Sala de vídeo dá lugar a classe de pré-escola na gestão Doria

Autor: Da Redação,
sexta-feira, 05/05/2017

GIBA BERGAMIM JR. E PAULO SALDAÑA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com o objetivo de ampliar vagas na educação infantil, a gestão João Doria (PSDB) tem fechado espaços como brinquedotecas e salas de leitura nas escolas para criar salas de aula para atender crianças de 4 e 5 anos. Professores e especialistas afirmam que essa política de expansão pode precarizar o ensino.

A medida foi informada às escolas, a partir do final de março, em e-mail da Secretaria de Educação. Salas de informática e vídeo também têm sido transformadas em novas classes de pré-escola.

Emenda constitucional de 2009 tornou a matrícula de crianças de 4 e 5 anos obrigatória. O prazo final para universalizar esse atendimento acabou no ano passado e o não cumprimento pode provocar questionamentos judiciais contra a administração.

Segundo a secretaria, 33 escolas passaram por algum tipo de mudança --de um total de 551. Foram readequadas 11 salas de informática, 5 salas de leitura e 3 brinquedotecas. Ao todo, diz a gestão, foram criadas 74 turmas em dois turnos diurnos de seis horas.

Educadores reclamam que não houve discussão prévia com a prefeitura e que projetos pedagógicos para esses espaços foram prejudicados.

Pais de alunos da Cemei Capão Redondo (zona sul) foram avisados nesta quarta-feira (3) que a brinquedoteca deu lugar a uma classe. Na unidade, funcionam creche (até 3 anos) e pré-escola.

"A professora disse que tiraram a brinquedoteca contra a vontade dela. É um espaço a menos", diz a dona de casa Angela Rodrigues, 33, mãe de uma aluna.

Na Escola de Educação Infantil Thais Motta, em Taipas (zona norte), duas classes foram criadas no lugar das salas de leitura e informática. A direção improvisou a sala de leitura em um pátio interno.

Um educador que pediu para não ser identificado disse que o trabalho pedagógico foi "desrespeitado" e que, em uma dessas salas, as aulas começaram sem lousa.

Moradora de Taipas, a funcionária pública Aline Febraio, 30, precisou transferir seu filho de 5 anos para uma escola no bairro e ficou seis meses à espera de vaga. Conseguiu a matrícula em uma das novas salas abertas.

"Ele até chorava sem ir pra escola, então foi um alívio. Mas não achei a melhor solução", diz. "Não faz sentido eles ficarem só na sala, era importante ter esses espaços."

FILA

O desafio dos municípios para expandir a educação infantil passa por restrições orçamentárias e dificuldade de obter terrenos nas periferias.

A gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) havia prometido zerar a demanda de pré-escola até o fim de 2016, o que não ocorreu. Houve aumento no acesso, e o número de escolas desse tipo passou de 525 para 551. Entretanto, em dezembro passado, 1.269 crianças ainda esperavam por uma vaga.

Em março, mês com o dado mais atual, a fila nessa etapa chegava a 4.352 crianças. A prefeitura registra 219.451 matrículas em pré-escolas.

Uma decisão judicial de 2013 obrigou a Prefeitura de São Paulo a criar 150 mil vagas na educação infantil (em creches e pré-escolas). A Justiça pontuou que a expansão não deveria ocorrer às custas de perda de qualidade.

Na gestão Haddad, como forma de ampliar o acesso, o número de alunos por sala foi ampliado, chegando a 35 crianças por sala. Parâmetros de qualidade do MEC (Ministério da Educação) indicam um limite de 20 alunos.

A pesquisadora Maria Malta Campos, consultora da Fundação Carlos Chagas, explica que decisões como essa revelam falta de planejamento. "Para desafogar a pressão por mais vagas, compromete-se a qualidade."

Ela ressalta a importância das salas ambientes, que enriquecem as experiências infantis. "Como o número de crianças por professor ainda é bastante alto, com esses espaços alternativos é possível trabalhar em alguns horários com grupos menores de crianças", diz a pesquisadora.

Segundo ela, a preparação desses espaços requer tempo e dedicação. "Ter que desmontar tudo isso de uma hora para outra pode gerar desmotivação para o trabalho e decepção para crianças."

O advogado Rubens Naves, que integra o Grupo de Trabalho Interinstitucional pela Educação Infantil (Gtiei), diz que a decisão deveria ser debatida com as escolas.

"Se o prefeito, na pretensão de criar vagas, tem que fechar uma biblioteca cujo projeto é essencial para a escola, ele pode prejudicar essas crianças", afirma o advogado.