O peso das palavras

Da Redação ·
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fonte: Pixabay
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Ele: O homem na cafeteria

O homem sentou-se à mesa do canto, junto à vidraça embaçada pela manhã fria. O café esfriava aos poucos, assim como sua paciência. Deslizou o dedo pela tela do celular, sem olhar de fato para nada. Havia a sensação de procurar algo na tela que, às vezes, parecia apenas refletir os olhos sem brilho. Se estava sozinho no mundo real, seus milhares de amigos distribuiriam corações em uma foto tirada minutos antes, mas ainda sem resposta.

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Até que viu.

O comentário estava lá, esperando-o como um fantasma: “Ridículo.”

Uma palavra apenas. Pequena, seca, certeira como uma lâmina. Nem mesmo seu expresso sem açúcar era tão amargo quanto a união e ordem daquelas oito letras.

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Sorriu de canto, num gesto automático, mas sentiu a pontada no estômago. Sempre fora resistente a críticas, ou pelo menos dizia a si mesmo que era. Mas aquela palavra, solitária e cruel, fincou-se nele de um jeito que nem mil respostas poderiam arrancar.

Tomou um gole do café, agora morno, e olhou ao redor. Do outro lado da rua, uma mulher caminhava devagar, parecendo perdida em seus próprios passos.

Ela: A mulher na rua

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Ela andava sem pressa, sem destino, sentindo o vento cortante nos lábios rachados. O celular pesava no bolso, mas não tinha coragem de pegá-lo. Não era o medo de assalto que a impedia, mas ela sabia exatamente o que encontraria lá.

“Você nunca acerta.”

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As palavras ainda ecoavam, mesmo depois de dias. Um comentário jogado ao acaso por alguém que nem se lembraria dele. Mas ela lembrava. E doía.

Na infância, ouviu que falava demais. Depois, que falava pouco. Que ria alto. Que chorava à toa. Passou a medir cada palavra, a pisar leve, a tentar ser menos para não incomodar.

Mas ali, na rua, o silêncio também pesava. O vento gelado roçava seu rosto e, por um instante, desejou desaparecer na paisagem, dissolver-se na manhã cinza. Algum conhecido que não a conhecia deixou um simples recado sobre seu sonho, que agora não passava de um post apagado, printado e guardado, não apenas na galeria.

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Então, sem querer, ergueu os olhos.

Do outro lado da rua, um homem a observava. Não com julgamento, nem com indiferença. Apenas olhava, como quem vê. Ela olhou para trás buscando ver se era mesmo com ela, pois tinha medo de achar que ele olhava para ela enquanto atrás acenasse. Mas não, era ela, aqueles três ou quatro segundos eram dela, deles.

Eles: o olhar.

Os olhos se cruzaram. E, por um instante, foi como se ambos entendessem o peso que carregavam.

Ele sorriu, um sorriso pequeno, discreto, mas verdadeiro. Ela hesitou, depois retribuiu. Não trocaram palavras. Não precisavam.

E naquele breve instante, sem saber, aliviaram o peso um do outro. “Daniele curtiu sua foto”, apareceu na tela do celular dele, mas ele não viu, torcendo para que a moça também quisesse um café.

Ela quis.

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