Mistura entre política pública e religião precede gestão Crivella no Rio

Autor: Da Redação,
segunda-feira, 16/01/2017

LUIZA FRANCO E ITALO NOGUEIRA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Todo sábado, obreiros da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) visitam o Abrigo Evangélico Caminho da Felicidade, lar para idosos que tem convênio com a Prefeitura do Rio de Janeiro.

Foi assim que José Alves Sobrinho, 67, se converteu. Antes de chegar ao abrigo, Sobrinho bebia e já havia inclusive sido expulso de outro lar. Apesar de ter "evangélico" no nome, o dono do Caminho da Felicidade, Orlando Fonseca, é católico -as irmãs com quem fundou o abrigo é que são protestantes. As paredes da casa são decoradas com imagens de santos.

"Nós aceitamos todos, independente de cor, sexo, raça ou religião. Todas as religiões são bem-vindas aqui. A igreja é importante em um abrigo como este porque ela substitui o carinho da família que o idoso que está aqui já não tem mais, se é que teve um dia. O pessoal da Universal traz a Santa Ceia, vinho, água, pão. Traz até piscina para batizar", diz Fonseca.

O abrigo faz parte de uma rede de centenas de entidades conveniadas com a Prefeitura do Rio que atuam no abrigamento de menores, tratamento de viciados em drogas e acolhimento de idosos, em troca de recursos do Fundo Municipal de Assistência Social. Grande parte delas tem vínculos com a Igreja Católica, denominações evangélicas e grupos espíritas.

A relação entre município e essas entidades mostra, para um especialista, que a mistura entre religião e políticas públicas precedeu a posse do prefeito Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Universal.

"Essa área de atuação dá uma possibilidade muito grande de aumentar sua capacidade de influência e, de um certo modo, sua clientela. Muitas vezes os serviços são confundidos com da própria igreja", disse a pesquisadora Maria das Dores Machado, da Escola de Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Ex-secretário municipal de Assistência Social Adilson Pires (PT) defende o convênio com entidades religiosas desde que fiscalizadas para que cumpram exigências técnicas para prestação do serviço.

"Em alguns casos, a religião tem um papel importante, sim. Muitas vezes há pessoas numa situação de descrença total, de depressão, sem família... O trabalho técnico, de psicólogos, é muito importante. Mas, às vezes, a questão religiosa é aquele fio em que a pessoa se agarra e ajuda a reinseri-la na sociedade", afirma.

A nova primeira-dama, Sylvia Jane Crivella, já afirmou que pretende atuar na área social na prefeitura, com especial atenção a projetos de apoio a menores de rua na cidade. Ela assumiu a Obra Social do município.

Em nota de sua assessoria de imprensa, a atual secretária de Assistência Social, Teresa Bergher (PSDB), afirmou que "que boas iniciativas para colaborar são bem-vindas, independente de credo. O Estado é laico, o que não significa que as religiões não possam contribuir".

Além dos cultos da Iurd, o abrigo Caminho da Felicidade também recebe, uma vez por mês, a Assembleia de Deus. No passado, um grupo espírita chegou a fazer sessões lá. Católicos também visitam de vez em quando.

Fonseca diz que prefere contratar funcionários que sejam religiosos, caso de metade de sua equipe. "A pessoa religiosa tem um comportamento diferente. Não falta ao trabalho, cuida melhor dos outros", declarou. Dos 40 idosos que vivem lá, 12 são evangélicos. "A gente não obriga ninguém a fazer nada. Eles perguntam e as pessoas aceitam. Quem não quiser participar, não precisa."

No abrigo para crianças Vivendas da Fé, há cultos aos domingos e grupo de oração às quartas. As crianças não são obrigadas a participar, mas acabam se juntando, diz a diretora, Verônica Pereira. "Criança adora música. Elas botam DVDs e saem dançando", diz Pereira.

"As igrejas têm um histórico de assistencialismo. Tirar alguém da rua, dar uma comida, cortar o cabelo. Mas a prefeitura hoje reconhece que podemos fazer mais, cuidar da criança, evitar que ela volte para a rua", afirma ela.

No abrigo espírita Doce Morada, as sessões do credo acontecem num edifício vizinho, para os quais os idosos atendidos são convidados. "A religião espírita levanta a bandeira da caridade, mas aqui temos de tudo. Os vovozinhos evangélicos têm liberdade para sair. Os irmãos evangélicos buscam eles aqui para irem ao culto. A gente não impõe religião a ninguém", diz uma das diretoras, Cândida Lopes.