Tem um meme que faz muito sucesso na internet, usado em situação em que alguém se mete numa “fria”: “Quem não tem as manhas, não entra não, sem a instrução de um profissional” e depois arrematado com o bordão “doce, doce, doce, como mel”, seguido de uma risada escrachada. Se esse meme tivesse surgido há 25 anos, seria perfeito na boca de um personagem que entrou para a história de Apucarana. Acir Alves, 57 anos. Pouca gente o conhece na cidade, mas não há quem já não tenha admirado uma de suas grandes realizações, o painel da onça, com 230 metros quadrados, que enfeita a lateral de um prédio na praça central da cidade.
O painel da onça fez 25 anos de história em 2022. Foi pintado em 1997. E é um dos cartões postais de Apucarana, capaz de “rivalizar” com outros ícones locais, como a Catedral Nossa Senhora de Lourdes. Embora famosa, pouca gente sabe sobre o artista responsável pela obra, que já esteve ameaçada, foi tombada como patrimônio artístico cultural da cidade em 2015 e, desde então, é protegida por lei e até passou por uma cuidadosa revitalização, finalizada no ano passado.
Não faltam credenciais profissionais ao artista que pintou “o prédio da onça”, como acabou ficando conhecido o Edifício Ariane. Alcir Alves é quadrinista, ilustrador, designer gráfico e artista plástico. Ele revela que a obra de Apucarana mudou sua vida. Ocorre que o artista simplesmente morre de medo de altura e precisou da ajuda divina como “instrução profissional” para dar conta do recado.
“Eu gostava de uma cervejinha. Quando fui no prédio e vi a altura, percebi o tamanho da encrenca. Então pedi a Deus: se ele me tirasse daquela ‘parada’ com sucesso e vivo, eu iria parar de beber”, conta o artista, que tem um estúdio de artes gráficas em Campo Grande, que ele toca com a filha. “Graças a Deus, parei de beber”, emenda, dando risada da própria história. “Hoje faço exercícios regularmente e até corro maratonas”, conta.
E, como se diz no popular, não se deve abusar da fé e nem “testar” Deus, Acir, dali em diante, só passou a aceitar trabalhos com os pés firmes no chão e nunca mais se atreveu a pintar em lugares altos, ainda que tenha recebido novas propostas neste tipo de trabalho.
Mas como o mato-grossente veio parar em Apucarana?
Acir lembra que em 1997, um amigo, dono de uma produtora em Campo Grande, foi a ponte. O amigo havia trabalhado na campanha do ex-prefeito José Domingos Scarpelini, que, ao visitar Campo Grande, se encantou com um desenho feito na lateral de um prédio e decidiu fazer algo em Apucarana.
“Me perguntaram que eu topava fazer o trabalho e eu disse sim”, conta o artista. Acir veio a Apucarana com mais dois amigos para a empreitada, Willian da Silva Simões e Hélio Roseno. Aliás, Roseno acabou ficando na região depois do trabalho e morreu pouco tempo depois, em Maringá. Na época, por desinformação, muita gente achou que quem teria morrido seria o próprio Acir e por isso ainda há quem diga que o autor da onça já esteja morto.
Acir e os amigos ficaram hospedados num hotel, onde estava também todo o elenco da equipe de futebol da cidade. Depois da conversa com o prefeito, Acir foi até uma livraria, comprou tinta guache e, no quarto do hotel, esboçou o desenho, que foi apresentado e aprovado pelo prefeito.
Com a ajuda de mais dois auxiliares cedidos pela prefeitura, Acir quadriculou o desenho, quadriculou o prédio para assegurar as proporções, e passou praticamente os dois meses seguintes trabalhando por horas sobre o balancim, que não o deixava esquecer da promessa. Duas catracas faziam subir e descer o andaime onde Acir e os dois amigos passavam o dia presos, por cintos de segurança. “Nunca tinha feito nada igual antes, na vida. E nunca mais fiz”, reitera.
Acir Alves é audodidata. Ele começou a carreira no cinema em Campo Grande. Nos anos de 1980, os cinemas tinham painéis grandes onde artistas como Acir copiavam e ampliavam os poucos cartazes de filmes como forma de atrair o público. Assim teve primeiros contatos com as tintas, desenvolveu técnica, mas cansou de copiar e foi trabalhar como ilustrador e chargista num jornal semanário da cidade. Lá via os desenhos recebidos das agências de publicidade e decidiu que era o que queria fazer. Foi trabalhar em agências e consolidou a carreira de ilustrador, designer gráfico e quadrinista. As artes plásticas, hoje, são quase como um hobby diário.
Ele conta que a onça e as folhagens fazem referência à história da região, antes da formação das cidades, com fauna e flora muito ricas. Ele lamenta que faltem mais registros da época e que também não tenha sido feito um memorial descritivo da obra no decreto de tombamento. Mas nada disso tira o encanto com a realização. Acir tem muito orgulho do trabalho que fez. “Fico feliz demais em ter essa história, de relevância. Para nós, artistas, quando saímos de um estado e deixamos marca em outro estado, é algo grandioso. Quando nossa obra é difundida e reconhecida, temos que prezar muito por isso”, diz. E confessa que tem um sonho de voltar a Apucarana para fazer uma exposição de seus trabalhos, como gibis, quadros em acrílico sobre telas, ilustrações.
Em Campo Grande, Acir Alves tem um longo acervo de trabalhos e quadrinhos, em que retrata e preserva lendas urbanas, folclore local e lembra da relação de carinho com Apucarana e fala com orgulho do painel. Para ele, um painel externo é das coisas mais prazerosas na vida de um artista. “É arte ao ar livre, aberta, para todas as pessoas apreciarem. É o que dá prazer e motivação”.
Por, Claudemir Hauptmann
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