Vem pra sala de aula, Ricardo Barros!

Da Redação ·
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https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/04/20/so-o-professor-nao-quer-trabalhar-na-pandemia---diz-ricardo-barros--lider-do-governo-na-camara.html
fonte: Deputado Ricardo Barros durante sessão de votação para presidente da Câmara dos Deputados. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
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Vem pra sala de aula, Ricardo Barros! 

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Ontem, dia 20 de abril, nós, professores, fomos surpreendidos, ou melhor, ofendidos, com uma declaração do deputado federal Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro no Congresso.  Segundo o congressista:

"Só o professor não quer trabalhar na pandemia".

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https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/20/ricardo-barros-governo-critica-professores.htm?utm_source=chrome&utm_medium=webalert&utm_campaign=educacao

Obviamente equivocado, mal-intencionado e privilegiado, uma vez que a função mais significativa deste é ser "político", além de beneficiar boa parte da família, que vive das benesses do dinheiro público, o deputado mostra o descaso, a violência simbólica e estrutural à qual nós professores somos submetidos diariamente no exercício da profissão. É por isso que hoje resolvi escrever esse texto contendo algumas informações para o nobre deputado, já que este parece desconsiderar ou omitir por pura má-fé. 

Desde o início da pandemia, não houve um dia sequer que nós, professores, ficamos sem trabalhar. Fomos submetidos a uma jornada de trabalho extenuante, combinando tentativas de desenvolver nossas aulas on-line, utilizando nossos próprios recursos (internet, computador, celular), com a adaptação da nossa casa como sala de aula. É importante ressaltar que passamos a trabalhar o dobro da carga horária, uma vez que temos preparado planos de aula para atender os alunos que acompanham os encontros on-line, atividades impressas para os que não possuem recursos tecnológicos, além de fazer adaptações diversas para atender às dificuldades dos alunos que precisam de atenção maior.

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Para desempenhar as diferentes funções, permanecemos em frente ao computador durante longas horas para atender alunos que acessam as aulas ao vivo e, também, para buscar diferentes cursos que auxiliem na qualificação e no aprendizado desses diferentes recursos tecnológicos. Não podemos deixar de considerar que as nossas redes sociais e telefones residenciais se tornaram públicos, sob os quais, fomos colocados em um atendimento on-line 24h por dia à disposição de alunos, pais e direções.

Compreendemos que muitas profissões estão passando pela mesma situação, no entanto, isso não autoriza o nobre deputado, que, seguramente, desconhece a realidade das escolas públicas do Brasil, a lançar a culpa do prejuízo educacional da pandemia nas costas dos educadores, uma vez que a responsabilidade estrutural das escolas dependem inteiramente do poder público. 

Trabalhei em escolas públicas onde não havia papel higiênico no banheiro, sabonete nunca temos, funcionários sempre em menor número do que o necessário, desconhecendo totalmente a verdadeira realidade da escola pública. Mesmo diante dessa realidade triste, congressistas vêm nos dizer que a escola é o lugar mais seguro para as crianças, mas será que realmente conseguimos investimentos que assegurem essa segurança? De que escola estamos falando? A rede privada vive uma realidade completamente à parte das escolas geridas pelo governo e, mesmo assim, os riscos não são eliminados.

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Se a Educação ainda funciona nesse país, isso se deve exclusivamente às comunidades escolares (pais, alunos, professores, gestores) que se envolvem em campanhas, auxiliam em rifas, festas de arrecadação e mão de obra para melhorar a estrutura física de nossas escolas. A verba que vem para custeio é ínfima e não dá conta das despesas básicas, quanto mais das reformas estruturais. Gostaria de salientar que, desde quando cursava o ensino médio, ouvi dezenas de vezes que deveria escolher outra profissão, que a docência não tinha perspectiva de futuro e era desvalorizada no país. Apoiada por alguns familiares, encarei a oportunidade de fazer uma faculdade que poderia me garantir um trabalho digno e honesto, uma vez que vinha de uma família de classe trabalhadora e humilde.

E foi a docência que me proporcionou muitas conquistas, mas sempre por meio de muita luta.  Não temos um minuto de paz quando o assunto é busca por uma educação de qualidade, capaz de transformar vidas e, acima de tudo, de contribuir para a construção de uma sociedade mais solidária. E ler essa notícia é uma afronta, o que evidencia o descaso com que nossa profissão é tratada.

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Por isso, hoje quero usar esse blog, para dar voz, conceder a palavra, a nobres professores e colegas de profissão, que tanto admiro, e que compartilham comigo a mesma rotina de trabalho e contexto. Quero dividir meu espaço com vocês que podem, de fato, falar sobre a nossa realidade e, quem sabe, ajudar aqueles que a desconhecem a reconhecer a nossa situação. Eis alguns depoimentos:

“A maioria dos professores trabalha quatro horas no contrato, mas atendem pais e alunos fora do horário de trabalho, muitas vezes, aos sábados, domingos e feriados. Embora não estejamos presentes em sala de aula, estamos presentes diariamente na vida dos alunos da hora que amanhece até, às vezes, meia-noite, uma hora da manhã, que é quando os alunos que trabalham podem entrar em contato conosco. Nós estamos trabalhando muito mais, sem descanso durante a pandemia. Eu gostaria muito que o deputado Ricardo Barros viesse acompanhar um dia do meu trabalho, ele verá que não consigo fazer 1/3 do que é necessário e que eu tenho que fazer à noite e final de semana, sempre deixando trabalho para outros dias, sem receber extra, de tanto trabalho que temos. Não é só a sala de aula, é entrar em contatos com pais, com alunos, fazer busca ativa, entregar kit de merendas, verificar riscos às crianças, enfim, uma gama de trabalho que vai muito além do previsto em contrato. Eu o convido a vir em Cambira, na minha escola, me acompanhar por uma manhã. Com certeza, ele entenderá que esse serviço que ele faz aí na Câmara, muito bem remunerado, não é nada perto do que realizamos diariamente. Eu troco o meu serviço pelo dele por um dia, e que ele venha realizar o meu trabalho, mas trocaremos os salários também.”  Rosana Meire Casadei, professora e pedagoga desde 1998, SEED, Cambira/PR.

“Sou professora da rede pública, atualmente diretora (mas da resistência, ainda que insuficiente). Estou na rede desde 1997, 18 anos (tive interrupções de contrato antes do concurso). Estou na direção de escola desde 2009 e, ao contrário do disse o nobre deputado Ricardo Barros, não tenho nada contra as tecnologias na escola, exceto o fato de elas não existirem, não chegarem ou serem sucateadas, insuficientes e não darem suporte algum ao processo de ensino e aprendizagem. Parafraseando Ailton Krenak, nós, professores, estamos ‘adiando o fim do mundo’ a cada dia, minutos e momentos em que, neste contexto de pandemia ou fora dele, superamos o sistema de morte da educação ao atendermos nossos alunos cotidianamente, utilizando nossos próprios recursos dentro de nossas microrrealidades. Desafio qualquer político, especialmente o senhor deputado Ricardo Barros, a fazer o que fazemos e nas mesmas condições que nós.”  Simone Quiezi, docente SEED/PR , Lidianópolis.

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“Estou trabalhando, inclusive hoje que é feriado, e estou me sentindo extremamente cobrada, cansada, estressada, 24 horas por dia, muitas vezes, pensando em me afastar do trabalho por estar no meu limite. Estou feliz por estar com saúde, mas saúde sem a covid, porque estou com dores na coluna, caminho todos os dias, faço exercícios para melhorar, mas, mesmo assim, não está resolvendo. O estresse é enorme, e o mais complicado são as cobranças, que são exorbitantes, entre correções, elaborações de trabalhos e planilhas, sinto-me totalmente desvalorizada, sem reajuste há anos, com salário defasado, trabalhando o dobro da carga horária, só estamos a perder; mesmo com nosso salário em dia, ele continua o mesmo desde 2015, sem ajuste sequer do aumento da inflação, o que nos coloca em uma situação de diminuição completa do poder de compra, nos angustia muito essa situação.” Marina Lameu, docente da SEED, Apucarana/PR.

“A atividade remota não é nada parecida com ensino a distância e, com ela, nos sentimos mais vigiados e controlados. Só veio fortalecer o Escola sem Partido, que, outrora, parecia enfraquecido, mas que retorna com força total. Mães e pais, familiares interrompem as aulas contrariando-as e fazendo questionamentos ao que é dito pelos professores, mas o que é mesmo mais difícil são as infindáveis tentativas frustradas de fazer interação com os estudantes, uma vez que ninguém responde ou participa.”  Helena Ragusa Granado, professora da SEED, Londrina/PR.

“As aulas remotas são muito diferentes das aulas presenciais e nós, professores, tivemos que nos reinventar. Aprender a dar aulas novamente, e isso aconteceu do dia para a noite, numa situação totalmente adversa, de medo de uma doença desconhecida e com incertezas que abalaram ainda mais as estruturas emocionais. O pior de tudo é o assédio que vivemos, somos vigiados o tempo todo. O governo nos cobra o impossível, mas não faz a parte dele, se vamos trabalhar na escola, a internet não funciona, e a direção já pediu, sim, milhares de vezes para que isso fosse revisto, inclusive a própria escola, junto à  APMF, colocou internet local pra socorrer a demanda. Eu já comprei notebook novo, aumentei os megas da internet da minha casa, não deu conta; coloquei outra internet; pago duas agora, para poder trabalhar. E o pior é ligar as meets, iniciar as aulas e conviver com o desespero de muitos alunos que não conseguem acessar ou por falta de internet, uma vez que o pacote de dados não comporta acesso à Google Meet, ou por não terem internet em casa, ou devido ao celular não ter memória suficiente para suportar o aplicativo. Além disso, convivemos com a obrigatoriedade de mantê-los com as câmeras abertas, mas, quando abrem, a internet cai. E muitos têm vergonha de abrir a câmera e expor suas casas, pois as condições são precárias. E o secretário mandando se virar! Para completar ainda mais a decadência, o governo criou a tal Aula Paraná, postada no Google Classroom, gerenciada pelo tal Power BI, que nunca atualiza dados. Fiscalizam tanto o nosso trabalho e não fazem o deles.” Vânia Inácio Costa Gomes, professora da SEED, Lidianópolis/PR.

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“Uma dificuldade que temos trabalhando com o sistema da SEED é que, mesmo trabalhando, muitas vezes levamos falta por erros do próprio sistema, tendo que, depois, provar que estávamos presentes na aula. Tudo isso mesmo a gente trabalhando e seguindo todos os protocolos dos meets.” Herculanum Pires, professor da SEED, Maringá/PR.

“O trabalho na pandemia está sendo muito complicado, eu sou professora, meu marido também, e temos uma filha de cinco anos. Estamos trabalhando e cuidando da nossa filha ao mesmo tempo em que ela também está em aula. Assim, tenho que trabalhar e, no mesmo momento, dar atenção à minha filha, que está tendo aula on-line. Conforme tenho uma hora vaga, ou meu marido, corremos para ajudá-la. Nosso trabalho está muito mais desgastante, complicado, isso sem contar que tivemos que comprar computadores, porque são três pessoas utilizando os recursos tecnológicos. Nem eu na rede pública, nem meu marido na rede privada tivemos ajuda de custo para a compra de materiais, isso sem falar da internet que, por ter muita gente usando, cai com frequência, nos dificultando a dinâmica de aula. Financeiramente, bancamos nosso trabalho em home office e, além da perda financeira, temos um trabalho exaustivo com alunos querendo nossa atenção de dia e de madrugada, sábado, domingo e feriado. Pais também querem conversar nas suas folgas do trabalho. Para não perder alunos, acabamos atendendo por medo de termos evasão. Outros problemas são as aulas on-line pelo Meet, que têm uma participação baixa, e precisamos reter a atenção deles com ideias muitas vezes mirabolantes, uma vez que nossos recursos são todos on-line. E se os alunos não acessam, a culpa sempre cai em cima dos professores… uma lástima.” Camila Bertagna Sano, docente da SEED desde 2015, Apucarana/PR.

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“Ricardo Barros? Quem é Ricardo Barros? Deputado Federal, líder de que coisa? Desse desgoverno genocida, neonazifascista? Quem é Ricardo Barros? Especialista do quê? Referência de quê? O que ele escreveu? Onde estão seus trabalhos científicos, acadêmicos, referendados pela academia? O que esse senhor sabe sobre educação, sobre ciência, sobre o verdadeiro significado do conceito de política? Um medíocre escolhido pelo voto do ódio, da ignorância, da manipulação, representante do pior dessa sociedade corrupta. Ao ouvir seu asqueroso pronunciamento na Câmara Federal, onde a maioria representa o atraso, os interesses dos setores mais retrógados da sociedade brasileira, agredindo os educadores, a primeira reação é de nojo, de asco, um analfabeto funcional falando contra os professores, um negacionista, ignorante vomitando ódio contra o setor mais importante de qualquer sociedade. O outro sentimento foi de pena, pois um país que não valoriza, não respeita e não protege seus educadores está condenado, o Brasil está condenado desde 1500 e, nesses últimos anos, desde o golpe de 2016, o país mergulhou no pior que existe em termos de governantes, políticos, empresários e sociedade. Senhor Ricardo Barros, quem é Ricardo Barros? Os professores estão trabalhando muito mais nesses tempos de pandemia, trabalham dia e noite, nos finais de semana, usando seus recursos materiais e suas capacidades adquiridas nas universidades, nos estudos, no conhecimento, na tentativa de salvar o pouco que resta da educação pública brasileira, que parasitas, como o senhor, estão tentando destruir. Quem é Ricardo Barros? Um parasita!!!” Professor Fernando Santiago, ministra História e Filosofia em Arapongas/PR.

“Durante a pandemia, especialmente no ano passado, acredito que nunca trabalhei tanto na minha vida, com a questão de produção e correção de módulos, verificação de tarefas, criando e fiscalizando meets, entrando em contato com pais diretamente, em um trabalho exaustivo de ir atrás dos alunos que não estão frequentando as aulas, de estar preocupado com esses estudantes e, digo mais, eu queria muito que a pandemia acabasse, pois, com o sistema remoto, eu trabalho muito mais, em uma intensidade ainda mais impactante que no ensino presencial. Obviamente, gostaria de retornar para as salas de aulas, temos muitas dificuldades com alunos carentes de infraestrutura, muitas vezes, tenho que levar as atividades diretamente na casa desses alunos, porque muitos pais não estão preocupados… é uma situação bem difícil.  Vendo a fala do deputado, me senti indignado e até mesmo com raiva, alguém que é uma figura pública ter uma fala dessas, sem ao menos tentar compreender a nossa realidade, é um absurdo, eu tenho certeza de que nós, professores, trabalhamos muito mais que a maioria dos políticos do nosso país, fiquei indignado…”  Douglas Pastrello, professor de História e Filosofia da SEED e da rede privada, Arapongas/PR.

“Assisti à entrevista do sr. Ricardo Barros, concedida à CNN, no dia 20/04/21. Fiquei profundamente entristecido com tudo que ouvi durante os quase 30 minutos de sua fala. Mas, sobretudo, impressionado com a capacidade de destruição de seu discurso nos poucos minutos reservados a responder uma questão sobre a educação (uma verdadeira metralhadora disparando contra os educadores). O deputado falou sobre seu “não saber” a respeito do que ocorre na educação do nosso país em pouco menos de três minutos — o suficiente para, com uma enxurrada de inverdades, destruir, envergonhar, entristecer e difamar todos os profissionais da educação desse país. Três minutos, vejam só… apenas três minutos foram suficientes para tantas incoerências: dizer que sobra tecnologia, conectividade, mas falta demanda e interesse por parte de diretores e diretoras – considerados(as) ultrapassados(as) —;que os professores não estão dando aulas; que não querem trabalhar; que, em 2020, não tivemos nenhum dia de aula; que estão causando danos às crianças; que as escolas e os professores não têm interesse em modernização e atualização; que (por já terem passado em concursos) só almejam aposentadoria; que simplesmente não buscam aprender mais. Enfim, como professor há quase 20 anos, só posso dizer que a dor que o deputado causou em mim e em todos os meus colegas de profissão, com seus disparos, não será convertida em prejuízo a nossos educandos, mas em mais munição para a luta em favor de uma educação realmente humanizadora e libertadora. Difícil expressar em poucas palavras o sentimento que toma conta de cada educador que se vê obrigado a se submeter a essas calúnias diárias. É um misto de revolta, indignação, mas, sobretudo, de ímpeto para empreender a mudança. Daí temos que recorrer à poesia. Só ela pode dizer da ‘conta que estamos fazendo pro dia que vai chegar' 

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E a gente fazendo conta

Pro dia que vai chegar

Madeira de dar em doido

Vai descer até quebrar

É a volta do cipó de arueira

No lombo de quem mandou dar  (Geraldo Vandré).”

Professor Claudiney, Londrina/PR.


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