A eleição municipal deste ano expôs um mal-estar na direita bolsonarista. Nesta terça-feira, 8, o pastor Silas Malafaia criticou a postura adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o primeiro turno. Malafaia classificou como "dúbio" o comportamento do ex-presidente para as disputas pelas prefeituras de São Paulo e de Curitiba, nas quais o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), respectivamente, concorrem com apoio do PL - que indicou os candidatos a vice em cada chapa.
"Entra nas redes sociais de Bolsonaro e dos filhos dele. (Durante) Toda a campanha, não teve uma palavra de apoio ao Nunes. É como se a eleição de São Paulo não existisse. Que conversa é essa? Bolsonaro é um líder e eu continuo apoiando ele, mas errou estupidamente", afirmou Malafaia ao Estadão. "Que líder é esse? Sinal dúbio para o povo? Líder toma frente, líder dá a direção."
Na capital paulista, à revelia do acordo firmado entre PL e Nunes, Pablo Marçal (PRTB) concorreu à Prefeitura com adesão significativa entre o eleitorado bolsonarista, segundo pesquisas eleitorais. Já na capital do Paraná, o principal nome a rivalizar com Eduardo Pimentel (PSD), apoiado oficialmente pelo ex-presidente, foi a jornalista Cristina Graeml (PMB) - que recebeu sinalização de Bolsonaro na reta final da campanha primeiro turno.
Em São Paulo, Nunes vai disputar o segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL) - candidato apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e tendo como vice Marta Suplicy (PT); já o vice na chapa do atual prefeito é o coronel Ricardo Mello de Araújo, do PL de Bolsonaro. Em Curitiba, o vice na chapa de Pimentel é Paulo Martins, também do PL.
"Se a gente é severo com a esquerda, se temos caráter, temos que ser sinceros (também) com aquilo que a gente apoia", afirmou Malafaia. "Eu não deixei de apoiar Bolsonaro e de ter consideração por ele. Tenho tanta consideração que estou falando a verdade."
Covarde
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Silas Malafaia considerou que o clã Bolsonaro foi "covarde" e "omisso" ao não apoiar enfaticamente candidatos com o apoio institucional do PL. "Quem vai fazer aliança com um cara que não é confiável? O que ele fez em São Paulo e no Paraná foi uma vergonha", disse o pastor.
Questionado sobre as declarações de Malafaia, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que "o presidente Bolsonaro fez o que tinha que ser feito, no momento certo, e foi decisivo para o cenário em São Paulo".
"Se não fosse Bolsonaro, Ricardo Nunes não estaria no segundo turno. Assim como foram decisivos Tarcísio e Malafaia, cada um na sua função, como um time de futebol que não ganha só com atacantes. A fase agora é de distensionamento e, sem orgulho e vaidade, vamos juntos vencer a extrema esquerda em São Paulo. 2026 já começou e precisamos ser mais racionais que emotivos", disse em nota o filho do ex-presidente.
Por sua vez, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) classificou como "ataque absurdo" as declarações de Malafaia sobre seu pai. Nas redes sociais, o vereador destacou a importância do pastor nas "pautas da liberdade dos presos políticos e suas derivações" e que sem ele "muito da anistia não estaria andando na Câmara Federal", mas criticou a posição do religioso em relação ao ex-presidente.
Próprio campo
O cientista político Leonardo Avritzer, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório das Eleições, avalia que o primeiro turno da disputa municipal trouxe um realinhamento no campo político. Segundo ele, na capital paulista, Marçal mostrou que existe um caminho para desafiar Bolsonaro em "seu próprio campo".
"A eleição em São Paulo coloca uma série de problemas para Jair Bolsonaro. Passa a haver uma nova liderança de direita, ou extrema direita, muito competitiva com ele e que utiliza os mesmos métodos - forte presença nas redes sociais e apoio de grupos conservadores e religiosos. São exatamente os mesmos mecanismos que sustentam o bolsonarismo", afirmou ao Estadão. De acordo com o professor, "o futuro de Pablo Marçal ainda é incerto e, eventualmente, ele pode até se tornar inelegível no curto prazo. No entanto, ele demonstra que existe um caminho para desafiar o Bolsonaro no seu próprio campo, o que certamente preocupa o ex-presidente."
Bolhas
Para Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia, o influenciador, que disputou o principal Executivo municipal do País pelo nanico PRTB, saiu da eleição com uma votação muito significativa e consolidado como "um player da direita moderna, que consegue orbitar mais do que o Bolsonaro entre negros, LGBTs e jovens".
"Ele fura várias bolhas que o Bolsonaro tem dificuldade de penetrar. Tem uma retórica muito forte e um apelo muito intenso. Eu acho até que ele tem um apelo mais nacional do que local, para São Paulo, apesar de a classe média alta paulistana gostar muito dele, por causa desse estilo superliberal, meio yuppie misturado com coaching (...) A classe média gosta dele, mas a massa, a classe C, D, e a elite mais intelectualizada da cidade se assustam. Eu acho que ele tem um forte apelo nacional", disse Dorgan em entrevista ao Estadão.
O cientista político conclui que Marçal se tornou um "caroço" para a direita e se consolidou como "um problema real para o Bolsonaro, que está inelegível". "E a intensidade do apoio de Tarcísio a Nunes mostra o receio de Tarcísio de ser substituído por ele", disse.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.