Decisão do STF não levaria a aumento expressivo de prisões, aponta estudo

Autor: Da Redação,
quinta-feira, 06/10/2016

LUCAS VETTORAZZO

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A decisão do STF que estabelece que réus podem ser presos a partir de decisão na segunda instância da Justiça poderá levar à prisão ao menos 3.460 pessoas no país.

O número consta de estudo feito por dez professores da FGV Direito Rio ao longo de setembro.

Coordenado pelo professor Ivar Hartmann, o estudo analisou 2.630 processos que estão com recurso para julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal), após os réus terem sido condenados na segunda instância de Tribunais de Justiça no país.

Pela decisão proferida por seis votos a cinco no STF nesta quarta-feira (5), réus poderão ir para a cadeia antes da fase do processo criminal chamada de "transitado em julgado", que é quando esgotam-se, em todos as alçadas, a possibilidade de recurso. Seria, portanto, a fase definitiva do processo.

Para se chegar a ela, o réu tem quatro instâncias a se recorrer -o juiz singular, o tribunal (Tribunal de Justiça, se for estadual, ou Tribunal Regional Federal, se a competência for da Justiça Federal) e as duas instâncias superiores (STJ e STF).

Nos 2.630 processos criminais analisados pela FGV Direito, foram identificados 3.394 réus.

Desse total, 2.077 se encaixam na matéria avaliada nesta quarta pelo STF -são pessoas condenadas em segunda instância e que recorreram às instâncias superiores.

Nessa condição, 394 (ou 19%) já estavam presas quando recorreram. Outros 1.683 (ou 81%) recorrem em liberdade. Desse total em liberdade, ao menos 180 têm penas que superam oito anos, o que demandaria regime fechado.

Para chegar ao impacto real no sistema prisional, o estudo expandiu a amostra, tendo como base o número atual de presos no país, de 622.202.

A situação dos 180 seria, portanto, a de 3.460 réus no Brasil -que representaria, segundo estudo, aumento de 0,58% da população carceraria atual.

"O número de réus que poderiam ter mandado de prisão expedido para execução provisória no regime fechado tende a ser inferior aos 3.600 indicados por nosso levantamento", diz o estudo, usado inclusive durante voto de ministro na quarta.

De acordo com o professo Ivar Hartmann, o estudo foi feito para saber se a tese de que a decisão do STF levaria a um encarceramento em massa no Brasil, o que poderia contribuir para o colapso do já esgotado sistema prisional brasileiro.

"Não havia dados sobre o impacto e nosso levantamento mostrou que o impacto é irrisório", disse o professor à reportagem.

Hartmann disse ser favorável à decisão do STF e rebateu críticas de que ela feria o amplo direito de defesa e a presunção da inocência.

"Na segunda instância já há criação de provas suficientes para manter uma prisão como parte da pena. O princípio da presunção de inocência se dá em níveis, que vão caindo a medida que o processo avança. Não é razoável que o réu comece a cumprir a pena somente quando a presunção seja zerada. O ministro José Roberto Barroso lembrou em seu voto um processo que teve 25 recursos até o transitado em julgado", disse.

O professor deu o exemplo de um reincidente, ao explicar que a presunção de inocência ocorre em níveis. Quando se chega à segunda instância, em tese já houve investigação da polícia e do Ministério Público por meio de inquéritos e a aceitação da Justiça pela abertura do processo, o que coloca o acusado na condição de réu.

"Nessa fase, em muitos casos já foram juntadas provas suficientes que sustentem uma prisão", disse.

CRÍTICAS

Diversas entidades de direitos humanos se posicionaram contra a decisão do STF, entre elas o IAB (Instituto dos Advogados do Brasil), que afirmou que o Supremo "enterra a Constituição" e que fere o direito a ampla defesa.

A OAB e o Partido Ecológico Nacional entraram com ação questionando a decisão. A Defensoria Pública do Rio ingressou na mesma ação como parte interessada.

Em nota publicada nesta quinta-feira (6), a defensoria afirmou que a prisão antes da decisão condenatória "vai aprofundar as injustiças do sistema penal brasileiro".

"A Defensoria Pública do Rio sustenta que a execução antecipada da pena acarretará no agravamento de um sistema penal seletivo, que pune mais quem cometeu pequenos crimes. A antecipação da execução da pena vai gerar injustiças, já que boa parte das decisões condenatórias acaba sendo revista pelos tribunais superiores", afirma a instituição em nota.

De acordo com a defensoria, 41% dos recursos interpostos pelo órgão junto ao STJ pedindo absolvição, atenuação de crimes, redução ou substituição de crimes têm efeito positivo.