A campanha para as eleições municipais de 2024 registrou o maior número de casos de violência política na última década, conforme aponta um estudo divulgado nesta segunda-feira, 16, pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos. Entre novembro de 2022 e outubro de 2024, foram contabilizados 714 casos de violência direcionados a pessoas que se candidataram, um aumento expressivo em comparação com os anos anteriores da série histórica iniciada em 2016. A impunidade é apontada como um dos principais motivos para o avanço dessa tendência.
Gisele Barbieri, coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, aponta que a violência política se intensifica durante os pleitos municipais. "Entendemos que as respostas do estado como um todo a essa violência têm sido aquém do esperado. Isso causa uma naturalização dessa violência e faz com que os episódios também sejam cada vez mais frequentes", explicou. Os números revelam um crescimento significativo: de apenas 46 casos em 2016, o total subiu para 214 em 2020 e alcançou 558 em 2024, representando um aumento de 12 vezes desde o início do levantamento.
A pesquisa também identificou que as disputas políticas em âmbito municipal costumam ser mais violentas devido a conflitos territoriais, conforme observa Daniele Duarte, diretora adjunta da Justiça Global. Além disso, mulheres têm sido alvos frequentes desse tipo de violência. "Dos 714 casos gerais do período que nós analisamos, 274 são contra mulheres. Considerando pretas e pardas, são 126 casos. Os homens também são mais vítimas porque estão em maior número dentro do sistema político. Quando a gente consegue identificar os agressores, quase 80% também são homens", explica Barbieri.
Gisele Barbieri ressalta a importância da Lei 14.192, aprovada em 2021, que criminaliza a violência política de gênero, mas aponta a necessidade de aprimoramento da legislação. "É uma lei que ainda precisa ser ampliada e aperfeiçoada, porque a gente não consegue ver quase nenhum caso enquadrado dentro dessa lei. O sistema de justiça também demora a dar respostas com relação a esses casos", acrescenta.
O cenário é ainda mais alarmante no ambiente virtual. A falta de regulação eficaz da internet permitiu que as ameaças online se expandissem. De acordo com Gisele Barbieri, mais de 70% das ameaças registradas em 2023 e 2024 foram feitas por meio de redes sociais, e-mails ou plataformas digitais. Daniele Duarte complementa que o anonimato online dificulta investigações, permitindo que os agressores permaneçam impunes. "Existem hoje muitos mecanismos para os ameaçadores se esconderem, que a justiça não acesse e não chegue até eles", explica. Muitas ameaças incluem a divulgação de informações pessoais das vítimas, o que aumenta os riscos.
O levantamento também revela que, em 2024, quase duas pessoas foram vítimas de violência política por dia. Para efeito de comparação, em 2018, uma pessoa era atingida a cada oito dias. Os Estados que registraram os maiores números de casos foram São Paulo (108), Rio de Janeiro (69), Bahia (57) e Minas Gerais (49). Dentre as diferentes formas de violência, as ameaças foram predominantes, representando quase 40% dos casos totais, com 224 ocorrências. No entanto, 27 assassinatos, 129 atentados, 71 agressões físicas e 81 ofensas também foram contabilizados.
Para enfrentar a escalada da violência política, as pesquisadoras defendem que o poder público adote medidas concretas. Entre as sugestões estão o fortalecimento de programas de combate à violência nos órgãos legislativos, a ampliação da segurança para candidaturas coletivas e assessorias, e a criação de canais eficazes de denúncia e acolhimento. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também é cobrado com campanhas que combatam o discurso de ódio, o racismo e a violência de gênero durante os processos eleitorais.
Além disso, o estudo enfatiza a importância de articulação entre sociedade civil, partidos políticos e instituições democráticas. Para as pesquisadoras, a responsabilidade de combater a violência política e fortalecer a democracia no Brasil deve ser compartilhada. "É uma responsabilidade coletiva", conclui