Outras cirurgias não sofrem todo esse preconceito, diz médico de Romário

Autor: Da Redação,
domingo, 29/01/2017

GABRIEL ALVES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O médico Áureo Ludovico de Paula está no meio de um dos conflitos médico-jurídicos mais intensos dos últimos tempos. Ele é um dos principais praticantes e defensores da técnica de cirurgia bariátrica conhecida como "gastrectomia vertical com interposição ileal (GVII)". Foi ele o responsável pelas operações do senador Romário (PSB-RJ) e do apresentador Faustão.

Nos últimos dias, Romário apareceu em fotos nas redes sociais visivelmente mais magro. Ele declarou ter feito a cirurgia para controlar o diabetes –sua glicemia estava entre 300 e 400 mg/dl, quando o recomendado é ter um nível inferior a 100. O ex-jogador diz estar agora em 80 mg/dl.

Em entrevista, o médico fala dos atritos com o Conselho Federal de Medicina, entidade para a qual a modalidade de bariátrica que realiza ainda é experimental, só podendo ser realizada após aprovação por um comitê de ética.

Na prática, no entanto, a cirurgia está liberada por uma decisão da Justiça que contraria o parecer do CFM. A decisão se deu a partir da opinião de uma junta de especialistas escolhida para avaliar o caso.

Para outros especialistas, como o médico Ricardo Cohen, coordenador do Centro de Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a prática ainda é arriscada. "Precisamos de opções de cirurgia para tratar o diabetes, mas para essa ainda faltam estudos de médio e longo prazo."

A mudança de status ainda pode levar alguns anos, especula Cohen. Para de Paula, no entanto, já passou da hora de ela ser totalmente reconhecida no país. "Desde 1985 ela é usada para o tratamento de diabetes e obesidade", afirma.

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Pergunta - Há quanto tempo o sr. realiza essa cirurgia? Qual é a vantagem dessa técnica? Áureo de Paula - Há mais de dez anos. Na época, a cirurgia bariátrica era considerada de alto risco para tratamento da obesidade. Havia limites para tratar doenças como o diabetes. Após anos de estudos, ficou evidente seria possível tratar a doença com essa cirurgia.

De onde veio o interesse dos famosos pelo seu nome?

- Todos os pacientes nos procuram pelos resultados, pela efetividade e segurança. Em geral, até 85 a 90% dos pacientes são curados ou entram em remissão do diabetes e outras doenças, como o colesterol elevado, hipertensão arterial, obesidade.

Houve testes clínicos e em animais o suficiente?

- A GVII já é feita em humanos desde 1928, com publicação na revista "Annals of Surgery", e foi utilizada ao longo dos anos para múltiplas indicações clínicas gastroenterológicas e até urológicas. Houve inúmeros trabalhos em animais. Para tratamento da obesidade e doenças associadas, ela é feita desde 1985.

Por que o CFM deu parecer contrário à realização dessa cirurgia fora de um contexto de pesquisa?

- A Câmara Técnica de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, composta por ilustres médicos e professores, aprovou a cirurgia GVII em 2010 como "não experimental" após reuniões e seminários. O último teve a presença de mais de 40 especialistas de todo o Brasil. Está nas atas do CFM e no processo do Judiciário.

A cúpula diretiva, não especialista, não referendou a decisão técnica, em exemplo único na história desse tribunal ético. A cirurgia está documentada em dezenas de publicações em revistas nacionais e internacionais com o meu nome e diversos outros autores, além de teses de doutoramento no Brasil e em outros países. Ela é realizada em países como Portugal, Itália, Índia, Estados Unidos, França.

A que o senhor atribui essa discordância entre a Justiça e o CFM?

- A discordância faz parte do esclarecimento das ideias e do aperfeiçoamento científico. A unanimidade é uma utopia. A Justiça Federal também considerou a cirurgia como não experimental, e essa decisão está em vigência, com efeito que atinge a todos no Brasil e que retroage no tempo. Portanto, a cirurgia nunca foi experimental.

A cúpula diretiva, integrada por médicos sem nenhuma vivência na área, é que discordou por motivos que somente eles podem responder.

Pacientes já morreram por causa dessa cirurgia?

- Sim. Em pacientes com IMC [Índice de Massa Corporal] abaixo de 35, o índice de mortalidade é de 0,4%. Ela é tão segura quanto cirurgias de obesidade padrão, em pacientes de alto risco.

Os outros tipos de cirurgias não teriam efeitos semelhantes no organismo?

- Em um famoso estudo da Universidade de Cleveland, foi constatado que em 22% dos casos do bypass gástrico e em 15% dos casos da gastrectomia vertical há remissão do diabetes. Em tratamentos clínicos [não cirúrgicos], a remissão é de 0%. Um estudo do Hospital Sírio-Libanês comparou o bypass com o GVII e houve remissão de 29% e 75%, conforme noticiou a Folha.

Quem é o paciente ideal para esse tipo de cirurgia bariátrica?

- O paciente com diabetes tipo 2, independente do peso. É indispensável uma avaliação minuciosa com exames pré-operatórios e subsequente seleção –alguns pacientes podem ser excluídos.

O senhor não corre risco de ser denunciado caso o entendimento da Justiça se altere?

- Os diabéticos certamente têm receio que a cirurgia permaneça proibida pelo CFM. Já eu tenho infinita esperança na Justiça.

Não se ousa pensar fora dos padrões, agir de forma contrária ao estabelecido pelo status quo, sem correr riscos. Espero que a Justiça continue endossando a cirurgia, que tem potencial para beneficiar milhões.

As outras variantes de bariátrica também passaram por esse tipo de questionamento?

- Existe explícito preconceito negativo por parte da cúpula diretiva do CFM. Não houve justificativa, outro laudo, outro documento contraposto para a não homologação e a não inclusão da GVII em uma resolução para tratamento da obesidade e diabetes tipo 2.

Outras cirurgias não passaram por nenhum dos passos que o CFM quer estabelecer para a GVII. O conselho não acata nem segue as próprias normas, pareceres e resoluções.

A competência técnica sobre os diferentes tópicos de medicina não é do plenário do CFM, mas das câmaras técnicas das especialidades, compostas por profissionais especialistas –o que é lógico.

Entretanto, segundo a própria Câmara Técnica (CT) de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, todas as cirurgias "legais" foram homologadas pela plenária sem avaliação por comitê de ética em pesquisa, nem pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa e sem apreciação da própria CT de Cirurgia Bariátrica e Metabólica do CFM, ainda não criada à época.