Estamos em 2022, ano de mais uma eleição presidencial, rumo ao segundo turno e não falarei sobre quem pode ou não ganhar, mas de tudo que já perdemos nesses últimos anos. Falarei sim da política, não dessa que sai nos jornais e na grande mídia, muito menos de políticos. Devemos ensinar e debater política, isso é claro, como o céu de verão ensolarado, mas nos perdemos nas pessoas e esquecemos as ideias.
Ainda que deslocada de nosso tempo, a definição de política de Aristóteles era a de uma ciência que tem por objetivo a felicidade humana, sendo do indivíduo e da coletividade. Será que buscamos a felicidade em nossas discussões políticas?
Acredito que ninguém pode ser neutro em questões políticas, e como diz o ditado, “neutro, só shampoo de bebê”. Mas hoje me reservo o direito, assim como há tempos tenho feito, de me preservar sobre isso. Não por medo, mas pela mensagem que quero passar. E o quero dizer? É que vença quem vencer, nós já perdemos, não apenas enquanto indivíduos, mas como sociedade.
Perdemos familiares, e ainda que seja triste pensar, não estou falando de Covid. Perdemos o contato com familiares que nos atacam por pensarmos diferentes. Perdemos a admiração daqueles que nos elogiavam, por simplesmente pensarmos diferente. Perdemos o carinho, dos que hoje nos acusam disso ou daquilo, por uma posição política. Se você que está me vendo agora, ou lendo meu texto, pensar algo assim de mim, tudo bem, afinal, como poderia em alguns minutos saber como eu realmente sou e o que penso? Mas aqueles que me viram crescer, realmente creem que sou mal, por querer o bem?
Não conheço ninguém que assuma publicamente que quer o mal, todos possuem um dito “bom motivo” para defender o que acreditam. Quando foi que isso se tornou motivo o suficiente para eliminarmos todos os anos de convivência, substituindo por um rótulo?
Não quero dizer com isso que devamos aceitar o intolerante, pois como já dizia Karl Popper, “se tolerarmos o intolerante, logo a tolerância deixará de existir”. Mas vou mais fundo em Popper. Devemos combater a ideia ou o indivíduo? Seja de qual lado for, seja apoiador deste ou daquele, quando foi que a família se tornou um lugar de ausência de amor, e em seu lugar, o ódio político? Os grupos de WhatsApp, por não serem cara-a-cara, permitiram que disséssemos tudo aquilo que antes não teríamos coragem. E assim, pouco a pouco, o virtual se tornou real, tão real, que foi impossível olhar nos olhos um dos outros sem o ressentimento do que foi digitado ou gravado em áudios com o sabor biliar na boca.
Perdemos também as amizades. Sempre acreditei que de poucos amigos a vida era feita. Tenho os meus, que cabem nos dedos de uma única mão. Não digo isso, desfazendo dos colegas que a vida me deu, mas por ter a certeza de que a amizade é muito mais do que momentos felizes ou festivos, muito mais do que corredores de empresas e salas de reuniões. Amizade, essa que falo, acontece quando os pais do amigo se separam, e você que está lá para tentar alegrar um ambiente que já foi repleto de felicidade. E na fase adulta, às vezes, a crise matrimonial é do amigo, e você ainda está lá. É um velório, em que se dorme ao lado do amigo que acaba de perder o pai e você chora por ele, mas sorri quando percebe que precisa ser luz e não outra sombra.
Amizade para mim, é pagar metade de um lanche e ver o seu amigo comendo quase todo, com a promessa de que na próxima vez, será você o sortudo. Amizade, é ouvir, sem ter o que falar sobre a experiência do amigo. Nem sempre temos – ou deveríamos ter – conselhos, basta estar disposto a ouvir. E quando o mundo gira, ser ouvido, sobre a menina que ama, sobre o sonho, o projeto ou simplesmente o plano para o fim de semana. Isso começa quando se é criança o suficiente para perdoar, pois parece que quanto mais crescemos, menos nos importamos em perder amigos. Eram poucos, porque eram especiais demais para se perder por qualquer coisa.
É pouco provável que você não tenha perdido amigos, eu também não perdi, pois ainda que destoantes e por mais que tenhamos brigado uma vida toda, aprendemos que nem sempre é possível ter razão. E diferente da família, que, talvez como eu, você tenha aprendido que deveria mais ouvir do que falar, quando falou, talvez tenha ido muito além do que queria, em um caminho sem volta. Digo isso, pois os amigos, aqueles que já saíram até na pancada com você, entendem melhor o contraditório do que a sua tia que sempre achou que você era educadinho, quando era silenciado. Ou, por sua vez, você ouviu de alguém que amava muito, que era agora diferente, sendo tratado de uma forma que o perdão parece agora tão distante. Eu sei que é muito difícil, mas se dê o direito de perdoar, pois somos responsáveis apenas por aquilo que fazemos e dizemos, não pelo que o outro pensa.
Perdemos o respeito. Não digo respeito como sinônimo de subordinação, mas falo daquilo que nos fazia admirar e ser admirados. Símbolos e pessoas se tornaram espadas que utilizamos para atacar os que antes abraçávamos. Usando Maquiavel, que dizia sobre o que seria melhor, ser temido ou amado, ao se referir ao poder do príncipe, vemos que o amor já não faz parte da equação. E se, não tememos, atacamos. Em uma época de infinita exposição, cenas de nudez e violência explícita se tornaram cotidianas. Não estou falando contra os gostos de cada um, mais como diz meu amigo Ivan, não preciso receber pílulas de pornografia para me sentir mais homem, nem mesmo cenas de morte e acidentes, apenas para mostrar como sou forte. Isso não é notícia, nem informação, é desencanto.
Pode parecer puritano demais de minha parte, já que eu entrava escondido na área proibida da locadora em que trabalhava – mas isso é segredo nosso, e eu tinha apenas 14 anos. Entretanto, não é sobre isso que falo, mas dos lugares e pessoas de onde isso vem. Se você não se choca em receber tais vídeos, sejam eles com nudez ou extrema violência, provavelmente é você que manda.
A internet deu acesso a um mundo com infinitas possibilidades e é isso que buscamos? Se disséssemos aos habitantes dessa bola azul que gira em torno do sol, no início do século XX, que um dia teríamos todo o conhecimento humano na palma da mão, eles pensariam em usos melhores do que esse que fazemos.
E assim, surgem também as notícias falsas, que chamamos de Fake News. Já me preocupei muito mais em “desmentir” as falsas notícias, mas foi então que percebi que, não apenas os seus emissores sabiam que eram falsas, como sabiam de seu efeito. Se trata de ganhar a qualquer custo, mesmo que isso custe a verdade. Esse é o respeito que perdemos, o respeito pela verdade.
Eu acredito que as experiências pessoais devam ser valorizadas, mas sobre fatos, não existem duas verdades, apenas duas versões. Cresci em Londrina, almoçando com minha mãe assistindo um programa policial – o termo se refere a forma de abordagem, mas era para ser um jornal. Tinha um jornalista que sempre dizia, “existem três versões: a da vítima, a do bandido e a verdadeira”. Entendia que poderia então ser as duas primeiras falsas, mas nunca duas verdadeiras.
Meu objeto de estudo, que não cabe aqui mencionar, pois entenderiam isso como um posicionamento político, e não é o que quero, colocava eu e meu pai em versões diferentes sobre um período em que eu sequer existia. Um dia, com muita calma, chegamos a um consenso: os caminhos que meu pai percorreu, a vida que levava, não permitia que tivesse acesso a um universo que os documentos que eu analisava mostravam. Ele não estava errado em sua versão, ainda que não fosse essa a realidade, mas uma realidade, a realidade dele. No âmbito da história, como ciência e não experiência, por ele não saber, ela não deixava de existir, apenas confirmava o que eu falava.
Mas uma coisa sempre me orgulhou e orgulha do meu pai, e claro, da minha mãe. Dedicam a vida a ajudar o próximo, seja na casa da sopa, seja entregando lanches para as pessoas em situação de rua, sempre me ensinaram que o mais importante não era o que se levava para eles, mas o momento que se dedicava para simplesmente os ouvir. O maior ato de amor que podemos fazer é ouvir o outro.
Devo dizer então, que perdemos também a esperança. Pois se não estamos dispostos a ouvir o outro, não há como existir o amor. Não importa se concordamos ou não, nunca saberemos se ao menos não ouvirmos, esse é o exemplo máximo que aprendi dos meus pais.
Quando digo que perdemos a esperança, foi porque fechamos portas que antes estavam abertas ou lacramos aquilo que nunca foi aberto. Ainda que possa soar piegas em dias atuais, ou mesmo um sentido pejorativo, sou religioso e creio em Deus. Mas o Deus que me norteia é um Deus de amor, de irmandade e fraternidade. Por ser fraco em minha fé, carrego tatuado no corpo símbolos que me trazem de volta ao caminho quando eu me vejo perdido. O Deus que aprendi quando criança, ama incondicionalmente, ajuda a encontrar o caminho da paz, não ataca, não fere, não condena. Aprendi, que os homens têm o costume de fazer em nome de Deus atrocidades, que Ele jamais aprovaria. Se eu estiver errado, tenho certeza do perdão, pois só usei seu nome para justificar o que há de bom no mundo, nunca o contrário.
Sei que tenho muita coisa a conquistar, e quero ter muitas coisas materiais, mas se eu não conseguir me solidarizar pelo que passa fome ao meu lado, algo em mim já está morto.
Sou um homem hoje, ainda que de vez em quando me sinta uma criança em relação ao mundo em minha volta. Sinto a necessidade de tentar mostrar aos que me cercam uma versão da história em que possamos ser mais unidos, sem a necessidade de que a vitória seja sobre o outro. Quem acompanha meus textos da coluna do jornal ou em sala de aula, sabe que vejo na competição, seja por notas, por objetos e bens, uma disputa que sempre perderemos, pois sempre terá alguém com algo a mais e melhor.
Como já disse Belchior, “no ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Digo isso pelas desilusões que tive, mas nunca do que mais importa, que é a minha família, que hoje é centrada na imagem de minha esposa e meus três filhos maravilhosos. Eu me perdi profissionalmente, não vendo sentido em tudo que dedicava, deixando de viver com os meus para estar com outros, que quando a hora chegou, não estavam lá por mim. Já me senti desiludido politicamente, e talvez ainda esteja, mas assim como profissionalmente, eu estava focado no lugar errado.
Somos como uma grande pedra que precisa ser talhada para dar lugar a uma bela escultura, escolhemos as ferramentas e temos em mente o desenho final, mas se batermos forte demais, tudo se parte, talvez em milhões de pedaços impossíveis de colar.
Peço a você que me ouviu ou leu, que pense ao menos e não me julgue pelo que acha, mas pelo que eu disse. A história, que é mais que um atrativo para mim, é a ciência que dediquei os últimos 16 anos da minha vida, sendo metade dela, mostra que como uma mola, a sociedade é marcada por momentos de tensão e distensão, que se alimentam continuamente. O que virá depois de tudo isso?
A mim, pouco importa se vota neste ou naquele candidato, se acredita neste ou naquele modelo político, mas que nunca se esqueça porque luta. Carrego em mim dezenas de vozes que me fizeram ser quem sou, carrego em mim dezenas de bons e, porque não dizer, maus exemplos, mas sou eu que escolho o que considero correto para viver.
Digo viver, pois falar é fácil, difícil é viver o que se fala. Não quero ser exemplo para ninguém, a não ser para meus filhos, pois é neles que viverei quando não mais existir neste plano. Dia desses, diante do absurdo, descobri que as crianças da sala da minha filha mais velha, de apenas 7 anos, discutiam sobre as eleições. Eu nunca expus minha filha a essas discussões, pois acredito que ela ainda não esteja preparada, ainda que sempre falemos sobre A POLÍTICA.
Tive o contragosto de saber que ela reproduzira aos colegas discursos que ouvira de alguns familiares, e foi então que tive a função de desconstruir alguns argumentos absurdos. Pensei até em discutir por isso, mas me lembrei do que quero que ela saiba, e no máximo, perguntei o que haviam dito, para que eu pudesse responder cada um dos pontos. Não para dizer qual era melhor ou pior, mas para que sua ideia – ainda em formação – fosse baseada apenas na verdade, que não possui versões, ela é sempre única.
Percebi então, que somos todos, crianças, umas com 7 anos, outras com 83, mas todas infantes sobre nossas emoções e paixões políticas, como já disse Pierre Ansart, que inclusive recomendo a leitura. “A gestão das paixões políticas”, que apresenta a miúde como somos usados para construir e destruir, movidos por uma cultura política que achamos ser nossa, mas é apenas um projeto, onde somos peças e não jogadores.
Não importa de fato quem ganhe as eleições no próximo dia 30 de outubro, se perdermos tudo aquilo que nos torna uma grande nação. Se ganhar a eleição, em sentido bem limitado, já que não sou eu que concorro, me custar perder amizades, família, o respeito e a dignidade, de toda forma eu já perdi. Se tiver que negar algo que sempre acreditei para defender alguém que não sabe que eu existo, eu com toda certeza já perdi. Dizer que crê Deus nunca foi garantia de ser uma boa pessoa, pois conheço pessoas maravilhosas que são religiosas, e péssimas pessoas que dizem falar em nome de Deus, mas se eu tiver que negar um traço, uma vírgula do que sempre me conduziu, apenas para justificar meu apoio a um candidato, eu já perdi.
Seja você quem for, vote em quem votar, seja a pessoa que acredita ser necessária no mundo pós-eleições, mas se isso custar sua dignidade e “verdade”, se isso custar a imagem que você construiu ao longo de uma vida, talvez você esteja fazendo isso de forma errada. Não sou ninguém para dizer como cada pessoa deve agir, mas esse mundo de hoje não é o que quero para o futuro dos meus filhos. Sendo bem egoísta, é neles que penso sempre que escrevo e gravo. O Brasil é país de lutas e resistências, mas que seja apenas sobre ideias, e não sobre o irmão. O “custe o que custar” é um bom enredo para filmes de ação, mas em uma guerra real, as pessoas são mais do que números, são pais, mães, filhos e amigos. Não deixemos o ódio vencer, quando o que queremos é o bem de todos e, se não for, sou apenas uma criança iludida. Mas neste mundo, prefiro ser uma criança iludida do que um adulto que tem a certeza que segrega, mata e desconstrói.