Agenda de Heleno revela espionagem da Abin contra petistas e estratégias contra urnas

Autor: Pepita Ortega, Fausto Macedo, Marcelo Godoy e Rayssa Motta (via Agência Estado),
quarta-feira, 27/11/2024

A Polícia Federal apreendeu uma agenda na casa do general Augusto Heleno que revelaria o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para a espionagem de petistas e planeja a disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. Entre os petistas vigiados pela ABIN estava o ex-deputado Vicente Cândido.

Na mesma página, Heleno anotou os nomes do advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff, e do então deputado federal Alexandre Padilha, atual ministro das Relações Institucionais. O documento foi apreendido pelos policiais durante a Operação Tempus Veritatis, em fevereiro.

Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo Bolsonaro, Heleno tinha sob seu comando a Abin. Ele também monitorava ações da Polícia Federal que pudessem atingir o governo, segundo o relatório do inquérito do golpe. O ex-ministro foi um dos 37 indiciados no inquérito pela PF sob as acusações de tentativa de abolição do estado democrático de direito, golpe de estado e organização criminosa.

A reportagem não conseguiu localizar sua defesa. Em depoimentos anteriores, Heleno sempre negou a tentativa de golpe ou uso ilegal da Abin.

Os federais escreveram no relatório que as anotações evidenciaram "as ações articuladas entre o então ministro do GSI, Augusto Heleno e a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN no interesse do grupo criminoso". O manuscrito de Heleno dizia: "Vicente Cândido (ex-deputado PT). É o novo Vaccari. ABIN está de olho nele". "Além disso, descreve, nas palavras do investigado que a "PF preparando uma sacanagem grande", possivelmente se referindo à Polícia Federal", afirmam os investigadores.

A alusão a João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT preso durante a Operação Lava Jato, indica que Heleno e a Abin queriam provas para incriminar os petistas e colocaram o aparelho do estado à serviço dos interesses pessoais do grupo de Bolsonaro. De acordo com a PF, outros documentos foram apreendidos na residência de Heleno.

Papéis sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas

Eles descreveriam supostas" inconsistências e vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, servindo de subsídio para a propagação de informações falsas sobre o sistema de votação, linha de atuação do grupo investigado". O primeiro desses documentos foi intitulado "Relatório de Análise de Urna Eletrônica (2016)".

Segundo a PF, ele trazia quatro argumentos que questionariam a impossibilidade de "auditar de forma satisfatória" o processo de votação e contabilização dos votos, afirmando que as chaves de criptografia não seriam bem protegidas, o que possibilitaria a terceiros extrair chaves do sistema de arquivos, quebrar os códigos e obter as chaves privadas dentro do sistema de arquivos.

Em outro momento, ao analisar a agenda do general, os federais também acharam anotações que evidenciariam "o objetivo da organização criminosa em disseminar ataques ao sistema eletrônico de votação". Em uma delas, havia um registro de uma "reunião de diretrizes estratégicas" e a necessidade de "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações". E concluía: "É válido continuar a criticar a urna eletrônica".

Heleno fez outras anotações sobre supostas fraudes no sistema eletrônico de votação e transmissão de dados dos votos. São utilizadas as seguintes frases: "FRAUDES PRÉ PROGRAMADAS ", "MECANISMO USADO PARA FRAUDAR ", "ESCRITÓRIO VENDE ALGORÍTMOS ", "TSE - 1 alimenta" e "9 MILHÕES DE VOTOS ELEITORES". Os federais então concluem: "Diante do exposto, os elementos probatórios demonstram, portanto, que a estratégia foi realizada pela organização criminosa, para propiciar a subversão ao Estado Democrático de Direito."

A tentativa de provar ligações criminosas de petistas foi a mesma linha exposta na reunião de 5 de julho de 20223, na qual o então ministro da Justiça, Anderson Torres, fez, segundo a PF, "imputações graves, relacionando a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) ao Partido dos Trabalhadores (PT), afirmando que muita coisa estaria vindo à tona, inclusive com depoimentos. De forma enfática diz: "Isso não é mentira. Isso não é mentira".

Por fim, o então Ministro da Justiça afirma que atuaria de forma mais incisiva, por meio da Polícia Federal. Na mesma reunião, Heleno disse: "Conversei ontem o Victor (Carneiro), novo diretor da Abin. Nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo. O problema todo disso é se vazar qualquer coisa aí… muita gente se conhece nesse meio. E, se houver qualquer acusação e infiltração desses elementos da Abin em qualquer dos lados…"

Heleno acabou interrompido por Bolsonaro antes que terminasse sua fala. O presidente pediu que o assunto fosse tratado em conversa privada. As falas de Torres e Heleno reforçariam a suspeita de que o governo usou a estrutura do Estado para espionar ilegalmente e acusar seus adversários a fim de obter vantagens na campanha eleitoral de 2022.