No centro das discussões após um aumento inédito de casos no nordeste do Brasil, há 28 anos a microcefalia é uma realidade diária e cheia de desafios para a ivaiporãense Maria Elisa Vicente, mãe de Gerson Hideo Nakamura.
Ela conta que ficou sabendo do problema do filho quando ele tinha dois dias de vida. A notícia, traumática, foi acompanhada ainda da separação com o marido. Na época, ela morava na capital paulista. “Apesar do sofrimento inicial superamos as dificuldades. O meu conselho para a mãe que tem ou possa ter um filho microcefálico é que tenha muita paciência e muito apego a Deus”, comenta.
Maria Elisa Vicente, mãe de Gerson Hideo Nakamura, que nasceu com microcefalia (Foto: Ivan Maldonado)
Crianças nascidas com microcefalia geralmente têm complicações no desenvolvimento da fala, desenvolvimento motor e alguns casos quadros de convulsão. Elas precisam de acompanhamento multidisciplinar, com neurologista, pediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, entre outros profissionais. Gerson só começou a andar e a falar com 7 anos. “O meu filho, além de todas as dificuldades, ainda tem convulsões e foi diagnosticado com surto psicótico. Apesar de tudo isso é muito carinhoso.
Quando o Gerson surta não é contra as pessoas é contra ele mesmo, se agride, se morde. Ai converso com ele e aos poucos vai se acalmando”, explica Maria Elisa. Mesmo com todas as dificuldades e preconceitos Maria Elisa diz que o amor pelo filho é muito maior. “Não é sofrimento não, Deus dá jeito para tudo. Se eu não conseguisse superar isso, Deus não teria me enviado o Gerson, ele é o meu presente. Além disso, tive todo o apoio da Apae e se não fosse isso, acredito que ele não estava nem andando. Foi muito trabalho e muita dedicação dos profissionais aqui da escola”, diz.
Gerson é acompanhado na Apae desde os sete meses. Atualmente, ele está em processo de alfabetização. A professora Andrea Chagas está ensinando as letras a Gerson há dois anos. “Ele conhece o alfabeto, identifica as figuras e os animais. A maior dificuldade dele é de pulsão e coordenação motora, mal consegue segurar o lápis para realizar as pinturas”, explica Andrea.
Em Jandaia do Sul, o casal de agricultores Nice Aparecida dos Santos, 35, e Adenilson Almeida Miguel, 39, convive com a microcefalia há quase 10 anos. O filho deles, Denner Henrique, foi diagnosticado aos 7 meses. A mãe conta que por causa da anomalia, o filho não ouve, não anda e não fala. Além disso, ele toma em média 5 remédios por dia para evitar a convulsão, sintoma comum de quem nasceu com microcefalia.
A mãe conta que a gestação de Denner foi tranquila e os ultrassons e os exames não apontaram nenhuma anormalidade. “Quando ele completou 7 meses percebi que havia algo errado porque ele não firmava o pescoço”, recorda. Nice e Adenilson resolveram levar o filho ao pediatra que, recomendou que o garoto fosse a um neuropediatra. “Após uma bateria de exames, o especialista veio com o diagnóstico que mudou totalmente nossas vidas”, ressalta. “A gente ficou apavorado.
Sabíamos que seria um cuidado diário para o resto da vida. Nenhum pai e mãe está preparado para receber esta notícia”, afirma. Após um período de entendimento, o casal e a filha mais velha, a estudante Liliane, 20 anos, começaram a adaptar. “Não foi fácil, mas com a ajuda da minha família e depois com o amor da minha netinha Maria Beatriz, 5, superamos tranquilamente”, explica. Sobre as notícias do vírus zika e o surto da doença, a mãe prefere não acompanhar. “Nosso caminho teve algumas complicações e prefiro curtir meu filho e minha família”, conclui.
Vírus tem preferência pelo tecido cerebral
O neuropediatra Clay Brites, de Arapongas, explica que a microcefalia é uma medida de perímetro cefálico inferior a 33 centímetros. “A microcefalia não é uma doença, mas um sinal clínico de algo não está normal no cérebro daquela criança”, reforça. De acordo com o médico, a microcefalia pode ser causada por vários fatores, como doenças genéticas, infecções congênitas ou distúrbios metabólicos, hemorragia cerebral, entre outros. Em relação ao zika, Brites comenta que o vírus transmitido pelo mosquito aedes aegypti tem uma preferência por tecido cerebral. Assim, se o corpo humano adquiri-lo durante a gravidez, especialmente no início da gestação, ele vai se alojar no cérebro da criança dentro do útero e causará um processo inflamatório.
“Como o cérebro do bebê se encontra em formação, esta inflamação vai atrapalhar os passos do desenvolvimento. O resultado é a destruição de células e vias de comunicação, além da formação de calcificações e perda de camadas de neurônios, levando a uma perda de volume e, por extensão, a microcefalia”, esclarece. Além disso, o médico diz que o zika pode causar também lesões oftalmológicas. Portanto, conforme Brites, é possível tomar medidas necessárias para reduzir o contato entre o mosquito e a pele. “Evite situações que promovam sua reprodução, como está amplamente divulgado nos meios de comunicação e na vigilância sanitária. Outro meio é usando repelentes para proteção da pele”, acrescenta.