Há uma frase que circula como quem sabe mais do que diz: saudade é o preço que se paga por viver momentos inesquecíveis. Ela parece simples, quase dessas que cabem em um rodapé de calendário. Mas há pessoas que a carregam no corpo inteiro, todos os dias.
Penso numa mulher que atravessa os corredores com a discrição de quem aprendeu a não fazer barulho com a própria dor. Os olhos dela não pedem explicação - apenas entregam. Ali mora uma ausência antiga, daquelas que não envelhecem: a perda de um filho. Não há verbo que dê conta disso. Não há passado que apazigue. Há só a falta, instalada como moradora fixa.
Como se não bastasse, o tempo, esse sujeito indelicado, resolveu acumular partidas. Levou o companheiro de vida. Levou a mãe. E, de repente, o mundo ficou grande demais para uma pessoa só. Não no sentido do espaço, mas no eco. Tudo responde menos. Tudo demora mais.
Fala-se muito em solidão, mas pouco se entende dela. Às vezes, estar só não é ausência de gente - é excesso de lembrança. É sentar-se à mesa e ainda ouvir vozes. É abrir uma gaveta e encontrar vida dobrada em papel fino. É perceber que o amor não morreu: ele apenas perdeu o endereço físico.
Há quem pense que o tempo cura. Não cura. O tempo ensina a carregar. Ensina a dobrar a dor para que caiba no bolso do dia. Ensina a seguir andando sem precisar fingir que está tudo bem. E, sobretudo, ensina que lembrar não é sofrer de novo - é amar de novo, de outro jeito.
Imagino que, em algum canto da casa, exista uma leveza escondida. Um humor delicado, quase infantil, desses que só quem ama muito consegue inventar. A ideia de que a vida poderia ter sido dividida em duas, como fazem os gatos: uma para os domingos demorados, outra para o nome de quem se ama. Como se amar fosse, no fundo, isso - multiplicar existências para não caber em apenas uma.
Talvez seja essa a chave: quem ama muito nunca vive só uma vez. Vive em camadas. Vive nos nomes que chama em silêncio. Vive nos dias que ainda fazem sentido porque alguém, um dia, os preencheu.
Não há conselho possível diante de tamanha perda. Há presença. Há escuta. Há o gesto pequeno que diz: eu vejo você. E, às vezes, isso basta para atravessar a manhã.
Que esta mulher saiba - mesmo nos dias mais pesados - que a saudade que a acompanha não é castigo. É prova. Prova de que sua vida foi tão cheia de amor que agora transborda em forma de falta.
E que, mesmo só, ela nunca caminha desacompanhada. Porque quem foi amado de verdade continua andando ao nosso lado - invisível, é verdade -, mas absurdamente vivo.
Eu não sei medir a sua dor, mas estou aqui para escutá-la, sempre. Quando a casa ficar silenciosa demais, grite e chore. Mas, se quiser, pode me procurar para que eu ouça o seu sussurro embargado. Não precisa olhar para o céu para buscá-los: ao fechar seus olhos, ali estarão, como sempre estiveram.