Ligado à esquerda, Dario Fo era crítico e não se encaixava no teatro socialista

Autor: Da Redação,
quinta-feira, 13/10/2016

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NELSON DE SÁ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Morto nesta quinta (13) aos 90 anos, o italiano Dario Fo, bufão, dramaturgo e quase tudo mais no palco, foi um vencedor controverso do Nobel de Literatura, em 1997, premiado antes por sua trajetória voltada à retomada da literatura oral e popular do que à palavra escrita.

De todo modo, desde 1982, quando Antonio Fagundes protagonizou "Morte Acidental de um Anarquista", até a atual montagem da mesma peça com Dan Stulbach, sua dramaturgia se tornou referência de comicidade e politização no teatro brasileiro, em especial o paulistano.

Além dos citados, outros atores que devem a Fo algumas de suas principais atuações são Marília Pêra, que interpretou "Brincando em Cima Daquilo", Denise Stoklos, com "Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico", Osmar Prado, com "O Fabuloso Obsceno", e Domingos Montagner, com "Mistero Buffo".

O próprio Fo protagonizou um momento histórico do teatro no país ao apresentar a mesma "Mistero Buffo" em 1989, com palco e auditório lotados, em São Paulo. Revelou-se então a sua arte por inteiro, não restrita ao texto escrito, mas partindo dele.

Entre as cenas que apresentou naquela noite, com caráter em parte didático, ele exemplificou um de seus recursos característicos, o Grammelot, o jogo onomatopaico com palavras sem sentido, parte do esforço de lançar pontes à commedia dell'arte, do século 15.

Marcadamente ligado à esquerda, era também crítico dela. No final da vida, pós-Operação Mãos Limpas, sua militância partidária foi próxima a Beppe Grillo, comediante como ele, mas não necessariamente à esquerda e sim contrário ao sistema -e a quem buscava defender do que via como estigmatização.

Não se encaixava com facilidade também no teatro socialista. Questionava Brecht, por exemplo, por identificar inspiração burguesa nas peças e teorias do autor alemão, diferentemente do seu, mais ligado à tradição popular, que vinha da Idade Média. Com uma diferença: era anticlerical, blasfemo até.

"Morte Acidental", texto com que o diretor Antonio Abujamra o apresentou e popularizou no país, marcou no teatro o fim da ditadura militar. Uma cena, em especial. Fagundes, um louco numa delegacia, citava o governo, dirigindo-se ao público, que completava: "Filho da puta!".

Em cartaz agora, o contexto é outro, mas a versatilidade do texto de Fo o torna novamente atual.

O Louco de Stulbach aborda indiretamente a Operação Lava Jato no que revela e também no que esconde. E exorta o público à tomada de consciência e do poder, sem intermediários de quaisquer cores.