Solo de cometa onde sonda pousou é mais rico do que o esperado

Autor: Da Redação,
quinta-feira, 30/07/2015

SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase nove meses atrás, o módulo Philae realizou seu pouso num cometa. Agora, os cientistas da épica missão espacial europeia finalmente dão à luz os frutos da expedição, incluindo um relato detalhado da atribulada descida da sonda.
Em 12 de novembro do ano passado, foram duas quicadas e uma passagem de raspão pela borda de uma cratera, antes do pouso final, numa região bem acidentada do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko –"Chury", para os íntimos.
Aliás, até mesmo esse processo de pouso "com escalas" redundou em acréscimo de dados para a missão. Graças a isso, foi possível estudar as características do solo tanto no ponto da primeira quicada como no local da descida final.
O primeiro terreno a ser tocado pelo Philae era muito mais granulado e fofo –uma camada de cerca de 25 centímetros de espessura, recobrindo um solo mais duro por baixo.
Já no local do pouso final não havia essa camada fofa –o solo era muito duro já na superfície, ajudando um dos pés da sonda a se atarrachar ao chão.
O Philae ficou preso por apenas um dos três pés, e numa inclinação diagonal que deixou apenas um dos cinco painéis solares bem exposto à luz.
Foi essa posição que acabou abreviando o tempo de operação do módulo, encerrado após pouco mais de dois dias, por exaustão das baterias.
COMPOSIÇÃO
Uma das mais intrigantes revelações dos novos estudos diz respeito à composição do solo. Ela é riquíssima em moléculas orgânicas, a base da vida na Terra, e imagina-se que os cometas possam ter tido um papel trazendo esses compostos para cá, nos primórdios da formação do Sistema Solar.
Os instrumentos Cosac e Ptolemy, instalados no Philae, tinham por objetivo estudar as substâncias presentes na superfície, por meio de coleta de amostras.
O robô não conseguiu perfurar e colher esse material, mas os instrumentos tinham um modo de operação "de garantia", que envolvia estudar o que quer que entrasse neles passivamente, sem a coleta intencional.
Com isso, foi possível detectar 16 diferentes compostos, quatro dos quais (metil-isocianato, acetona, propionaldeído e acetamido) nunca haviam sido detectados num cometa antes.
Obviamente, deve haver muito mais que isso lá. "'Ponta do iceberg' é uma descrição muito apropriada", disse Fred Gösmann, cientista do instrumento Cosac."A forma como recebemos a amostra não foi a esperada. Então, o aquecimento da amostra foi meio arbitrário. Só pudemos ver os voláteis que se soltaram do material sob essas condições. Deve haver mais!"

Infelizmente, é difícil imaginar o que mais poderia haver por lá. "Certamente perdemos as moléculas mais leves e as mais pesadas só visíveis a temperaturas maiores na amostra."

Ainda assim, o resultado é uma pista importante da riqueza existente nos cometas em termos de química orgânica.

NO SUBSOLO

Após a descida, o Philae também transmitiu ondas de rádio para baixo, fazendo com que elas atravessassem o interior do cometa.

Pouso histórico num cometa

2 de 30
Medialiab/AFP
AnteriorPróxima


AnteriorPróxima
Esse estudo de radar permitiu estimar a estrutura interna do objeto, que é basicamente como uma esponja –muito porosa e homogênea, com os espaços vazios respondendo por 75% a 85% do volume total.
Também foi possível estimar a proporção entre gelo e rocha presente no cometa –e há cinco vezes mais do primeiro do que do segundo.

Além desses estudos de estrutura e composição, as imagens capturadas pelas câmeras Rolis e Civa ajudaram a investigar os processos que acontecem na superfície, com evidências de erosão –esperadas, considerando o aumento de atividade conforme o cometa se aproxima do Sol, numa órbita com período de 6,5 anos.

São sete artigos científicos no total, todos publicados na edição de hoje da revista americana "Science".

E não será a última vez que ouviremos falar do cometa Chury. A orbitadora Rosetta –que levou o Philae até lᖠsegue estudando o astro, que atingirá o periélio (ponto de máxima aproximação do Sol) em 13 de agosto.

Além disso, com o aumento da radiação solar nos últimos meses, o Philae chegou a recarregar suas baterias e retomou o contato com a Rosetta.

Não está, claro, contudo, se ele poderá fazer ciência no futuro. A comunicação é irregular, dificultada pela distância que a Rosetta precisa guardar do núcleo para evitar problemas com os jatos de partículas que estão emanando do objeto.

Também não está claro que o módulo possa sobreviver à intensa atividade do periélio. De toda forma, os participantes da missão se sentem com o dever cumprido.

"Acho que o maior legado do Philae é a sensação de que é possível realizar um grande feito", diz Lucas Fonseca, engenheiro brasileiro que participou da missão.

"Tenho certeza de que o sucesso da missão Rosetta vai empurrar toda a pesquisa de espaço profundo um degrau acima."