O amor segundo Clarice – depois do medo vem o mundo

Da Redação ·
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fonte: Pixabay
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Clarice não sabia, mas naquele exato instante, em algum canto imperceptível do hipotálamo, algo havia começado. Uma descarga leve de dopamina. Um ajuste mínimo na frequência do coração. O corpo, sábio como os desbravadores de mares antigos, já a avisava: ali estava alguém que valeria a pena perder a paz. Como os brados dos guerreiros diante da glória da morte, Clarice sentia o grito silencioso que ecoava em sua mente, mesmo sem entender.

Não foi o clichê dos filmes. Não houve câmera lenta, nem música de fundo. Apenas um gesto — pequeno, quase insignificante. Ele ajeitou o livro com um cuidado que beirava o afeto. E depois riu de um jeito que desarmava até a parte mais cética dela, aquela que dizia que já sabia demais sobre a vida para cair em encantos. Mas caiu. Feelings.

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Clarice tinha esse hábito de observar primeiro. Acreditava que o amor não chegava com estardalhaço, mas com sutilezas. Era sensível a pequenos gestos, como quem decifra códigos. Um toque no ombro. Um elogio tímido. A forma como ele esperava os outros falarem antes de falar. Ela não sabia, mas seu corpo sabia. A genética dela reconheceu nele o cheiro exato que acalma. A pele, sem pedir licença, consentiu. Feelings.

E não era só química — embora também fosse. O amor, esse acidente nobre entre dois organismos, se faz de moléculas e memórias. No caso de Clarice, havia ainda o imprinting: aquela impressão emocional que carregamos da infância, dos afetos primeiros, das dores mal fechadas. Havia nele algo que lembrava uma ausência antiga. Algo que, sem saber, ela sempre buscava completar. Ela não era vazia, estava cheia, mas de repente, ampliou suas dimensões. No fundo, talvez todos nós amemos assim: tentando remendar o que nos rasgou, ainda que não saibamos. O amor com certeza não é racional, nem deveria ser, pois do contrário, acabariam as suas poesias. Clarice rabiscou o nome que nunca tinha soado como uma poema de poucas letras, mas ali estava, o compêndio de todos os ultrarromânticos.

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A cada encontro, a cada conversa, o corpo de Clarice respondia. Pupilas levemente dilatadas. Suor tênue nas mãos. Uma vontade absurda de dizer o que sentia — e um medo ainda maior de dizer qualquer coisa. A paixão fazia seu espetáculo. Euforia comedida, esperança disfarçada. Feelings.

O narrador sabe — porque vê de dentro — que Clarice começou a amá-lo no exato momento em que ele se desequilibrou e, ao invés de se irritar, riu de si mesmo com ternura. Aquela ternura, tão rara no mundo, bastava.

E era amor, mesmo que ela não soubesse nomear. Mesmo que ele também não soubesse. Era amor porque morava nos detalhes. No jeito como os dois falavam de livros. No modo como os silêncios entre eles nunca foram incômodos. Era amor porque, enfim, os dois sabiam que não se tratava de encontrar alguém perfeito — mas alguém possível. Não importava o tempo, era infinito enquanto durasse, como já disse Vinícius.

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Clarice nunca acreditou muito em destino, mas algo nela — um algo muito antigo, quase instintivo — sabia que certas pessoas não passam por acaso. E que, às vezes, tudo que o amor precisa é de um olhar atento, um palco improvisado e a coragem de deixar a química acontecer. E foi assim. Sem aviso. Sem promessas. Mas com tudo de eterno que cabe num instante.

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