O recesso parlamentar no Congresso não paralisou as discussões de bastidores sobre o destino da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro no segundo semestre deste ano. Os parlamentares debatem a possibilidade de retomar os trabalhos, em agosto, com o depoimento do ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha, que comandava o órgão no dia em que ocorreram os ataques golpistas às sedes dos Três Poderes.
A convocação de Cunha foi mobilizada pela oposição, numa tentativa de fortalecer a tese de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria sido omisso durante o processo de preparação do esquema de segurança para o dia 8 de janeiro. A Abin elaborou relatórios e alertas que foram enviados aos órgãos públicos sobre os riscos envolvidos nas manifestações convocadas para aquele dia.
Cunha foi nomeado diretor-adjunto da Abin no primeiro dia de mandato de Lula e acabou exonerado do cargo em março. Em abril, ele foi escolhido para chefiar a assessoria especial de Planejamento e Assuntos Estratégicos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), onde permaneceu por apenas dois meses.
Além de Cunha, há a expectativa de que os ex-ministros Anderson Torres, do governo Jair Bolsonaro (PL), e Gonçalves Dias, da gestão Lula, sejam ouvidos ainda em agosto. A ordem dos depoimentos será debatida na primeira reunião deliberativa do grupo após o recesso. Os dois ministros mobilizam os diferentes lados da CPMI por causa do alto potencial de desgaste de seus ex-chefes.
A relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), ainda pretende realizar acareações no segundo semestre - ou seja, colocar em confronto as versões de dois ou mais investigados para identificar inconsistências e contradições nos depoimentos. A parlamentar também quer usar a segunda etapa da investigação para focar nos financiadores dos atos golpistas. Ela quer identificar, por exemplo, se os empresários que financiaram os acampamentos em frente aos quartéis do Exército tinham contratos com o governo Bolsonaro.
Prazo
O segundo semestre de trabalho da CPMI também deve ser de embate entre os parlamentares sobre o tempo de duração das investigações. A comissão instalada no final de maio deste ano está autorizada a funcionar por 180 dias, portanto até meados de novembro. O regramento do Congresso prevê a renovação do prazo por tempo igual, mas a relatora e os parlamentares governistas estão empenhados em liquidar a apuração ainda neste ano.
Eliziane tem dito a interlocutores que o prazo atual de 180 dias é suficiente para a finalização do relatório. A oposição, em contrapartida, busca levar o trabalho da CPMI para 2024, numa tentativa de desgastar o Palácio do Planalto em ano de eleições municipais. Os parlamentares desse campo argumentam ser insuficiente o prazo estabelecido para chegar a conclusões satisfatórias sobre o que ocorreu no dia 8 de janeiro.
Os oposicionistas cobram da mesa diretora da CPMI a autorização para colher depoimentos de todas as pessoas presas no dia 8 de janeiro. Esse trabalho seria uma das justificativas para ampliar o prazo de funcionamento do colegiado, já que mais de 200 pessoas continuam detidas nos presídios da Papuda e da Colmeia.
O presidente da CPMI, Arthur Maia (União Brasil-BA), não decidiu qual lado apoiará caso sejam apresentados requerimentos de ampliação do prazo de funcionamento do colegiado. Para que os trabalhos sejam prorrogados, é necessário que a oposição apresente requerimento e reúna as assinaturas de 27 senadores e 171 deputados. Ainda é necessário que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leia em plenário o pedido de ampliação do prazo, após a fase de coleta de apoio.
O posicionamento dos membros da comissão tende a influenciar os votos dos demais parlamentares sobre o destino CPMI. A oposição, portanto, precisará reeditar em cenário adverso o feito de instalação da comissão, quando conseguiu reunir as assinaturas de 246 deputados e 40 senadores. De lá para cá, o governo Lula estreitou laços com partidos do Centrão, como PP e Republicanos, para consolidar sua base de sustentação e evitar novas derrotas no Congresso, a exemplo da CPMI.