Mais de 80% condenam ataques a hospitais, diz Cruz Vermelha

Autor: Da Redação,
segunda-feira, 05/12/2016

PATRÍCIA CAMPOS MELLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mais de 80% das pessoas condenam ataques contra hospitais, ambulâncias e médicos durante guerras, mas 36% acham que é legítimo torturar um inimigo capturado para obter informações militares importantes.

Esses são alguns dos resultados do levantamento "Vozes da Guerra", uma pesquisa do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) com mais de 17 mil pessoas, realizada entre junho e setembro de 2016, em 16 países. A pesquisa analisa como as pessoas veem diferentes questões relacionadas à guerra.

Dez dos países estavam passando por conflito armado na época da enquete, entre eles Iraque, Afeganistão, Sudão do Sul, Nigéria, Palestina. Foram ouvidas também pessoas nos cinco países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (França, Estados Unidos, China, Rússia e Reino Unido) e na Suíça.

"Os resultados são tranquilizadores, mas também preocupantes", diz o presidente do CICV, Peter Maurer.

"Um número crescente de pessoas acredita que mortes de civis são parte inevitável da guerra; enquanto isso, a eficácia das convenções de Genebra e seus protocolos adicionais estão sendo cada vez mais questionadas -essas tendências são inquietantes."

As convenções de Genebra têm como objetivo a proteção de civis, prisioneiros e feridos durante conflitos. A legislação humanitária estabelece que não se pode atacar hospitais e profissionais de saúde durante guerras; é necessário permitir a entrada de medicamentos, são vedados o ataque a cidades desprotegidas, a tortura ou tratamento desumano de prisioneiros.

Nos últimos anos, as leis humanitárias vêm sendo sistematicamente violadas, especialmente no conflito da Síria, onde hospitais frequentemente são alvo de bombardeios e civis têm acesso bloqueado a medicamentos e alimentos.

A pesquisa "Vozes da Guerra" havia sido realizada pela última vez em 1999. Na comparação, hoje mais pessoas acham que a morte de civis é parte inevitável da guerra.

Em 1999, 68% dos entrevistados achavam que atacar inimigos em cidades populosas como forma de enfraquecer seu oponente, mesmo sabendo que levará à morte de muitos civis, é errado, e 30% achavam que era simplesmente parte da guerra. Em 2016, 59% disseram que é errado mirar cidades cheias de civis, enquanto 34% acreditam que é parte do conflito.

Os resultados relativos a tortura são preocupantes. Em 1999, 66% eram contrários ao uso de tortura, número que caiu para 48% na pesquisa atual.

Nos Estados Unidos, por exemplo, 46% acreditam que um inimigo capturado pode ser torturado para se obter informações importantes, enquanto 30% acham que não. Na Nigéria, 70% acham que é legítimo usar tortura nesses casos e em Israel, 50%.

"Qualquer forma de tortura está proibida e tem um impacto devastador tanto sobre as vítimas como sobre comunidades inteiras. Diante de imagens constantes e repugnantes das linhas de frente no mundo todo, não devemos perder a nossa empatia e ficar atônitos frente ao sofrimento humano", diz Maurer.

Entre os entrevistados, 71% acreditam que os médicos deveriam cuidar de feridos de todos os lados de um conflito, enquanto 23% acham que deveriam tratar apenas os feridos que estão no seu lado do conflito.

Em relação ao apoio a pessoas que fogem de guerras, 56% acreditam que seus países deveriam oferecer mais ajuda humanitária a refugiados, enquanto 26% acham que suas nações deveriam se envolver menos e 15% disseram não saber.

Esses números mudam muito quando se consideram apenas as respostas dos países integrantes do conselho de segurança da ONU -apenas 46% acham que eles deveriam ajudar mais, e 33% acreditam que deveriam se envolver menos.

Quase 75% dos entrevistados acham que aumentar a efetividade das normas da guerra e a responsabilização, mediante tribunais internacionais, ajudaria a reduzir o número de vítimas de guerra.

"Em momentos conturbados, é gratificante ver que a maioria das pessoas acredita que as normas da guerra são importantes, que os combatentes devem respeitar os civis e que todos têm direito à assistência à saúde durante um conflito", afirma Maurer.

"Esse reconhecimento dos valores humanos básicos, que aparecem de maneira mais pronunciada em países que estão passando por um conflito armado, é uma tendência contrária às terríveis violações que vemos diariamente no nosso trabalho."