Apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) brigam nas redes sociais pelo domínio da consulta pública de um projeto de lei, apresentado pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que anistia condenados de depredar as sedes dos Três Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro deste ano. A consulta pública no site do Senado, no entanto, é simbólica e não interfere na tramitação do projeto de lei.
Na prática, a consulta pública não tem o poder de aprovar ou arquivar um projeto, e tampouco exerce qualquer influência sobre os votos dos parlamentares. A consulta pública é uma ferramenta do Senado disponível para todos os projetos apresentados por parlamentares - projeto de lei, proposta de emenda à Constituição, projeto de lei complementar, ordinária, etc. Ela fica aberta enquanto o projeto estiver tramitando na Casa. Por isso, não tem prazo para acabar.
Para votar, basta fazer cadastro no site do Senado. Cada pessoas cadastrada só pode votar uma vez e o voto não pode ser alterado. A consulta permite que os parlamentares "meçam a febre" e vejam como uma proposição está sendo aceita pelas pessoas.
No entanto, para uma proposta ser aprovada, ela precisa dos votos dos deputados e dos senadores no trâmite legislativo. Por isso, mesmo que uma normativa tenha apoio massivo dos votantes da consulta pública, ela pode parar no arquivo do Congresso na hora em que for votada nas Casas. Não existe possibilidade legal de um projeto ser aprovado apenas pelo apoio dos cidadãos.
O movimento nas redes sociais ficou mais intenso entre terça, 24, e quarta-feira, 25. No começo da articulação, o "não" para o PL 5064/2023 estava na frente. No final desta manhã, os favoráveis à proposta estavam ganhando com uma diferença de mais de 40 mil votos. Ao todo, mais de meio milhão de pessoas opinou por meio da consulta pública.
Veja quem são os parlamentares que puxam o 'sim' e o 'não' à proposta
O perfil oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) no X (antigo Twitter) pediu aos filiados da sigla para que votassem "não" na consulta pública. A publicação chama os extremistas do 8 de janeiro de "vândalos golpistas de 08/01".
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Fake News, chamou de "cretina" a proposta de Mourão e acusou o ex-vice-presidente de ter "bandido de estimação". "Em qualquer país decente, quem tenta dar um golpe de Estado, paga pelo crime", disse o deputado.
Ele foi às redes pedir votos aos seus seguidores na manhã de terça-feira, 24, quando o "não" estava vencendo a consulta.
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) chamou o projeto de lei de "vergonhoso". "Incentivar o crime é próprio dessa extrema direita fascista. Votem não na consulta do Senado." Além dele, pastor Henrique Vieira (SP) e Erika Hilton (SP), parlamentares da mesma sigla, pediram o "não" dos seus seguidores na consulta pública.
Já do lado dos favoráveis à anistia dos manifestantes do 8 de janeiro estão os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Gustavo Gayer (PL-GO). O goiano gravou um vídeo dizendo que o Brasil está "de coração partido" por causa da "condenação de pessoas humildes e simples que estavam no 8 de janeiro, mas não quebraram nada".
A publicação de Zambelli com o vídeo de Gayer foi compartilhada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente.
Nikolas Ferreira (MG), também deputado federal do PL, pediu o "sim" dos seus seguidores "para que a justiça seja feita e essas pessoas não paguem por uma perseguição desproporcional da esquerda".
Hoje, as consultas públicas que mais têm votos computados são sobre o estabelecimento do voto impresso no País, o fim do auxílio-moradia para juízes, deputados e senadores e a redução do número de cadeiras do Legislativo federal. O projeto de lei de Mourão está no 11° lugar da lista.
A consulta que mais tem votos registrados é uma sugestão protocolada no portal e-Cidadania em 2018, direcionada à Mesa do Senado, pedindo que os parlamentares apresentem um projeto de lei estabelecendo o voto impresso no Brasil. A consulta ultrapassou 3,4 milhões de votos - 1,7 milhões a favor da proposta.
Se um dia o Congresso aprovar uma lei estabelecendo o voto impresso, ela já nasce inconstitucional. Isso porque, em 2020, o Supremo já decidiu sobre o tema e entendeu que a medida violaria o sigilo e a liberdade de voto. O sistema de voto eletrônico no País é auditável.
O segundo lugar das consultas públicas com mais voto trata do fim do auxílio-moradia e também foi apresentada por meio de uma sugestão do e-Cidadania, em 2017. A maioria dos 1,9 milhões de votos é pelo fim do benefício. Pouco mais de 10 mil pessoas votaram para mantê-lo.
Uma proposta de emenda à Constituição de 2015 do ex-senador Jorge Viana (PT-AC), hoje presidente da Apex-Brasil, é o terceiro lugar. Ele propõe a redução do número de deputados e senadores. Apesar de ter a maioria dos mais de 1,8 milhão de votos na consulta pública, para sair do papel a medida teria que ser votada pelos parlamentares, que teriam que concordar em reduzir os próprios cargos.