Os senadores Jorge Seif (PL-SC), Marcos Pontes (PL-SP), Rogério Marinho (PL-RN) e Damares Alves (Republicanos-DF) têm mais coisas em comum do que o fato de terem sido ministros durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e eleitos no ano passado. Neste início de mandato, a atuação do quarteto também se assemelha pela quantidade de requerimentos apresentados na Casa cobrando esclarecimentos a seus sucessores na Esplanada dos Ministérios. Ao todo, já foram ao menos 30 pedidos a ministros do governo Lula feitos pelos parlamentares desde a posse no Senado, em 1º de fevereiro. A lista inclui também Sérgio Moro (União-PR), mas, neste caso, o alvo do ex-juiz não é Flávio Dino, chefe da Justiça e Segurança Pública.
Os pedidos não têm uma ação efetivamente prática, neste caso. Agora na oposição, os parlamentares bolsonaristas cumprem apenas a cartilha de contestar decisões tomadas pelo governo federal, de preferência nas áreas nas quais ainda têm alguma influência. Assim, utilizam-se das prerrogativas do cargo para pedir satisfações dos planos a serem desenvolvidos em cada ministério, sempre em tom de crítica e com a intenção de valorizar o que foi feito por eles na gestão anterior.
Damares, por exemplo, já oficiou o atual responsável pela pasta de Direitos Humanos, Silvio Almeida, três vezes e outras quatro a ministra Nísia Trindade, da Saúde, em temas relacionados à política para mulheres. Até abril de 2022, quando deixou o governo federal para lançar-se candidata, era ela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Os requerimentos endereçados a representantes do governo seguem um rito dentro do Senado. Cabe ao Núcleo de Apoio à Mesa Diretora e de atendimento a Parlamentares receber os pedidos e determinar um relator para cada caso, que avaliará a justificativa apresentada e emitirá um parecer, depois apreciado dentro do prazo de cinco sessões. É nesta fase que estão a maioria dos textos levantados pela reportagem.
Chamado por Bolsonaro de "zero seis", em uma alusão ao apelido dado a seus filhos, Jorge Seif (PL-SC) é outro exemplo. Ex-secretário Especial de Aquicultura e Pesca, o parlamentar já apresentou três requerimentos sobre atribuições do agora Ministério da Pesca. Dois deles pedem informações diretamente ao ministro André de Paula, sobre a pesca da tainha. Marina Silva, do Meio Ambiente, também foi questionada a respeito.
"A portaria é absurda e não traz informações ou dados técnicos que a sustentem. Por isso, exigimos explicações para essa medida arbitrária", justificou o senador.
Escolhido por Bolsonaro para disputar uma vaga de senador por Santa Catarina no ano passado, Seif é aliado próximo da família e, assim como outros representantes da bancada bolsonarista, atua na Casa para tentar derrubar o decreto antiarmas assinado por Lula para dificultar o acesso e o porte no Brasil.
O astronauta Marcos Pontes, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, já solicitou informações à ministra Luciana Santos, sua sucessora, em quatro ocasiões. Em um dos requerimentos, o parlamentar relata ter recebido a visita de pesquisadores para denunciar atrasos no pagamento de bolsas, confirmado pelo próprio presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão.
A atual responsável pela pasta também foi questionada pelo senador sobre as medidas tomadas para o enfrentamento de episódios de gripe aviária no Brasil. O mesmo pedido de dados foi também endereçado à ministra Nisia Trindade, da Saúde.
"Tenho acompanhado com atenção a notícia sobre os casos de gripe aviária no Camboja e a confirmação de contaminação em seres humanos pela OMS. Por isso, apresentei requerimentos para os ministérios da Saúde, da Agricultura e Pecuária e da Ciência, Tecnologia e Inovação para saber quais medidas estão sendo tomadas para o enfrentamento da doença no Brasil", justificou o senador.
Derrotado em sua tentativa de eleger-se presidente do Senado, Rogério Marinho, ex-ministro do Desenvolvimento Regional e do Trabalho na gestão Bolsonaro, também tem adotado a prática de solicitar informações a atuais ministros ou demais representantes do alto escalão, com destaque para Jorge Messias, da Advocacia Geral da União (AGU).
Marinho iniciou seu mandato com oposição sistemática ao governo Lula e foco na defesa de ações desenvolvidas pela gestão Bolsonaro. Pelas redes sociais, o senador procura relembrar leis aprovadas pelo governo passado especialmente na área econômica, como a privatização da Eletrobrás e o novo Marco Legal do Saneamento.
Mais que um conjunto de leis, o Marco Legal do Saneamento representa uma revolução civilizatória para o Brasil. Desde sua sanção, concessões e outorgas arrecadaram mais de R$ 90 bilhões, destinados para obras de melhorias e ampliação de infraestruturas, aprimorando serviços.
Os mesmos temas têm sido destaque em suas falas na tribuna do Senado e nos pedidos de informação a integrantes do governo federal. Ao ministro Márcio França, por exemplo, responsável por Portos e Aeroportos, Marinho cobra dados sobre o programa "Voa, Brasil", que visa incentivar a oferta de passagens aéreas mais baratas à população.
Damares
Desde fevereiro, a senadora já solicitou informações sobre as políticas adotadas pelo Ministério da Saúde para pessoas com doenças raras, sobre ações desenvolvidas pelo Ministério dos Direitos Humanos para prevenir gravidez na adolescência e sobre os motivos da revogação de diversas portarias editadas entre 2019 e 2022, como a que obrigava médicos a relatarem casos de aborto decorrente de estupro à polícia, entre outras.
Damares defende mudanças nas regras vigentes no Brasil para o chamado aborto legal - em caso de estupro, anencefalia do feto e risco à gestante. Em seus requerimentos, a senadora também pede avaliação das atuais políticas de Direitos Humanos a famílias e crianças, assim como acompanhamento da aprendizagem de alunos da educação básica.
Depois de divulgar ter "sido acometida pelo vírus da herpes zoster", Damares ainda sugeriu à ministra da Saúde, Nísia Trindade, a inclusão da vacina contra a doença no Calendário Nacional de Vacinação.
Já o ex-ministro Sérgio Moro (União-PR), por enquanto, não tem focado nas ações desenvolvidas por Flávio Dino, da pasta de Justiça e Segurança Pública. Até aqui, Moro pediu dados a Fernando Haddad, da Fazenda, e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) também não tem cobrado seu sucessor na pasta de Agricultura.
O que dizem os senadores
Todos os senadores mencionados na reportagem foram procurados pelo Estadão. Eles foram questionados sobre os ofícios, bem como sobre a existência de uma eventual articulação feita por meio dos envios.
Damares Alves justificou que "são requisições de informação". "Estou apresentando diversos (pedidos) conforme o artigo 50 da Constituição Federal", afirmou a ex-ministra das Mulheres.
A assessoria de comunicação de Rogério Marinho reiterou as justificativas dos ofícios e disse que, além dos identificados pela reportagem, houve outros questionamentos direcionados aos ministros Jader Barbalho Filho (Cidades), Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda).
O gabinete de Jorge Seif informou que o senador está cumprindo agendas em São Paulo, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.