O ano de 2020 tem sido fértil em propostas de regulamentação de jogos de azar no Brasil. O ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio já ventilou em ao menos uma reunião ministerial que permitir a construção de resorts turísticos com cassinos integrados poderia ter grande potencial arrecadatório. Conforme o ministro, seriam 40 bilhões de dólares apenas em outorgas e investimentos imediatos para permitir os jogos exclusivamente nesses ambientes controlados.
Agora a proposição informal do ministro ganha formalidade com o Projeto de Lei 5234/2020, do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE). O texto do projeto visa a alterar a Lei de Contravenções Penais para permitir o enquadramento de hotéis-cassino como prestadores de serviços turísticos.
A proposta legislativa menciona dados de faturamento de outros países e uma demanda represada por jogos no país, ilustrada pelo exemplo do Conrad Punta del Este Resort & Casino, do qual brasileiros seriam responsáveis por 70% da ocupação e 50% da receita, conforme dados do Instituto Jogo Legal.
Porém, diferentemente de outros projetos em tramitação no Congresso sobre o tema, o PL 5234/2020 não menciona a grande oferta de cassinos online e nem a operação física de jogos no Brasil de maneira ampla.
Projetos discrepantes
A legalização de jogos de azar é um tema controverso há décadas, marcado por liberações e contenções. No século XX, os cassinos foram regularizados por Getúlio Vargas na década de 1930, mas postos na ilegalidade por Eurico Gaspar Dutra, seu sucessor.
O decreto-lei de Dutra, de 1946, estabeleceu o fim dos jogos de azar e desde então nunca foi seriamente desafiado. Diversas propostas legislativas desde a Democratização tramitam com variados níveis de sucesso no Congresso Nacional.
Um dos principais Projetos de Lei sobre jogos de azar segue desde abril de 2019 à espera de deliberação pelo plenário do Senado. Trata-se do Projeto de Lei do Senado 186/2014, de autoria de Ciro Nogueira (PP/PI). A proposição destoa daquela defendida pelo governo federal, pois é mais abrangente, definindo legalmente o que são jogos de azar, seus modos de exploração, a destinação de recursos arrecadados, além das sanções administrativas e penalizações criminais em caso de violação das regras.
A regulamentação e liberação mais ampla dos jogos defendida pelo PLS 186/2014 representa a visão da Frente Parlamentar Mista pela Aprovação do Marco Regulatório dos Jogos. Integrantes desse grupo já se manifestaram contrariamente à regulamentação pontual em resorts-cassinos. O deputado Bacelar (Podemos-BA) chegou a afirmar que a proposta federal poderia ceder ao lobby do grupo norte-americano Las Vegas Sands em detrimento do bem-estar nacional.
A proposta federal deixa de fora a regulamentação de bingos e do jogo do bicho, que, conforme argumenta a Bacelar, poderia gerar a criação de 600 mil empregos formais no país e arrecadação de até R$15 bilhões com impostos anuais.
A atual legislação de jogos de azar é heterodoxa. Operadores de apostas esportivas aguardam a elaboração de regras específicas para sua atuação, que já foi admitida por lei em 2016. Por outro lado, o funcionamento de bingos, contendo também máquinas caça-níqueis e de videopôquer, foi aprovado pela Lei Zico. No entanto, essas atividades foram proibidas novamente em 2004. Até hoje, operadores de jogos brigam na Justiça e encontram subterfúgios para seguir operando.
Desde 2007, uma súmula vinculante expedida pelo Supremo Tribunal Federal fixou que somente a União pode legislar sobre o funcionamento de bingos e loterias. A medida tolheu a grande quantidade de liminares de tribunais para a liberação de atividades de jogos nos estados, mas o jogo clandestino ainda segue sendo realizado, e incorpora avanços técnicos eletrônicos.
Por enquanto toda a questão do jogo não passa de discussões, idas e vindas e zonas cinzentas. Quem quiser jogar caça-níqueis online terá a possibilidade disso sem burlar a lei, já que a Lei do Jogo não trata sobre internet. E fará isso de forma segura, já que as melhores empresas são licenciadas e seguem boas-práticas.
Entretanto as possibilidades perdidas de geração de empregos, tributos e possibilidades econômicas desperdiçadas deveriam gerar maior celeridade.