da Silva, de Apucarana, admite que se sentiu intimidado quando assumiu esse tipo de serviço pela primeira vez. Em 2014, ele foi contratado para construir uma capelinha em homenagem a um jovem que capotou e perdeu a vida na BR-369, próximo a Jandaia do Sul.

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“Eu fiquei com um pouco de receio de fazer o serviço, porque a gente acredita nessas coisas, né? Mas como precisamos trabalhar, fui lá e dei conta de fazer tudo em um só dia. Pensa em uma obra que não foi enrolada”, brinca o construtor.

No entanto, após isso, ele percebeu um nicho que o ajudou conseguir muitos outros serviços.

“Passei a trabalhar com túmulos e jazigos, pois era um serviço que pouca gente fazia na época. Hoje eu vejo bem diferente, entendo que as pessoas fazem essas homenagens com carinho, por respeito a quem se foi”, salienta.

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Nos pequenos memoriais na beira da estrada, a perpetuação da dor e do luto está ao lado como a necessidade de manter viva a memória dos que partiram. É comum ver flores, coroas, velas, imagens sacras e fotografias dos falecidos nestes pontos.

No Dia de Finados, estes locais costumam ser mais visitados, com orações sendo feitas, oferendas e ex-votos (presentes de devoção) sendo deixados nos lugares onde os mortos são venerados e homenageados.

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Cruzes levam o luto para a beira das estradas na região
Foto por Louan Brasileiro/TNOnline

Origem do costume

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As cruzes à beira das estradas são mais prevalentes em regiões rurais e interioranas, onde a conexão com tradições religiosas muitas vezes permanece mais forte. Além disso, é comum encontrá-las em curvas perigosas, declives acentuados ou áreas com histórico de acidentes.

Atualmente, essas cruzes podem ser vistas em praticamente todo território nacional. O Norte do Paraná e o Vale do Ivaí não fogem a essa tradição.

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 Cruz foi trazida ao Brasil pelos padres jesuítas.
Foto por Pixabay
Cruz foi trazida ao Brasil pelos padres jesuítas.

De acordo com um artigo publicado pela revista científica Ateliê Geográfico, da Universidade Federal de Goiás (UFG), a tradição de colocar cruzes à beira das estradas é uma prática antiga que remete ao Império Romano, que tinha por costume castigar seus inimigos com a morte na cruz, deixando os corpos pendurados e ainda impedia os familiares de retirá-los, como forma punitiva a quem lhes fosse rebelde.

No Brasil, essa tradição surgiu durante o período colonial, quando a cruz foi trazida para o país pelos padres jesuítas.

Inicialmente, essas cruzes podiam representar marcos em áreas desabitadas, indicando direções ou alertando sobre perigos. Com o tempo, o significado evoluiu para incorporar elementos religiosos, marcando locais onde tragédias, especialmente acidentes fatais, ocorreram.

O antropólogo e historiador Câmara Cascudo revela No livro “Anubis e Outros Ensaios” (Editora Funarte, 1983) que a tradição de homenagear os mortos à beira do caminho surgiu na Península Ibérica e foi trazida para o Brasil, principalmente, para a região Nordeste.

Vídeo:

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Por Louan Brasileiro


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